Para evitar brigas
judiciais por patrimônios em caso de separação no futuro, namorados têm optado
por formalizar relação por meio de contratos em cartórios
Namorados, namorados; negócios à parte. Parodiando
um antigo ditado, o chamado 'contrato de namoro' está virando moda e ajudando
casais a "blindarem" seus bens pessoais. Trata-se de um documento
registrado em tabelionatos de notas como escritura pública ou contrato
particular, cujo objetivo é proteger os bens do casal.
"Declara que o relacionamento não é uma
união estável, que não há intenção de constituir família naquele momento e que
não haverá divisão de patrimônio no caso de término da relação. Ou seja: é uma
prova de proteção para as partes, caso o namoro não dê certo", detalha
David Soares da Silva, especialista em planejamento patrimonial e sucessório do
Battella, Lasmar e Silva Advogados.
Ainda não há levantamento do número de
acordos dessa natureza nos cerca de 40 tabelionatos notariais do Rio de Janeiro.
No país, foram pelo menos cem no ano passado. Fernanda Leitão, tabeliã do
Cartório do 15º Ofício de Notas da Capital, comenta que registrou dois casos
nos últimos meses.
"O documento é uma tendência e é
segurança para ambos. Incluo nele cláusulas, deixando claro que o tratado não
poderá servir de forma alguma para burlar a realidade dos fatos ou a lei. Ou
seja, caso se trate de uma união estável e não de um namoro, esse contrato
poderá ser questionado judicialmente", adverte Fernanda, frisando que a
lavratura do procedimento, rápida e sem burocracia, custa R$ 224 (quase metade
do valor cobrado em São Paulo).
Ana, 28 anos, e Roberto (nomes fictícios), 29,
assinaram em comum acordo. "Não é mesquinharia, mas uma realidade. Ninguém
garante que nosso amor será eterno", justifica Ana, que, na relação de
bens, fez constar até algo inusitado: uma banheira em mármore com torneiras
banhadas a ouro, herdada de sua bisavó. "Achei estranho. Jamais iria
querer levar uma banheira posteriormente. Mas tudo bem", diverte-se Sérgio.
Tatiana Rodrigues, outra especialista em
planejamento patrimonial, reforça que o contrato pode livrar o casal de
situações indesejáveis. "Por exemplo, partilhar bens adquiridos durante um
mero namoro porque um dos parceiros resolveu considerar a relação como união
estável", exemplifica.
David destaca que não há data de validade
obrigatória, até porque o acordo não é expressamente previsto em lei. "Recomendamos
um ano, mas as partes são livres para pactuar prazos".
A escritura pública de namoro evita os
efeitos da união estável, como a possibilidade de partilha de bens adquiridos
durante um romance, pensão, direitos sucessórios em caso de falecimento, entre
outros.
"A Justiça vem aceitando esse
instrumento como uma importante prova de inexistência de união estável, até
mesmo em casos de namorados que moram juntos", afirma Andrey Guimarães
Duarte, presidente do Colégio Notarial do Brasil - Seção/SP.
Procura entre solteiros
e divorciados
O contrato de namoro, segundo tabeliães, tem
sido assinado por pessoas solteiras e divorciadas que já têm algum patrimônio e
querem evitar, ao menos no começo de uma relação, que tal união seja
considerada estável. Isso evita posteriores partilhas patrimoniais.
"Imagine uma pessoa solteira que tenha
um imóvel e comece a namorar. Ela vende esse bem, compra um maior, e o
relacionamento acaba tempos depois. Dependendo das provas, o outro companheiro
poderia alegar a existência de união estável e exigir metade do valor da
residência adquirida durante o namoro. O contrato, num caso assim, seria a
prova de que não havia união estável e que, por essa razão, não haveria
partilha do apartamento ou casa", diz Tatiana Rodrigues. Embora raro, já houve
casos de indenização por traição durante o namoro, conforme cláusula em certos
contratos.
Namoro qualificado
Mas existem casos em que a fila anda. Por
isso, já há um passo adiante. Trata-se de um trato específico para um namoro
qualificado. É um tipo de documento para quando o relacionamento passa para a
etapa intermediária entre o namoro e a união estável ou o casamento. O namoro
qualificado é praticamente um "contrato de noivado", que já não é
mais um simples namoro, mas ainda não é matrimônio. Nele, já há planos para
constituir família num futuro razoavelmente próximo, mas não naquele momento.
"No namoro qualificado, há projetos
para o futuro, enquanto na união estável há uma família plena já constituída, que
transmite a aparência de casamento. Como ainda não é união estável (mas a
caminho), o namoro qualificado ainda não gera consequências patrimoniais. Assim,
se um dos noivos compra um imóvel durante essa etapa, o bem será desse noivo e
não do casal", adverte David.
O Colégio Notarial do Brasil (CNB-RJ) lembra
que casais do mesmo sexo também podem fazer o acordo de namoro em cartório. Assim,
os efeitos da união estável também poderão ser aplicados às relações
homoafetivas.
Por Francisco Edson Alves
Fonte O Dia Online