Estande de vendas: Imóveis na planta podem esconder
"pegadinhas", como taxas que limitam o poder de escolha do consumidor
Pesquisa
realizada pelo Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) em julho
constatou que oito das dez maiores construtoras brasileiras ainda tentam cobrar
dos clientes taxas que podem ser consideradas abusivas na hora da venda de um imóvel
na planta. De acordo com o Idec, a taxa mais comumente cobrada é a de Serviço
de Assistência Técnica Imobiliária (SATI), que sob certas circunstâncias, pode
ser considerada abusiva.
Segundo
a pesquisa, Gafisa, Even, Cyrela, Rossi e Toledo Ferrari cobram a SATI, taxa
destinada a custear assistência jurídica no ato da assinatura do contrato; MRV
cobra uma taxa de 190 reais para a confecção do contrato e outra de 900 reais
para a construtora “levar o cliente até o banco”, em caso de financiamento;
Direcional Engenharia cobra taxa de corretagem; e a Bueno Netto cobra uma taxa
de 1.550 reais para despesas com cartório, sendo que o corretor não soube dar
detalhes sobre a natureza da taxa. Brookfield e Plaenge, que também foram
incluídas no levantamento, não tiveram registro de nenhuma cobrança abusiva.
Os
pesquisadores do Idec procuraram apartamentos ofertados por essas dez empresas,
consideradas as maiores construtoras de imóveis residenciais pelo ITC,
consultoria especializada em mercado imobiliário. Os contatos se deram por meio
de visitas aos estandes de vendas, contato telefônico ou atendimento online.
Como
em geral os corretores só mencionam a SATI quando o negócio está prestes a ser
fechado, foi-lhes perguntado se haveria cobranças além do valor do próprio
imóvel, e se elas seriam obrigatórias ou facultativas. Se fosse dito que eram
obrigatórias, o corretor era questionado, para se verificar se ele mudaria o
discurso.
Taxa SATI não pode ser obrigatória
A
SATI costuma ser de 0,88% do valor do imóvel. Isto significa que para um imóvel
de 300 mil reais, a SATI sai em torno de 2.600 reais. Segundo o advogado
Leonardo Adriano Ribeiro Dias, sócio da Turci Advogados, a taxa SATI em si não
é ilegal. O que pode levá-la a ser considerada abusiva é sua eventual cobrança
obrigatória.
“A
rigor, o comprador pode sim contratar uma pessoa para assessorá-lo na confecção
do contrato e para acompanhamento na assinatura. O que é questionável é o fato
de as construtoras não darem a opção de não contratação do serviço, nem a
oportunidade de se contratar outro prestador de serviço, não ligado à
construtora” diz Dias.
A
taxa SATI, portanto, não deve ser imposta, uma vez que deveria ser opção do
cliente contratar assessoria jurídica ou não. E ainda que ele optasse por
contratá-la, deveria ter a alternativa de escolher o profissional que iria
prestá-la. Afinal, conforme pontua Leonardo Dias, o profissional ligado à
própria construtora não é isento. “Há uma parcialidade do profissional, que
atende aos interesses da construtora e não do comprador”, diz.
O
maior problema, porém, é que o serviço pode nem ser prestado. Segundo Dias, o
prestador do serviço basicamente preenche o contrato para o cliente, pois como
o contrato é padrão, nem há muita abertura para se discutir as cláusulas. “A
jurisprudência já reconheceu que, em muitos casos, há violação do dever de
informar, porque o contrato não contém informações sobre a SATI”, explica o
advogado.
Os
motivos citados por Dias são os mesmos citados pelo Idec para considerar a taxa
SATI como cobrança abusiva. As cinco construtoras que cobram taxa SATI, segundo
a pesquisa do Idec, apresentaram-na como obrigatória. Após serem questionados,
corretores de Gafisa, Even, Rossi e Toledo Ferrari disseram que a taxa era
“negociável”; já na Cyrela, o corretor disse que a taxa cairia para mil reais.
Outras cobranças indevidas foram verificadas
Segundo
Leonardo Dias, da Turci Advogados, o comprador deve verificar a natureza e a
função de cada taxa que a construtora queira cobrar, para saber se ela pode ser
considerada abusiva. Ele explica que se o comprador vai até o estande de venda,
não deve haver cobrança de corretagem, de acordo com jurisprudência já
existente. “Considera-se que, nesse caso, o comprador foi diretamente ao
vendedor, sem intermediários. Mas essa visão não é unânime”, explica.
A
taxa de confecção de contrato, que normalmente está inclusa na SATI, também é
questionável, pois o contrato é padrão. De acordo com Dias, essa despesa é
inerente à atividade da construtora e deveria já estar incluída em seus custos.
Em
relação a cobrar para “levar o cliente até o banco”, o advogado esclarece que
isso provavelmente tem a ver com o fato de as construtoras terem acordos com
bancos para o financiamento de seus clientes. Assim, se o cliente opta por
financiar em outro banco, a construtora cobraria uma taxa por isso, explica
Dias. “Do meu ponto de vista, isso também é questionável, pois a empresa
estaria cerceando o consumidor de optar por outro serviço”, diz.
No
caso das taxas cartorárias, o consumidor deve ser esclarecido exatamente sobre
o que está sendo cobrado, se despesas de sua responsabilidade – como registro e
escritura da unidade –, ou se despesas da construtora – como o registro da
obra.
O
Idec orienta os consumidores a não aceitarem pagar a taxa SATI ou eventuais
contrapropostas feitas pelos corretores. Caso taxas abusivas já tenham sido
pagas, sempre existe a possibilidade de recorrer à Justiça para reavê-las,
lembrando que isso implica custos e alguma dor de cabeça. Mas são boas as
chances de êxito.
Outro lado
Em
nota, a MRV Engenharia diz que “entende que não há qualquer cobrança abusiva
prevista nas cláusulas contratuais convencionadas com seus consumidores.”
A
Even informa que a taxa SATI “é uma taxa opcional, cobrada diretamente pelas
imobiliárias responsáveis por intermediar a comercialização dos imóveis.”
A
Rossi diz, em nota, que a cobrança da taxa SATI é facultativa e que a opção por
não contratar o serviço não impede a aquisição do imóvel.
A
nota da Bueno Netto diz: “A atenção ao cliente em todos os detalhes é
responsável pelo sucesso de vendas dos imóveis Bueno Netto. O nível de
atendimento exigido demanda estarmos capacitados para lhes oferecer serviços
agregados, como de avaliação de crédito e de contrato, sendo certo que tais
serviços são minuciosamente esclarecidos ao consumidor antes de sua
contratação. A comodidade é utilizada pela grande maioria dos clientes que
investem nos empreendimentos de alto padrão que construímos.”
Gafisa
e Cyrela disseram que não iam se pronunciar a respeito da pesquisa do Idec. Já
Direcional Engenharia e Toledo Ferrari ainda não haviam respondido até o
momento de publicação desta matéria.
Por
Julia Wiltgen
Fonte
Exame.com