A
Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reconheceu a uma mulher o
direito à partilha de bens que haviam sido alienados de maneira fraudulenta
pelo ex-marido, com quem era casada em regime de comunhão parcial. Foi
constatada, na iminência da separação, uma série de expedientes fraudulentos
para dilapidar o patrimônio adquirido durante a relação conjugal.
De
acordo com as provas do processo, bens do casal foram transferidos pelo
ex-marido a seus irmãos, por preço vil, pouco antes da separação de corpos do
casal.
A
ex-mulher propôs ação ordinária contra seu ex-cônjuge porque este teria passado
para o nome dos irmãos, por R$ 220 mil e sem a sua anuência, três fazendas
avaliadas em mais de R$ 6 milhões. Casados sob o regime da comunhão parcial de
bens, ainda na vigência do Código Civil de 1916, a venda aconteceu pouco antes
da separação de fato do casal.
Na
ação, a ex-mulher afirmou que o ato teve a finalidade de excluir tais bens da
partilha quando da separação judicial, o que demonstrou “desvio patrimonial e
consequente ineficácia das escrituras de transmissão, tendo em vista a
subtração de sua meação por manifesta simulação, o que implica nulidade
absoluta do ato negocial, à luz do artigo 167 do atual Código Civil”.
Formalidades
O
tribunal estadual reformou integralmente a sentença de procedência da ação
pauliana, que havia declarado o direito à meação da ex-mulher sobre os bens
adquiridos pelo ex-marido na constância do casamento e o direito à renda no
período compreendido entre a separação de fato do casal e a sentença, em
virtude do uso exclusivo do patrimônio.
A
corte local entendeu não haver vício de consentimento capaz de anular as
alienações, tendo em vista o cumprimento das formalidades quando da lavratura
das escrituras. Entendeu ainda que a ação proposta pela ex-mulher com o intuito
de ver reconhecidos os seus direitos sobre o patrimônio do casal seria
inadequada. Isso porque os direitos dos cônjuges decorreriam do próprio regime
de casamento, e a discussão deveria ser realizada na ação de partilha, via
própria para a resolução de questões patrimoniais.
Em
ato subsequente ao julgamento pelo Tribunal de Justiça, os bens retornaram ao
antigo titular, fato que não foi negado pelo recorrido, o que, para os
ministros, demonstra a intenção de realizar um negócio fictício.
Má-fé
A
simulação retratada nos autos, segundo o relator do recurso, ministro Villas
Bôas Cueva, “reflete artimanha muitas vezes utilizada em separações litigiosas
para ocultar o conteúdo real do ato praticado e dificultar a prova de violação
da ordem jurídica”.
“A
alienação forjada, próxima ao desenlace, é, sobretudo, uma violação da ordem
pública – porquanto vedada por lei imperativa que garante não apenas o direito
à meação na separação judicial, mas também o direito de terceiros credores – e,
por óbvio, pode ser reconhecida em ação autônoma”, acrescentou.
Nulidade
Em
seu voto, o ministro Villas Bôas Cueva destacou que, no Código Civil de 1916,
conforme o artigo 147, a simulação ensejava a anulação do ato jurídico. O atual
CC, de 2002, atendendo a reclamos da doutrina, considera a simulação fato
determinante de nulidade do negócio jurídico, haja vista sua gravidade.
O
ministro considerou que, no caso, “não se está a avaliar os aspectos externos
do negócio jurídico ou se foram observados os requisitos burocráticos para sua
celebração à luz da lei de registros públicos, mas sim a perquirir a ocorrência
de simulação (violação do artigo 102 do Código Civil de 1916, correspondente ao
artigo 167, parágrafo 1º, I e II, do CC de 2002) com o intuito de aferir o
verdadeiro patrimônio do réu objeto de partilha”.
Os
bens adquiridos entre a data do casamento e a separação de fato, de acordo com
o relator, devem ser partilhados nos termos da sentença, segundo a qual a autora
conseguiu provar que a alienação do conjunto de bens pelo seu ex-cônjuge foi
viciada. “A nulidade foi devidamente provada”, concluiu o ministro.
Para
Villas Bôas Cueva, o questionável preço dos bens alienados, o parentesco entre
os negociantes, a proximidade da alienação com a separação e a relatividade da
presunção de veracidade do conteúdo das escrituras públicas demonstram que a
ação foi bem solucionada pelo juízo de primeiro grau, que constatou o fato de a
alienação dos imóveis ter sido efetuada por valor muito abaixo do praticado do
mercado.
Fonte
Âmbito Jurídico