O
sistema scoring – pontuação usada por empresas para decidir sobre a concessão
de crédito a clientes – foi reconhecido pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ)
como um método legal de avaliação de risco, desde que tratado com transparência
e boa-fé na relação com os consumidores.
Seguindo
o voto do ministro Paulo de Tarso Sanseverino, a Segunda Seção definiu que a
simples existência de nota desfavorável ao consumidor não dá margem a
indenização por dano moral. No entanto, havendo utilização de informações
sensíveis e excessivas, ou no caso de comprovada recusa indevida de crédito
pelo uso de dados incorretos ou desatualizados, é cabível a indenização ao
consumidor.
A
tese passa a orientar os tribunais de segunda instância em recursos que
discutem a mesma questão, já que se trata de recurso repetitivo. Hoje, há cerca
de 250 mil ações judiciais no Brasil sobre o tema – 80 mil apenas no Rio Grande
do Sul –, em que consumidores buscam ser indenizados em razão do sistema
scoring (em alguns casos, pela simples existência da pontuação).
Com
o julgamento da Segunda Seção, as ações sobre o sistema
scoring, que haviam sido suspensas em todas as instâncias por ordem do ministro
Sanseverino, voltam a tramitar normalmente. Os recursos especiais sobrestados
em razão do julgamento do repetitivo serão tratados de acordo com o artigo
543-C do Código de Processo Civil, e não mais serão admitidos recursos para o
STJ quando o tribunal de segunda instância adotar a tese fixada pela corte
superior.
O
sistema scoring foi discutido em agosto na primeira audiência pública realizada
pelo STJ, em que foram ouvidas partes com visões a favor e contra esse método
de avaliação de risco.
Conceito
Ao
expor sua posição, o ministro relator disse que após a afetação do primeiro
recurso especial como representativo de controvérsia (REsp 1.419.697), passou a
receber os advogados e constatou que havia uma grande celeuma sobre o tema,
novo no cenário jurídico.
O
ministro rebateu um dos pontos sustentados pelos opositores do sistema, para os
quais ele seria um banco de dados. Disse que, na verdade, trata-se de uma
fórmula matemática que obtém uma determinada nota de risco de crédito a partir
de dados do consumidor, em geral retirados de bancos de dados disponíveis no mercado.
Ou seja, a partir de fórmulas, a empresa que faz a avaliação chega a uma
pontuação de risco, resumida na nota final do consumidor. A análise passa por
dados pessoais do consumidor e inclui eventuais inadimplências, ainda que sem
registro de débitos ou protestos.
O
ministro recordou que a regulamentação do uso de cadastros de proteção ao
crédito, como SPC e Serasa, veio com o Código de Defesa do Consumidor (CDC), na
década de 1990. Posteriormente, a Lei do Cadastro Positivo, de 2011, trouxe
disciplina quanto à consulta de bancos de dados de bons pagadores, com destaque
para a necessidade de transparência das informações, que sempre devem ser de
fácil compreensão, visando à proteção da honra e da privacidade do consumidor.
Licitude
Por
todas as características expostas, o ministro Sanseverino entende que o sistema
scoring não representa em si uma ilegalidade. Ele destacou, no entanto, que o
consumidor tem o direito de conhecer os dados que embasaram sua pontuação. “O
método é lícito, mas deve respeito à privacidade e à transparência. Além disso,
devem ser respeitadas as limitações temporais, de cinco anos para o cadastro
negativo e de 15 anos para o histórico de crédito”, afirmou.
O
ministro explicou que esses pontos tiveram atenção especial do legislador
quando da elaboração do CDC. A lei trata também do direito de acesso do
consumidor aos dados relativos a ele nos cadastros de inadimplentes. De acordo
com Sanseverino, a Lei do Cadastro Positivo também regulamentou a matéria. As
limitações previstas nessa lei são cinco: veracidade, clareza, objetividade,
vedação de informações excessivas e vedação de informações sensíveis.
Vedações
No
caso do sistema scoring, o ministro relator acredita ser necessário aplicar os
mesmos critérios. Para ele, o fato de se tratar de uma metodologia de cálculo
não afasta a obrigação de cumprimento desses deveres básicos, de resguardo do
consumidor, contidos no CDC e na Lei do Cadastro Positivo.
O
ministro ainda explicou que as empresas que prestam o serviço de scoring não
têm o dever de revelar a fórmula do cálculo ou o método matemático utilizado.
No entanto, devem informar ao titular da pontuação os dados utilizados para que
tal valor fosse alcançado na avaliação de risco de crédito. “A metodologia em
si constitui segredo de atividade empresarial, naturalmente não precisa ser
revelada. Mas a proteção não se aplica aos dados quando exigidos por consulta
pelo consumidor”, explicou.
Sanseverino
destacou que essas informações, quando solicitadas, devem ser prestadas com clareza
e precisão, inclusive para que o consumidor possa retificar dados incorretos ou
desatualizados, para poder melhorar a performance de sua pontuação. Da mesma
forma, o ministro entende que é essencial a transparência para que o consumidor
possa avaliar o eventual uso de informações sensíveis (como origem social, cor
da pele, orientação sexual etc.), para impedir discriminação, e excessivas
(como gostos pessoais).
Tese
Ao
definir as teses que serão adotadas no tratamento dos recursos sobre o tema, o
ministro considerou lícita a utilização do sistema scoring para avaliação de
risco de crédito. Quanto à configuração de dano moral, ele entende que a
simples atribuição de nota não caracteriza o dano, e que é desnecessário o
prévio consentimento do consumidor consultado, apenas devendo ser fornecida a
informação sobre as fontes e os dados.
No
entanto, para o relator, havendo excesso na utilização do sistema, como o uso
de dados sensíveis e excessivos para a atribuição da nota, estando claro o
desrespeito aos limites legais, fica configurando abuso, que pode ensejar a
ocorrência de dano moral indenizável. O mesmo ocorre nos casos de comprovada
recusa indevida de crédito por uso de dados incorretos ou desatualizados.
O
julgamento foi unânime. Acompanharam o relator os ministros João Otávio de
Noronha, Raul Araújo, Isabel Gallotti, Antonio Carlos Ferreira, Villas Bôas
Cueva, Marco Buzzi, Marco Aurélio Bellizze e Moura Ribeiro.
Debate
O
ministro João Otávio de Noronha, ao votar, criticou as indústrias de dano moral
que nascem diariamente. Para ele, o sistema scoring é um serviço para toda a
coletividade, porque há, além de um cadastro informativo, um método de análise
de risco.
“Ele
não foi feito para prejudicar consumidor algum. Foi criado para beneficiar
aqueles que pagam em dia e precisam de um acesso menos burocrático ao crédito.
Fico perplexo que existam cerca de 250 mil ações contra essa metodologia”,
afirmou.
A
ministra Isabel Gallotti concordou com as observações de Noronha, destacando
que o serviço de pontuação não é decisivo na concessão do crédito.
Em
seu voto, o ministro Antonio Carlos Ferreira comentou que deve ser reconhecida
a responsabilidade solidária na utilização de dados indevidos e incorretos.
Fonte
Âmbito Jurídico