Com a evolução da responsabilidade civil, o
direito brasileiro trouxe diversas formas para a reparação dos danos causados às
vítimas, dentre elas a responsabilidade civil pela perda de uma chance.
A teoria da responsabilidade pela perda de
uma chance vem encontrando ampla aceitação no direito pátrio e como será observado
no decorrer desse trabalho, baseia-se na probabilidade e em uma certeza, que a
chance seja realizada e que a vantagem perdida resulte em prejuízo.
Apesar de ser foco de profundas discussões
na Europa, a mencionada teoria, começou a influenciar e renovar a
responsabilidade civil no ordenamento jurídico brasileiro.
No Brasil, vem adquirindo muitos adeptos e
por não haver disposição no Código Civil Brasileiro de 2002, é fundamentada
pela doutrina e na jurisprudência.
A responsabilidade civil pela perda de uma
chance tem origem na França, no final do século XIX, onde surgiu a expressão
perte d’une chance.[1]
O caso mais antigo registrado referente à reponsabilidade
pela perda de uma chance foi em 1911, um caso inglês conhecido como Chaplin V. Hicks,
em que a autora da ação estava entre as cinquenta finalistas de um concurso de
beleza, e teve sua chance interrompida pelo réu, uma vez que o mesmo não a
deixou participar da última etapa do concurso; e, em razão disso um dos juízes
alegou que a autora teria 25% de chances de ser a vencedora, aplicando a
doutrina da proporcionalidade.[2]
Entretanto, houve divergências quanto a esse
caso e devido a isso, foi objeto de estudo e análise na Itália, que começou a
se aplicar as condutas culposas que faziam com que as vítimas perdessem uma
oportunidade de lucro, em que uma simples chance seria uma possibilidade
eventual e não um valor efetivo, certo e presente.[3]
Doutrinariamente, a teoria da
responsabilidade civil pela perda de uma chance foi estudada pela vez primeira,
na década de 40, na Itália, quando Giovani Pacchioni tratou do assunto na obra
Diritto Civile Italiano, reportando-se aos casos trazidos pela doutrina
francesa.
Assim, a teoria da perda de uma chance é fruto
da construção doutrinária francesa e italiana, e que no Brasil, entretanto, o Código
Civil de 2002 não fez menção a essa modalidade de responsabilidade civil,
ficando a cargo da doutrina e da jurisprudência, que busca a sua aplicação com
base na analogia e no direito comparado.
Nesse sentido, para melhor compreensão dessa
teoria, faz-se necessário entender a expressão “perda de uma chance”.
Inicialmente, é preciso compreender o que
seja a perda de uma chance. Nesse sentido, de acordo com Sérgio Savi[4]:
O termo chance utilizado pelos franceses
significa, em sentido jurídico, probabilidade de obter lucro ou de evitar uma
perda. No vernáculo, a melhor tradução para o termo chance seria, em nosso
sentir, oportunidade. Contudo, por estar consagrada tanto na doutrina, como na
jurisprudência, utilizaremos a expressão perda de uma chance, não obstante
entendemos mais técnico e condizente com o nosso idioma a expressão perda de
uma oportunidade.
Por aí se vê que, para a caracterização da
responsabilidade civil pela perda de uma chance, é necessário que essa chance,
seja séria e real, e não uma mera eventualidade, suposição ou desejo. [5]
Assim, a perda da chance deve ser vista como
a perda da possibilidade de se obter o resultado esperado ou de se evitar um
possível dano, valorizando as possibilidades que se tinha para conseguir o
resultado, para, aí sim, serem ou não relevantes para o direito.[6]
Nesse viés, se faz necessário diferenciar os
lucros cessantes da perda de uma chance, uma vez que ambos se referem a algo
que a vítima deixa de ganhar.
Assim, o lucro cessante é uma espécie de
dano material, e surge quando alguém, em virtude de uma ação ou omissão de
outrem, deixa de auferir algum lucro ou vantagem, que futuramente estariam
disponíveis à vítima; é, realmente, a frustração da expectativa de lucro, é a
perda de um ganho esperado.[7]
Entretanto, diferentemente do lucro
cessante, a perda de uma chance não precisa de uma prova concreta, uma vez que,
o lucro cessante incide sobre o que o indivíduo razoavelmente deixa de ganhar;
assim, necessita que haja uma comprovação e, que aponte quais seriam as perdas,
a quantia perdida, de onde seria proveniente etc.
No caso da perda de uma chance, não existe a
pretensão de indenizar a perda do resultado e sim da oportunidade, não havendo
a necessidade de provar se a vítima teria ou não, o resultado almejado.
Nesse sentido, Sergio Savi[8] traz algumas
diferenças acerca da perda de uma chance e dos lucros cessantes:
é possível estabelecer algumas diferenças
entre os dois conceitos. A primeira delas seria quanto à natureza dos
interesses violados. A perda de uma chance decorre de uma violação a um mero
interesse de fato, enquanto o lucro cessante deriva de uma lesão a um direito
subjetivo.
Nesse diapasão, convém abordar um pouco
sobre os danos emergentes, outra espécie de dano material, caracterizada pela
perda imediata, visível, quantificável de um bem da vítima; sendo o efetivo
prejuízo, a diminuição patrimonial sofrida pela vítima.[9]
Nesse interim, necessário se faz compreender
que, ao se falar em ter perdido uma chance, é possível afirmar que essa chance
perdida se referia a algo realmente esperado, algo com o que já se contava e
que está dissociada do resultado final que essa mesma chance, como um bem já adquirido,
poderia proporcionar, poderia servir de instrumento.
Assim, quando provocado um ato ilícito, é notável
que esse ato interrompe inesperadamente o modus vivendi da vítima, lhe frustra
uma oportunidade de obter um benefício, sendo que, nesse caso, a indenização
devida se dá pela chance perdida e não pela vantagem final esperada.
Não obstante, com relação à quantificação da
indenização pela perda de uma chance esclarece Venosa[10] que “o grau de
probabilidade é que fará concluir pelo montante da indenização”; diferentemente
de Schmitt que diz o seguinte:
O montante devido à vítima, isto é, o
quantum indenizatório, (...) deve ser fixado em percentual que incida sobre o
total da vantagem que poderia ser obtida, representando de forma razoável a
probabilidade de ser configurada a expectativa do lesado. Outrossim, (...) este
percentual não pode, em qualquer hipótese, resultar na própria vantagem que
poderia ser obtida.
Assim, da mesma forma que o quantum
indenizatório, existem divergências acerca da classificação da indenização, se é
concedida a título de dano moral, a título de lucros cessantes ou pela perda da
própria vantagem.
Com relação a essa última, tem-se o
entendimento de que não seria possível conceder a indenização pela vantagem
perdida, mas pela perda da possibilidade de conseguir essa vantagem. Ou seja, é
preciso diferenciar o resultado perdido e a chance de consegui-lo. [11]
Como foi dito, a jurisprudência ainda não
firmou o entendimento acerca dessa questão da classificação da indenização, as
concedendo a título de dano moral, ora a título de lucros cessantes e, pela
perda da própria vantagem e não pela perda da oportunidade de obter a vantagem
e não pela perda da oportunidade de obter a vantagem, com o que se acaba por
transformar a chance em realidade. [12]
Uma análise acerca da teoria da
responsabilidade pela perda de uma chance é de grande relevância para o
ordenamento jurídico pátrio, uma vez que o instituto da responsabilidade civil
evolui com a sociedade e o dano causado pela chance perdida urge apresentar uma
resposta, a fim de indenizar a vítima pelo prejuízo suportado. Começam a surgir
decisões esparsas na jurisdição civil contenciosa brasileira, porém algumas
carecem de fundamento jurídico-normativo para uma maior segurança jurídica, a
fim de estender sua aplicação de modo uniforme para todos os recantos, mesmo os
mais longínquos do país. [13]
Não é fácil distinguir o dano meramente
hipotético da chance real de dano. Nesse sentido, a ministra Nancy Andrighi, do
Superior Tribunal de Justiça, avalia que “a adoção da teoria da perda da chance
exige que o Poder Judiciário bem saiba diferenciar o ‘improvável’ do ‘quase
certo’, bem como a ‘probabilidade de perda’ da ‘chance de lucro’, para atribuir
a tais fatos as consequências adequadas”. [14]
Nesse interim, essa teoria apresenta uma
forma de indenizar as vítimas, pelos danos sofridos em decorrência de atos ilícitos,
apesar de alguns julgados nacionais a terem classificado, ora como dano
emergente, lucro cessante, ou mesmo a título de dano moral. [15]
Oportuno se faz trazer alguns julgados sobre
a aplicação dessa teoria, proferidos de Tribunais Estaduais, Tribunais Federais
e Tribunais Superiores:
RESPONSABILIDADE
CIVIL CONSUMERISTA. CLÍNICA DE OLHOS. DESLOCAMENTO DE RETINA. PERDA DE VISÃO. ATENDIMENTO
TARDIO. PERDA DE UMA CHANCE. REPARAÇÃO. (...) A questão da perda da chance se
afigura na situação fática definitiva de perda da visão de olho direito que
nada mais modificará, visto que o fato do qual dependeu o prejuízo está consumado,
por não oferecer à autora o socorro tempestivo por meio de uma intervenção médico-cirúrgica
que lhe proporcionasse, ao menos, possibilidade de sucesso e salvaguarda de sua
visão. PROVIMENTO PARCIAL DO SEGUNDO RECURSO E DESPROVIMENTO DO PRIMEIRO APELO.
Nesse caso, é interessante mencionar que a
indenização foi concedida a título de danos morais, uma vez que restou comprovado
o dano e a concorrência da falta de cuidado da ré para o fato, e ensejou na
reparação a título de danos morais no valor de R$ 10.000,00.
Outro caso, bastante emblemático, é o caso
do programa de televisão que ficou conhecido como “Show do Milhão”, um concurso
em que o concorrente, ao responder corretamente às perguntas que lhe eram
feitas poderia chegar a ganhar o prêmio de um milhão de reais. [16]
O caso se deu pelo fato de que uma candidata
que participava do programa conseguiu chegar à pergunta milionária e, ao lhe
ser feita, a mesma não admitia nenhuma resposta correta. [17]
Em razão disso, a concorrente ingressou
contra a empresa que promovia o concurso e conseguiu uma indenização no valor
de R$ 125.000,00; observando o critério da probabilidade de acerto da questão,
qual seja 25%; “probabilidade matemática” de acerto de uma questão de múltipla
escolha com quatro alternativas. [18]
Nesse sentido, é importante ressaltar que
restou evidente a perda da oportunidade da participante em razão da “imposição”
de uma resposta como correta (sendo que a Constituição Federal não aponta
qualquer percentual de terras reservadas aos indígenas).
Nesse mesmo sentido, segue o recentíssimo
julgado que explica que a teoria pode ser aplicada, também, no âmbito da
administração pública que, no entanto não foi aplicada porque, no caso, os
recorrentes já exerciam ambos os cargos de profissionais de saúde de forma
regular, sendo este um evento certo sobre o qual não restam dúvidas:
ADMINISTRATIVO.
PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. ATO DA
ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA QUE EQUIVOCADAMENTE CONCLUIU PELA INACUMULABILIDADE DOS
CARGOS JÁ EXERCIDOS. NÃO APLICAÇÃO DA TEORIA DA PERDA DE UMA CHANCE. HIPÓTESE
EM QUE OS CARGOS PÚBLICOS JÁ ESTAVAM OCUPADOS PELOS RECORRENTES. EVENTO CERTO
SOBRE O QUAL NÃO RESTA DÚVIDAS. NOVA MENSURAÇÃO DO DANO. NECESSIDADE DE
REVOLVIMENTO DO CONJUNTO FÁTICO E PROBATÓRIO. RETORNO DOS AUTOS AO TRIBUNAL A
QUO. (...) Esta teoria tem sido admitida não só no âmbito das relações privadas
stricto sensu, mas também em sede de responsabilidade civil do Estado. Isso
porque, embora haja delineamentos específicos no que tange à interpretação do
art. 37, § 6º, da Constituição Federal, é certo que o ente público também está obrigado
à reparação quando, por sua conduta ou omissão, provoca a perda de uma chance
do cidadão de gozar de determinado benefício. 4. No caso em tela, conforme
excerto retirado do acórdão, o Tribunal a quo entendeu pela aplicação deste
fundamento sob o argumento de que a parte ora recorrente perdeu a chance de
continuarem exercendo um cargo público tendo em vista a interpretação
equivocada por parte da Administração Pública quanto à impossibilidade de
acumulação de ambos. (...) 7. Recurso especial parcialmente conhecido, e, nesta
extensão, provido.[19]
Enfim, a responsabilidade pela perda de uma
chance ganhou espaço e popularidade nos tribunais brasileiros, podendo ser
verificadas diversas decisões aplicando a mencionada teoria, desde que as “chances”
sejam sérias e reais.
Diante do exposto, é notável que o
ordenamento jurídico brasileiro, da mesma forma que o italiano e o francês,
admite a aplicação da responsabilidade civil pela perda de uma chance.
Entretanto, o que não se pode deixar de
considerar é que a mencionada responsabilidade será aplicada desde que o dano
seja real, atual e certo, dentro de um juízo de probabilidade, e não de uma
mera possibilidade, uma vez que o dano potencial ou incerto, no âmbito da
responsabilidade civil, não é indenizável.
Dessa forma, a reparação da perda de uma
chance baseia-se em uma probabilidade e uma certeza; que a chance seja
realizada e que a vantagem perdida resulte em um prejuízo.
Nesse viés, responsabilidade civil pela
perda de uma chance baseia-se no direito à reparação em virtude de “dano”, da
perda de uma oportunidade, não necessariamente de alcançar determinada coisa,
mas de tentar alcançar.
Vê-se claramente que o dano provocado pela
perda da chance ou oportunidade, não se classifica como dano emergente,
tampouco como lucro cessante, uma vez que há uma probabilidade e não uma
certeza absoluta em relação ao resultado final, assim, não se sabe ao certo se
a vítima conseguiria o resultado.
[1] SILVA, Rafael Peteffi
da. Responsabilidade Civil pela perda de uma chance. São Paulo: Atlas, 2006, p.
10.
[2] WANDERLEY, Naara
Tarradt Rocha .A perda de uma chance como uma nova espécie de dano. Disponível
em:
[3] WANDERLEY, Naara
Tarradt Rocha .A perda de uma chance como uma nova espécie de dano. Disponível
em:
[4] SAVI, Sérgio. Responsabilidade
civil por perda de uma chance. São Paulo: Atlas, 2006. p. 3
[5] CAVALIERI FILHO, Sergio.
Programa de responsabilidade civil. 10.ed. São Paulo: Atlas, 2012, p.81.
[6] CAVALIERI FILHO, Sergio.
Programa de responsabilidade civil. 10.ed. São Paulo: Atlas, 2012, p.82.
[7] GONÇALVES, Carlos
Roberto. Direito Civil Brasileiro. 3.ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p.375.
[8] SAVI, Sérgio. Responsabilidade
civil por perda de uma chance. São Paulo: Atlas, 2006. p. 15.
[9] GONÇALVES, Carlos
Roberto. Direito Civil Brasileiro. 3.ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 347.
[10] VENOSA. Sílvio de
Salvo. Direito civil: responsabilidade civil. 12. ed. São Paulo: Atlas, 2012, p.39.
[11] SAVI, Sérgio. Responsabilidade
civil por perda de uma chance. São Paulo: Atlas, 2006. p. 102.
[12] CAVALIERI FILHO,
Sergio. Programa de Responsabilidade Civil. 10.ed. São Paulo: Atlas, 2012, p. 84.
[13] BUSNELLO, Saul José; WEINRICH, Jair. Responsabilidade civil pela perda de uma
chance: Uma análise doutrinária. Disponível em:
[14] ___________. Perda da
chance: uma forma de indenizar uma provável vantagem frustrada. Disponível em:
[15] BUSNELLO, Saul José; WEINRICH, Jair. Responsabilidade civil pela perda de uma
chance: Uma análise doutrinária. Disponível em:
[16] CAVALIERI FILHO,
Sergio. Programa de Responsabilidade Civil. 10.ed. São Paulo: Atlas, 2012, p. 82.
[17] CAVALIERI FILHO,
Sergio. Programa de Responsabilidade Civil. 10.ed. São Paulo: Atlas, 2012, p. 82.
[18] CAVALIERI FILHO,
Sergio. Programa de Responsabilidade Civil. 10.ed. São Paulo: Atlas, 2012, p. 84.
[19] ___________. Superior
Tribunal de Justiça Recurso Especial 1308719 MG 2011/0240532-2. Relator
Ministro Mauro Campbell Marques. Acórdão de 25 de junho. Diário Oficial da União.
Minas Gerais, 2013. Disponível em: < http://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/23839212/recurso-especial-resp-1308719-mg-2011-0240532-2-stj
> Acesso em: 20 de dezembro de 2013.
Por Thiago Chaves de Melo e Priscilla Amaral