CARTEIRA
DE TRABALHO: REFORMA TRABALHISTA NÃO TRATA DE FORMA DETALHADA AS
ATIVIDADES RECÉM-CRIADAS NO MERCADO
A
reforma trabalhista, que entrou em vigor em novembro de 2017, não
discutiu amplamente as relações de emprego nas atividades
recém-criadas no mercado de trabalho brasileiro. Por isso, dizem
advogados e especialistas no assunto, diversas ações estão
chegando à Justiça, pedindo o reconhecimento de vínculos
empregatícios de motoristas de aplicativos, youtubers e criadores de
apps, entre outras categorias. Mas como comprovar que o trabalhador é
mais do que um prestador de serviço, ou seja, é de fato um
funcionário? Para responder a essas perguntas, o EXTRA ouviu
especialistas.
Segundo
eles, embora a tecnologia tenha alterado as relações de trabalho, a
nova a lei manteve as características que definem a designação do
empregado como funcionário: é preciso haver subordinação,
pessoalidade, onerosidade e habitualidade (confira cada significado
na arte abaixo à direita). Para provar o vínculo na Justiça, é
possível levar testemunhas e apresentar documentos, incluindo
e-mails e trocas de mensagens em redes sociais.
Em
relação aos motoristas de aplicativos, embora a maioria das
decisões judiciais não tenha reconhecido a relação de trabalho
entre as empresas e os motoristas, há decisões recentes, de São
Paulo e Minas Gerais, determinando a assinatura da carteira dos
condutores e o pagamento de horas extras, adicional noturno, verbas
rescisórias e multa pelo rompimento do contrato sem justa causa.
As
empresas alegaram que as relações de trabalho não são exclusivas,
pois os parceiros podem se cadastrar em outros aplicativos ou prestar
o serviço de transporte privado concomitante. Além disso, os
usuários pagam aos motoristas por viagem, e os condutores
desembolsam uma taxa de serviço sobre as corridas.
Segundo
Maurício Tanabe, professor da Fundação Getulio Vargas (FGV), nos
casos em que os trabalhadores comprovaram vínculos com o aplicativo,
havia prestação de outros serviços à mesma empresa.
— No
caso julgado pelo tribunal mineiro, o condutor foi contratado pela
empresa para atrair novos motoristas. Ele recebia um comissionamento
específico. Já em São Paulo, o caso era de um motorista muito bem
avaliado, que recebia uma série de benefícios, dava ideias para a
empresa implementar e reivindicava concessões. Havia uma interação
direta — observou.
Para
a advogada Maria Lúcia Benhame, a reforma trabalhista perdeu a
chance de aproximar a legislação da nova realidade:
—
Situações que existem hoje não se
encaixam nos moldes da lei. A reforma devia ter olhado para essas
profissões novas ou para os casos mais antigos que se acumulam nos
tribunais, como o de representantes comerciais.
TERCEIRIZAÇÃO
A
liberação da possibilidade de terceirização da atividade-fim da
empresa pelo Supremo Tribunal Federal (STF), ocorrida no dia 30 de
agosto, deve aumentar o número de processos pedindo reconhecimentos
de vínculos empregatícios. Escritórios de advocacia relatam um
crescimento no volume de interessados em saber sobre a possibilidade
de demitir trabalhadores regidos pela Consolidação das Leis do
Trabalho e recontratá-los como pessoas jurídicas (PJs), ou seja,
como empresas que prestam serviços, especialmente nos setores
industrial, de tecnologia e de construção civil.
Antes,
porém, se para comprovar um vínculo empregatício bastava o PJ
comprovar que exercia a atividade-fim na empresa, agora ele precisará
demonstrar outras características.
Para
o advogado Maurício de Lion, a demissão de um funcionário para sua
recontratação como PJ — mantendo a subordinação do trabalhador
à empresa, o que configura vínculo empregatício — continua
ilegal e pode criar problemas na Justiça:
—
Algumas empresas vêm adotando uma
postura mais conservadora. Elas não querem ser punidas,
especialmente em se tratando de trabalhadores que desenvolvem novas
atividades, como blogueiro, youtuber, fotógrafo, cinegrafista ou
profissional de Tecnologia da Informação. Em geral, se houver
comprovação de que havia uma relação de subordinação direta,
com regras e ordens para horário, metas e coordenação, o
funcionário pode comprovar a relação direta de trabalho, ainda que
seu contrato tenha sido firmado com uma empresa terceirizada.
Especialistas
destacam que é preciso ter cuidado ao escolher a prestadora de
serviço, para não ter que pagar os encargos trabalhistas dos
funcionários, caso a terceirizada não os pague.
‘HÁ
LACUNA NA LEI SOBRE A RELAÇÃO ENTRE O PATRÃO E O EMPREGADO’,
OBSERVA MAURÍCIO TANABE, ADVOGADO DO ESCRITÓRIO CAMPOS MELLO
COMO
A LEI DESCREVE A RELAÇÃO DE TRABALHO ENTRE O PATRÃO E O EMPREGADO?
Temos
uma lacuna na legislação sobre a caracterização da relação
entre o patrão e o empregado que não contempla a existência de
novos vínculos e atividades. Além disso, há a divergência de
entendimento na Justiça. Essa divergência atinge os motoristas de
aplicativos de transporte e os programadores de aplicativos de
celular, entre outras atividades. Eles recebem por plataforma
desenvolvida, mas a Justiça do Trabalho já reconheceu vínculos.
Embora os funcionários não estivessem fisicamente presente nas
empresas, os juízes entenderam que havia uma relação de
subordinação econômica, mesmo sem contrato e frequência.
E
OS TRABALHADORES DE TECNOLOGIA DA INFORMAÇÃO QUE FICAM NAS EMPRESAS
CONTRATANTES E PEDEM RECONHECIMENTO DE VÍNCULOS?
É
um clássico problema de gestão. A empresa contratante está pagando
por um serviço, mas, se há problemas de disciplina ou
comportamento, é preciso direcionar as reclamações para a empresa
contratante, que deve controlar a jornada e todas as outras
características do trabalho.
SOBRE
A TERCEIRIZAÇÃO, O QUE MUDOU?
Ficou
mais complicado para a pessoa jurídica (PJ) comprovar as
características do vinculo empregatício após a aprovação da
terceirização irrestrita (para todas as áreas da empresa,
inclusive a atividade-fim). A contratação de PJ não é ilegal.
Depois da decisão do Supremo Tribunal Federal, chegou a hora de as
empresas reavaliarem seus custos e suas atividades, o que não
significa que podem mandar todo mundo embora e recontratar somente
como pessoa jurídica. O problema é como algumas vão fazer novas
contratações de terceirizados, porque a norma pode dar margem a
fraudes.
‘TRABALHADOR
PRECISA PROVAR SUA RELAÇÃO’, DIZ FABIO RAPP, PROFESSOR
UNIVERSITÁRIO E DA CEU LAW SCHOOL
“Para
o trabalhador caracterizar o vínculo empregatício, se faz
necessário demonstrar os cinco elementos descritos na lei,
especialmente a subordinação jurídica, que a legislação descreve
como submissão às ordens do empregador. Além disso, há a
habitualidade, quando o trabalho não é eventual e há expectativa
de prestação de serviço, e a pessoalidade, quando o trabalhador
não pode ser substituído por qualquer outro e se trata de pessoa
física”.
Por
Pollyanna Brêtas
Fonte
Extra – O Globo Online