Regime
de bens é um sistema de regras e princípios que disciplina as relações
patrimoniais de um casal durante a vigência da sociedade conjugal. Como o
casamento desencadeia diversos efeitos jurídicos e econômicos, a estrutura
jurídica delimitada pelo regime de bens é de suma importância para organizar e
definir a vida patrimonial do casal, influenciando também nos negócios feitos
com terceiros.
A
legislação civil brasileira prevê quatro diferentes regimes matrimoniais de
bens: comunhão universal de bens, separação de bens, participação final nos
aquestos e comunhão parcial de bens. Há também a possibilidade de pactuar-se um
regime atípico, mesclando as regras dos regimes legais existentes, conforme a
conveniência dos cônjuges.
A
liberdade de escolha é plena. O casal pode optar pelo regime de bens que melhor
atende aos seus interesses, contudo, deverá formalizar essa opção durante o
procedimento de habilitação do casamento, sob pena de se submeter ao regime
legal e supletivo, a comunhão parcial de bens.
Comunhão
parcial de bens significa o compartilhamento em igual proporção de um mesmo
patrimônio, vale dizer, o patrimônio adquirido após a celebração do casamento
civil. Desse modo, todos os bens adquiridos durante a união pertencerão a ambos
os cônjuges, não importando quem comprou ou em nome de quem foi registrado.
Nesse regime, é irrelevante qual foi a efetiva contribuição financeira de cada
cônjuge para a formação do patrimônio, presume-se a conjugação de esforços, a
colaboração mútua.
Como
o marco inicial da comunhão é a data da celebração do casamento, em regra, o
patrimônio que cada cônjuge possuía antes do matrimônio não é compartilhado com
o outro. Pode haver, pois, a coexistência de três massas patrimoniais
distintas: a primeira, formada pelos bens comuns do casal (adquiridos na
constância do casamento); a segunda, formada pelos bens particulares do marido
(adquiridos antes do casamento) e a terceira, formada pelos bens particulares
da mulher (adquiridos antes do casamento).
Os
artigos 1.659 e 1.660 do Código Civil enumeram expressamente quais são as
hipóteses de comunicação ou não dos bens no regime da comunhão parcial,
vejamos:
Art. 1.659. Excluem-se da comunhão:
I - os bens que cada cônjuge possuir ao
casar, e os que lhe sobrevierem, na constância do casamento, por doação ou
sucessão, e os sub-rogados em seu lugar;
II - os bens adquiridos com valores
exclusivamente pertencentes a um dos cônjuges em sub-rogação dos bens
particulares;
III - as obrigações anteriores ao casamento;
IV - as obrigações provenientes de atos
ilícitos, salvo reversão em proveito do casal;
V - os bens de uso pessoal, os livros e
instrumentos de profissão;
VI - os proventos do trabalho pessoal de
cada cônjuge;
VII - as pensões, meios-soldos, montepios e
outras rendas semelhantes.
Art. 1.660. Entram na comunhão:
I - os bens adquiridos na constância do
casamento por título oneroso, ainda que só em nome de um dos cônjuges;
II - os bens adquiridos por fato eventual,
com ou sem o concurso de trabalho ou despesa anterior;
III - os bens adquiridos por doação, herança
ou legado, em favor de ambos os cônjuges;
IV - as benfeitorias em bens particulares de
cada cônjuge;
V - os frutos dos bens comuns, ou dos
particulares de cada cônjuge, percebidos na constância do casamento, ou
pendentes ao tempo de cessar a comunhão.
Havendo
a dissolução do casamento, os bens adquiridos na constância da sociedade
conjugal serão partilhados em igual proporção (50% para cada um) ainda que a
contribuição dos cônjuges para aquisição do patrimônio tenha sido desigual. O
patrimônio que cada um possuía antes de casar é preservado, permanecendo de
propriedade exclusiva do seu titular.
Ocorre
que, no momento de formalizar o divórcio e a consequente partilha de bens,
muitos casais envolvem-se em demorados litígios em razão de dúvidas e
divergências acerca dos direitos relativos ao patrimônio comum e à proporção
devida a cada um dos cônjuges. Desse modo, algumas questões mais recorrentes
prescindem de esclarecimento individual:-
•Valorização
do bem particular:
A valorização natural do patrimônio é tida como bem particular, ou seja, não é
partilhável.
•Benfeitorias
nos bens particulares:
Comunicam-se todos os tipos de benfeitorias (obras ou despesas feitas em bens
já existentes), necessárias, úteis ou voluptuárias. O entendimento é que o
acréscimo no patrimônio individual é resultado do emprego dos recursos do casal
ou do esforço comum.
•Frutos
dos bens particulares:
Os frutos dos bens comuns ou particulares de cada cônjuge, percebido na
constância do casamento são partilháveis. Por exemplo, aluguéis, rendas e juros
de capital aplicado, ainda que oriundos de bens exclusivos, integram a massa
patrimonial comum.
•Bens
móveis que guarnecem a residência: A presunção legal é que o mobiliário do casal foi
adquirido na constância da união, sendo, portanto, partilhável. Essa presunção,
entretanto, admite prova em contrário, ou seja, o interessado tem oportunidade
de comprovar que a aquisição de algum objeto ocorreu em data anterior ao
casamento.
•Bens
de uso pessoal:
Em regra, não se comunicam os bens destinados ao uso particular de cada
cônjuge. Livros, roupas, sapatos, relógios, joias, bicicletas, telefone
celular, computador, todos os bens que se vincularem a necessidade pessoal do
seu titular são de propriedade exclusiva. No entanto, os objetos adquiridos
durante o casamento e que tenham significativo conteúdo econômico, relevantes
diante de toda a massa patrimonial comum, serão partilháveis (como por exemplo,
automóveis, joias e relógios de valores consideráveis).
•Proventos
do trabalho pessoal:
Essa locução é bastante complicada em razão das possibilidades de
interpretação. A doutrina não pacificou o tema. No Tribunal de Justiça do
Estado de São Paulo predomina o entendimento de que essa exclusão da lei deve
ser entendida apenas e tão-somente para o caso de separação do casal, vale
dizer, o que não se comunica é o direito abstrato ao recebimento do salário, em
razão do caráter personalíssimo de tal direito. Portanto, uma vez recebida a
remuneração, essa passará a integrar o patrimônio comum. Diante da importância
da questão, existe projeto de lei (276/2007) com objetivo de retirar do Código Civil
o inciso VI, do artigo 1659.
•Verbas
trabalhistas:
Há precedente no Superior Tribunal de Justiça no sentido de serem partilháveis
as verbas trabalhistas pleiteadas judicialmente, desde que o período aquisitivo
coincida com o período do matrimônio: "Ao cônjuge casado pelo regime de
comunhão parcial de bens é devida à meação das verbas trabalhistas pleiteadas
judicialmente durante a constância do casamento. As verbas indenizatórias
decorrentes da rescisão de contrato de trabalho só devem ser excluídas da
comunhão quando o direito trabalhista tenha nascido ou tenha sido pleiteado
após a separação do casal" (REsp 646.529/SP, Ministra Nancy Andrighi,
21/08/2005).
•FGTS: O tema não é
pacífico. O STJ já se posicionou no sentido de ser partilhável o saldo de conta
vinculada do FGTS, formado na constância do matrimônio. No TJ-SP não há
consenso.
•Planos
de Previdência Privada:
Esse tema também é causa de divergência na doutrina. Na jurisprudência, o
entendimento é que trata-se de uma aplicação financeira, logo, os saldos são
partilháveis, desde que possível o resgate do montante aplicado, ou seja,
apenas na hipótese de a separação do casal ocorrer antes da conversão do
capital em pensão.
•Ações
e bônus:
Devem ser partilhadas as ações e os bônus cujo período aquisitivo tenha se dado
na constância do casamento.
•Cotas
Sociais:
Não só as cotas sociais, mas também a valorização da participação societária
decorrente dos lucros reinvestidos são partilháveis. Contudo, o cônjuge não se
torna sócio da sociedade, mas sim titular do valor patrimonial da quota.
•Direitos
autorais:
Não há comunhão quanto aos direitos, pois somente o autor pode explorar
economicamente a sua obra, no entanto, os lucros resultantes da exploração dos
direitos autorais e da propriedade intelectual ingressam na comunhão.
•Comunicação
de passivos:
As dívidas conjugais são solidárias entre marido e mulher. A presunção legal é
que a dívida foi contraída para atender as necessidades do casal e da família.
As obrigações contraídas antes do matrimônio e relacionadas às núpcias ou a
compra de bens conjugais, independentemente de quem comprou, também obrigam
ambos os cônjuges. Já as dívidas particulares devem ser garantidas pelo
patrimônio próprio do cônjuge que a assumiu.
Obrigações
decorrentes de ato ilícito: Em regra a responsabilidade pelo ato ilícito é
eminentemente pessoal, não se estendendo a obrigação ao outro cônjuge.
•Fiança
e aval:
Pessoas casadas sob o regime da comunhão parcial só podem prestar aval ou
fiança mediante prévio e expresso consentimento do seu cônjuge. É a chamada
outorga uxória. Assim, aval e fiança prestados sem a anuência do cônjuge são
anuláveis ou ineficazes. Em tese, só obrigará o cônjuge que se vincular como
fiador ou avalista.
•Bens recebidos por herança ou doação: Os bens adquiridos por
doação ou sucessão hereditária não são partilhados com o outro cônjuge, no
entanto, se o bem for vendido e com recurso da venda for adquirido outro
patrimônio, sem nenhuma ressalva em relação à origem do dinheiro, o bem passará
a integrar a massa patrimonial comum.
O
regime de bens também é fator determinante da legitimação sucessória e influi
diretamente na sucessão (transmissão da herança). Assim, ocorrendo a morte de
um dos cônjuges, o outro poderá participar da herança do falecido, dependendo
do regime de bens vigente durante o casamento. Quando casados sob o regime da
comunhão parcial de bens, o cônjuge sobrevivente herdará tão-somente se o
falecido houver deixado bens particulares (adquiridos antes do casamento).