segunda-feira, 2 de setembro de 2013

EFEITO COLATERAL: QUANDO O CONSUMO AFETA A SUSTENTABILIDADE

Não se engane. A corrida pelo consumo e pelos lucros está formatando uma manobra comercial que afeta diretamente o meio ambiente

Uma pessoa está vendendo o seu carro. O veículo é completo: ar condicionado, direção hidráulica, vidros elétricos e ano de fabricação 2010. O objetivo da venda é simples: comprar um novo da mesma marca sendo, agora, o modelo 2012. Ao perguntá-lo o motivo da troca, a resposta foi rápida e simples: "esse tem bem mais detalhes e um novo é melhor, né?!".
Na realidade, apurando as reais mudanças de um veículo para o outro, o novo sofre apenas pequenas alterações no farol, além de alguns filetes e bordas cromadas. No entanto, algo parece bem claro: o carro atual não o satisfaz mais como antes e ele sente a necessidade do modelo mais recente.
A atitude desta pessoa e de tantos outros consumidores na hora de trocar o veículo por um mais novo já está enraizada na sociedade muito antes de nascermos. Na década de 1920, o presidente da General Motors Alfred Sloan já buscava atrair os consumidores a trocar de carro por causa da mudança anual de modelos e acessórios, mesmo que as alterações fossem mínimas.
A estratégia mercadológica mostrou-se muito eficiente ao tornar os automóveis velhos ou fora de linha em um curto espaço de tempo, tendo que ser substituídos por outros mais "modernos" rapidamente. 

 
O desejo pelo carro novo faz parte da vida do brasileiro

A persuasão do novo
O segmento automotivo é apenas um entre tantos outros setores que desperta no consumidor um interesse contínuo da troca de algo por um novo - numa espécie de obsolescência ideológica. Basta olhar a quantidade de celulares e computadores que chegam ao mercado todos os meses – aqueles que ontem eram "top de linha" e hoje já estão ultrapassados. São produtos que ainda poderiam ser usados naturalmente (claro, com algumas limitações de recursos), mas que viram descarte fácil entre os consumidores.
Só para você ter ideia, a LG, Samsung e Nokia, juntas, fazem mais de 100 modelos de celulares/smartphones por ano. E o resultado disso são novos recordes de vendas na indústria tecnológica. De acordo com a consultoria Gartner, em 2011 houve um aumento de 42% de smartphones comparado a 2010. A expectativa do setor para todo o ano é uma nova elevação nesse índice.
"Todo ano surge um produto que inspira um desejo no consumidor e isso parece criar um novo modelo de consumo imediato. É só imaginar se usaríamos hoje o celular que tínhamos há cinco anos. Atenderíamos na rua com vergonha", comenta Marcos Hiller, professor de Marketing em diversas pós-graduações como FGV, Trevisan e BSP.
E até a Apple, que dita a vanguarda tecnológica mundial, não foge à regra da obsolescência de seus produtos de acordo com o professor. Para Marcos, o iPad 1 poderia muito bem ter câmera, mas se tivesse, não despertaria o desejo nas pessoas de comprar a segunda versão. "O próximo iPad com certeza vai trazer funcionalidades que poderiam existir já no primeiro, mas que não estavam – entre outras coisas – por questões comerciais. É um movimento que a indústria cria para girar produto e fazer com que a gente consuma cada vez mais. Sob a ótica financeira da empresa, não é interessante um produto durar décadas sem substitutos".

Efeito colateral
Todas essas novidades eletro-eletrônicas e a velocidade de consumo colocam em xeque uma das bandeiras mais discutidas no século 21 pelas grandes empresas e pela sociedade: a sustentabilidade. Quando as pessoas optam por adquirir um novo aparelho, o antigo, geralmente, é descartado como lixo comum, sem que haja um destino correto para a seleção e possível reciclagem. Além disso, são poucas empresas e municípios que possuem algum projeto voltado para a coleta ecologicamente correta.
A estimativa do Programa da ONU para o Meio Ambiente (Pnuma) é que, no mundo, 40 milhões de toneladas de lixo eletrônico são geradas por ano. Grande parte ocorre nos países ricos, sendo a Europa responsável por um quarto desse lixo. No entanto, países emergentes como Brasil, Índia e China já devem ficar preocupados. Impulsionados pela estabilidade econômica e uma classe média cada vez mais forte, o crescimento do consumo doméstico e a troca de produtos antigos pelos novos aumenta em escala acentuada.

Falta de reciclagem de eletrônicos ainda é um problema em todo o mundo

No caso dos PCs, nosso país abandona 96,8 mil toneladas métricas por ano. O volume só é inferior ao da China, com 300 mil toneladas. No quesito geladeiras e celulares que terminam no lixo, o Brasil também é um dos líderes, com cerca de 115 mil toneladas e 2,2 mil toneladas por ano, respectivamente. Em comunicado, Achim Steiner, diretor executivo do Pnuma, declarou que os países em ascensão serão os mais afetados pelo lixo no futuro, enfrentando "crescentes danos ambientais e problemas de saúde pública".
E a afirmação do porta-voz da Pnuma faz muito sentido de acordo com o toxicólogo Marcus Oliveira, que já atuou como pesquisador na School of Biochemistry and Immunology e recentemente dá consultoria para empresas sobre o tema através da Recicloambiental.
"Cerca de 95% do que é produzido tem sido jogado nos lixões de forma inadequada. A maioria desses eletro-eletrônicos possui metais extremamente tóxicos, como mercúrio e chumbo. Através do processo de degradação desses produtos ao longo do tempo, seus componentes tóxicos podem contaminar os lençóis freáticos e causar a contaminação de pessoas e alimentos", explica o pesquisador.
Dentre as doenças possíveis estão os distúrbios no sistema nervoso, problemas nos rins, pulmões, cérebro e até envenenamento. Para Marcus, além do peso desse material que está sendo jogado de forma inadequada, há também a questão de extrair novamente mais recursos da natureza para produzir os novos produtos. "Existe não só o impacto do lixo que está poluindo o meio ambiente, mas também o impacto da nova extração. E esse é outro grande problema", destaca.

Soluções? Elas existem
Mesmo que as informações sobre o que fazer com o lixo eletrônico sejam escassas, existem algumas iniciativas que mostram possíveis caminhos para uma solução mais ativa do problema. Uma atitude interessante que vem mobilizando milhares de pessoas pelo mundo é o Electronics TakeBack Coalition. Ele exige dos fabricantes de eletrônicos e proprietários da marca que assumam a responsabilidade total do ciclo de vida de seus produtos. O movimento ganhou tanta força que já fez com que grandes empresas fossem a público anunciar mudanças em alguns dos materiais utilizados, além de programas de devolução e manutenção de suas mercadorias.

Tema sobre descarte de produtos começa a ganhar mais destaque
 
E até novos mercados vêm surgindo com um olho na sustentabilidade e contrapondo qualquer característica da obsolescência programada. As lâmpadas de LED, por exemplo, não possuem mercúrio e têm 25 mil horas em média de vida-útil. "Os LEDs vão transformar a estrutura do mercado de iluminação de maneira substancial. O mercado de reposição de lâmpadas deve diminuir à medida que esta tecnologia evolua. Elas têm maior eficiência energética, consumindo até 80% menos quando comparadas às lâmpadas incandescentes", explica Sérgio Binda, diretor de Marketing de Iluminação da Philips para a América Latina, umas das empresas pioneiras a disponibilizar esse produto.
No entanto, a maior novidade no Brasil fica por conta da aprovação do Plano Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS) que, após duas décadas de discussões, mudará a forma como o país trata o lixo. O plano prevê a implementação da logística reversa pelas empresas. Trata-se de um conjunto de ações que garantem a coleta e a restituição dos resíduos sólidos ao setor empresarial. Com isso, quem tiver um eletro-eletrônico em seu fim de vida útil ou algum produto de setores inclusos no plano (como os de pilhas, baterias e pneus) deve entrar em contato com o fabricante, que será responsável pela coleta.
Mas não dá para esperar o projeto entrar em absoluto vigor para começar a pensar no problema do lixo eletrônico. Apesar de poucas, existem iniciativas pelo país que já promovem a reciclagem desses materiais. O Cedir (Centro de Descarte e Reúso de Resíduos de Informática) – organizado pela USP – é um dos mais atuantes. O Centro recupera equipamentos, reaproveitando as partes que funcionam, e os destina a instituições sem fins lucrativos, com a condição de que esses equipamentos, ao serem descartados, sejam devolvidos ao centro para a destinação final correta.
A MetaReciclagem também atua intensamente nesse objetivo. Iniciada em 2002 como um grupo interessado em dar outro uso ao lixo eletrônico, a rede agrega cada vez mais pessoas e organizações de todo o país que promovem e influenciam iniciativas para diminuir o impacto ambiental do lixo. Uma dessas ações são as oficinas de reaproveitamento da tecnologia e transformação de computadores velhos para montar máquinas recicladas.
Outra ação vem da Secretaria do Meio Ambiente do Estado de São Paulo e do Instituto Sergio Motta. A parceria criou o E-lixo maps [http://www.e-lixo.org/], onde os moradores da capital paulista podem ver quais são os pontos de coleta de lixo eletrônico mais próximos de sua residência. E só inserir o CEP no site e os locais de coleta cadastrados são apontados no Google Maps.
E realmente é bom estar preparado para o que vem por aí. A estimativa do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente é de que, até 2030, o Brasil produza 680 mil toneladas/ano de resíduos eletrônicos, sendo cada brasileiro responsável pela geração de 3,4 quilos desse lixo digital.
De acordo com o toxicólogo Marcus, a grande solução é encarar os problemas de frente e contar com a participação de todos: "Esse grande apelo ao consumo é uma estratégia de mercado que deve continuar existindo. Então, o objetivo é minimizarmos os impactos dessa prática, como a construção dos novos produtos a partir da matéria prima de seus anteriores. E se cada um fizer sua parte - governo, empresas e indivíduos dentro de suas casas - teremos um bom motivo para nos orgulhar quando chegarmos ao futuro".


Veja o contato de diversas cooperativas de lixo eletrônico em http://www.administradores.com.br/informe-se/tecnologia/o-que-fazer-com-o-lixo-eletronico/51213/

Por Fábio Bandeira de Mello