Quando
se trata de Direito, os chamados “princípios” servem como regras gerais, bases
para decisões abstratas. Decisões judiciais favoráveis ao fisco, no entanto,
têm mostrado que a funcionalidade de alguns métodos de cobrança levam vantagem
na balança. É o que tem ocorrido com as penhoras online em contas bancárias de
devedores no caso de execuções fiscais. A praticidade tem feito juízes, em
troca de uma maior celeridade nos sempre intermináveis processos de cobrança,
abrirem mão do direito do contribuinte de oferecer à penhora o bem menos
oneroso.
É
o que afirma o juiz federal Paulo Cesar Conrado, titular da 12ª Vara de
Execuções Fiscais em São Paulo. No último dia 18, o juiz, que é professor de
Direito Tributário na PUC-SP, na FGV-SP e no Instituto Brasileiro de Estudos
Tributários, palestrou sobre o problema no XXVI Congresso Brasileiro de Direito
Tributário do Idepe, em São Paulo. Segundo ele, a mudança de comportamento
aconteceu desde a entrada em vigor da Lei 11.382/2006, que instituiu o bloqueio
de valores em contas bancárias pela Justiça por meio do sistema BacenJud.
“Entendendo-se que a penhora online é viável mesmo sem o prévio esgotamento de
outras formas de constrição, tornou-se do executado o ônus de demonstrar a
gravosidade da medida”, observa.
A
Lei 11.382 alterou o Código de Processo Civil ao definir o dinheiro, em espécie
ou em aplicação financeira, como prioritário entre os bens a serem penhorados,
de acordo com o artigo 655 da norma. O artigo 655-A permitiu aos juízes
solicitarem diretamente aos bancos as informações dos devedores, para
determinar os bloqueios.
O
entendimento, que ganha campo na Justiça, se deve, de acordo com Conrado, a um
precedente aberto em 2010 pelo Superior Tribunal de Justiça. Ao julgar o Agravo
Regimental no Agravo 1.230.232, relatado pelo hoje aposentado ministro Hamilton
Carvalhido, a 1ª Turma da corte sacramentou: "Após as modificações
introduzidas pela Lei 11.382/2006, o bloqueio de ativos financeiros pelo
sistema BacenJud prescinde do esgotamento das diligências para a localização de
outros bens passíveis de penhora".
Na
prática, a decisão desidratou o artigo 620 do Código de Processo Civil, que
institui o “princípio da menor onerosidade” ao prever que, “quando por vários
meios o credor puder promover a execução, o juiz mandará que se faça pelo modo
menos gravoso para o devedor”.
“Acaso
o bloqueio de saldo em conta bancária gere, para o executado, um encargo
insuportável, comprometendo, por exemplo, o pagamento de seus compromissos
ordinários, a ele, e apenas a ele, caberá alegar e provar tal situação”, afirma
o juiz. “Teorica e pragmaticamente, o referido ‘princípio’ deixa de oficiar
como uma espécie de diretriz interpretativa geral, passando a operar como uma
técnica.”
Para
o tributarista Igor Mauler Santiago, do escritório Sacha Calmon Misabel Derzi
Consultores e Advogados, o Código Tributário Nacional é claro ao prever que a
penhora online só deve ser determinada se o devedor não apresentar outros bens.
“O artigo 185-A do CTN é lei especial para a matéria tributária, à qual o CPC
só se aplica em caráter subsidiário”, lembra. “A execução fiscal deve ser
garantida de forma equânime para as partes: assegurando o pagamento da dívida à
Fazenda caso o contribuinte saia vencido, mas sem o onerar excessivamente até lá.
Mesmo porque, e isso parece meio esquecido, ele também pode sair vencedor nos
embargos.”
A
inversão de valores pode causar estragos permanentes, afirma o tributarista
André Luiz Andrade dos Santos, do Tostes e Associados Advogados. “A preocupação
é maior quando o fisco se utiliza do expediente da cautelar fiscal, em que o
bloqueio online é uma constante e raramente o executado consegue substituir o
montante penhorado por outros bens”, explica. “Somam-se ainda as restrições do
fisco quanto à utilização do seguro-garantia, os prazos maiores que a Fazenda
tem para recorrer e o redirecionamento indiscriminado de execuções em face de
ex-diretores e ex-gerentes como fatores que desequilibram a relação
juridico-processual em desfavor do executado.”
De
acordo com a advogada Mariana de Rezende Loureiro Almeida Prado, do Almeida
Prado, Calil Advocacia, o uso da penhora online é mais indiscriminado em varas
judiciais de comarcas pequenas, sem especialização em matérias fiscais.
"Nas comarcas com foro fiscal especializado, na maior parte dos casos, é
possível alcançar a penhora sobre outros bens que não o dinheiro. Já nas
comarcas pequenas, a técnica é temerária", afirma.
Para
Camila Vergueiro Catunda, do Vergueiro Catunda Advogados, que esteve presente à
palestra do juiz Paulo Conrado na última quinta-feira (18/10), embora o
palestrante tenha defendido que os juízes devem, no mínimo, confirmar se o
devedor ofereceu bens à penhora, a prática nos fóruns tem sido diferente.
"Muitos juízes já deferem a penhora online antes mesmo da citação do
executado, e isso o CPC não prevê", alerta.
Camila,
que é professora no IBET, defende uma aplicação conjugada, e não excludente, do
CTN e do CPC. "Constatando o magistrado que as condições do artigo 185-A
do CTN não se perfizeram, pode se socorrer da regra do CPC", sintetiza.
"Essa é uma exigência no processo tributário imposta pelo CTN que não
sofreu qualquer interferência da regra do CPC, que se aplica a todas as demais
execuções, menos a fiscal."
Por
Alessandro Cristo
Fonte
Consultor Jurídico