O
curso de Direito é, de todos, o que oferece mais oportunidades no serviço
público. São diversos os concursos para atraentes profissões jurídicas. A
escolha varia em razão da vocação, da confiança em si próprio e do grau de
ambição.
Mas,
seja qual for a opção, sempre existirão disputas por espaço dentro do local de
trabalho. É da natureza humana. E neste aspecto não serão diferentes as lutas
travadas no cartório de uma pequena comarca do interior das existentes em um
gabinete no Supremo Tribunal Federal.
Vejamos
algumas situações, discutindo o que nunca se discute. Imagine-se que a mais bem
intencionada pessoa sobre a face da Terra queira aprimorar o órgão público a
que serve. Suponha-se uma jovem procuradora federal, cheia de ideias, querendo
dar de si o máximo a favor da Advocacia-Geral da União. Seu desejo será
suficiente? Não. Terá que ter perseverança e habilidade. Caso contrário
desistirá no primeiro obstáculo e será uma a mais a lamuriar-se nos corredores,
a queixar-se disso ou daquilo, sem nada resolver.
Aos
que pretendem o serviço público, a primeira lição é o próprio concurso. Sobre
ele deve-se guardar absoluta discrição. Preparar-se sem nada falar a ninguém,
exceto uma ou duas pessoas próximas. Reservar-se para dar a boa notícia depois
da aprovação.
Uma
vez no exercício das funções, começar discretamente, impor-se aos poucos. O
brilho prematuro suscita medo e inveja nos outros. Um exemplo. Quando começou o
uso da informática no Judiciário, um jovem juiz, com poucos meses de
magistratura, foi colocado como palestrante em um seminário. Era cedo demais
para aquele destaque. A represália veio em seguida, foi propositadamente posto
de lado.
O
ingresso no serviço público exige adaptação. Os colegas estudarão o novo
membro, aceitando-o ou rejeitando-o. Nesta fase é bom analisar os que estão no
entorno. Suas virtudes e defeitos. Ter cautela com os que tudo criticam, falam
mal dos outros. Evitar excessos nos momentos de descontração. Um pouco de
bebida a mais pode relaxar os freios inibitórios e originar frases ou ações
cuja repercussão negativa se farão sentir por longo tempo.
Não
criticar os outros é regra de ouro. Porém elogiar também exige cautelas. É
conveniente saber o grau de aproximação entre o que ouve e o elogiado. Um jovem
promotor de Justiça, ao conversar com o procurador-geral da Justiça, poderá
estar sendo sincero ao elogiar o corregedor. Mas serão eles amigos? Do mesmo
grupo político na instituição? Será o elogio bem recebido? Ou criará uma
antipatia desnecessária?
No
ambiente jurídico existem regras próprias, não escritas. Quebrá-las pode gerar
consequências. Os títulos, a hierarquia, o tratamento, devem corresponder ao
cargo que se ocupa, à idade, à história de vida dos envolvidos. Sabidamente,
isto tudo está sendo deixado de lado. Os mais novos, por vezes, confundem
convivência harmônica com bajulação, subserviência. Por exemplo, o
corregedor-geral da Justiça vem em inspeção e não encontra ninguém a esperá-lo
no aeroporto. O que podem os juízes, dele, esperar? Boa vontade? Compreensão? Óbvio
que não.
No
serviço público, os que se dedicam mais acabam recebendo várias incumbências,
mais trabalho. É preciso selecionar, saber dizer não. E quando aceitar uma
missão, ir até o fim, de qualquer maneira e seja qual for o sacrifício. O único
resultado admissível é o sucesso. É assim que se firma um bom conceito.
Quando
se substitui alguém temporariamente, nada se modifica. Quem sai se revolta ao
ver que mudaram suas práticas e lutará para que a pessoa ali não volte mais.
Por exemplo, o Delegado de Polícia assume a Delegacia do município ao lado nas
férias de seu colega. Deve limitar-se a rotinas e não alterar as práticas ou
decisões tomadas, mesmo que obsoletas. Pode, depois de sair, delicadamente
deixar sugestões ao seu colega. Nada mais. Afinal, ele não abrirá mão jamais de
ser o autor da mudança.
Quando
se precisa de algo é necessário escolher o momento de fazer o pedido. Conhecer
a pessoa, seus hábitos, suas crenças. Se a pessoa estiver em um dia
problemático, cansado e com fatos graves a resolver, o pedido deve ser deixado
para outra ocasião. O telefone deve ser evitado ao máximo. É comum surgirem mal
entendidos nesse tipo de conversa. Ligar para a pessoa na hora do almoço, nem
pensar. Por outro lado, devem ser evitados pedidos que não possam ser
atendidos, porque isto gerará frustrações em ambas as partes.
No
exercício de chefia, comemorar as vitórias, dividindo-as com os servidores,
reconhecendo-lhes publicamente a ajuda dada.
Ao
alcançar uma vitória contra um adversário político, que pode ser ter sido
escolhido para um cargo relevante, ou até mesmo puni-lo por uma falta, evitar a
tentação de humilhá-lo, menosprezá-lo. Primeiro, uma questão de humanidade.
Segundo, porque o mundo dá voltas e o com o tempo a situação pode ser inversa.
E ele se lembrará disto.
Segredos
não se confiam a ninguém. Absolutamente. Primeiro, porque são segredos.
Segundo, porque ninguém sabe se aquele a quem se confiou será seu inimigo no
futuro.
Cuidar
com as explosões de ira, de revolta. Uma ofensa dita na cara nunca se reverte,
mesmo que a vítima diga que o assunto está superado. Uma mensagem ofensiva na
internet, idem. Uma frase infeliz no Facebook pode gerar consequências
imprevisíveis, desde o ódio de pessoas até a perda de uma função de confiança.
Nos momentos de revolta, respirar fundo dez vezes antes de exteriorizar a
insatisfação. Depois, será tarde.
Nas
funções públicas não é raro receber visitas prolongadas e que acabam
prejudicando o trabalho. Para sair delicadamente de tal tipo de situação é bom
ter um assessor já instruído para que, caso elas passem de determinado tempo
(por exemplo, 15 minutos) venha avisar, cerimoniosamente, que aquela pessoa
esperada já está aguardando o contato.
No
trato com os membros da cúpula da hierarquia, nunca esquecer que eles gostam e
querem ser o centro das atenções. Assim, expor suas conquistas e realizações
longamente poderá ter o efeito oposto ao desejado, ou seja, causar irritação.
Até para discordar há que se ter cautela.
Quem
ocupa função pública sabe que nem tudo pode ser deferido. Mas, ainda que o
pedido seja absurdo, deve ser evitado o não na cara do interlocutor. Ele gera
revolta. Talvez nunca seja esquecido. Assim, duas ou três perguntas, uma
reflexão mesmo que aparente, podem atenuar a negativa com bons resultados.
A
ira contra alguém, por mais que justificada, não deve ser demonstrada através
de ameaças ou expressões de ódio. Isto só fará o interlocutor preparar-se para
o conflito. Por outro lado, mesmo que muitos sejam os merecedores da ira, não
se recomenda entrar em conflito contra tudo e todos ao mesmo tempo. As chances
de sucesso serão menores.
Então,
estas máximas da experiência serão atuais? Éticas? Aplicáveis? Sim, sem dúvida.
Atuais,
porque o ser humano é o mesmo, qualquer que seja a época. Os conflitos de hoje
são os mesmo dos tempos de Confúcio, na China, no século V antes de Cristo, ou
do Rei Arthur e os Cavaleiros da Távola Redonda, na Grã-Bretanha do século VI.
Sim,
são éticas, porque o que se busca em última instância é o bem. Não se busca a
dissimulação para alcançar o mal, para prejudicar terceiros. Tudo porque,
sabidamente, não se conquista nada se não for dentro de determinadas regras,
procedimentos não escritos. E se nada for conquistado, tudo terá sido em vão.
Isto significa alguém que, mesmo sendo bom, permanece recluso em seu mundo
particular, sem nada fazer para que seu trabalho, sua cidade, seu país, sejam
melhores para todos.
Finalmente,
estas e outras máximas de conduta são, sim, aplicáveis. E sem grandes
dificuldades. Basta tê-las em mente ao procurar se alcançar um objetivo.
REFERÊNCIA:
Breviário dos Políticos, Cardeal Mazarin, Ed. 34,
São Paulo, 6ª reimpressão, 2005.
Por
Vladimir Passos de Freitas