Uma
das grandes questões do Direito de Família contemporâneo é saber se determinada
relação afetiva é um namoro ou união estável. Com a evolução dos costumes e a
maior liberdade sexual, esta linha divisória tornou-se muito tênue. Com isto,
grande parte dos processos levados aos tribunais brasileiros que envolvem união
estável, o cerne da discussão está na dificuldade de se diferenciar namoro de
união estável. Namoro é o relacionamento entre duas pessoas sem caracterizar
uma entidade familiar.
Pode
ser a preparação para constituição de uma família futura, enquanto na união
estável, a família já existe. Assim, o que distingue esses dois institutos é o
animus familiae, reconhecido pelas partes e pela sociedade (trato e fama).
Existem namoros longos que nunca se transformaram em entidade familiar e
relacionamentos curtos que logo se caracterizam como união estável. O mesmo se
diga com relação à presença de filhos, que pode se dar tanto no namoro quanto
na união estável.
O
namoro, por si só, não tem consequências jurídicas. Não acarreta, partilha de
bens ou qualquer aplicação de regime de bens, fixação de alimentos ou direito
sucessório. Se um casal de namorados adquire juntos um veículo, por exemplo,
com o fim do relacionamento este bem poderá ser dividido, se não houver
contrato escrito entre eles, de acordo com as regras do direito obrigacional.
Neste sentido, pode-se dizer, então, que é possível haver uma “sociedade de
fato” dentro de um namoro, sem que isto caracterize uma entidade familiar.
Assim, por não se tratar de entidade familiar, as questões jurídicas
concernentes ao namoro, como danos causados à pessoa, são discutidas no campo
do direito comercial ou obrigacional.
Namoro
pode ser indício de prova para algumas situações jurídicas. Por exemplo, somado
à negativa de realização de exame em DNA pode acarretar a declaração de suposta
paternidade. Além disso, pode indicar o fumus boni iuris necessário à
antecipação de tutela no pedido de alimentos gravídicos (Lei 11.804/2008). A
Lei Maria da Penha (Lei 11.340/2006) também é aplicável nos casos de namoro.
O
namoro não tem prazo de validade. Conheço casal que namorou mais de 50 anos.
Faz parte do exercício da autonomia privada optar por esta maneira de se
relacionar e, da mesma forma, escolher não prosseguir, não constituindo o fim
do namoro, por si só, uma ofensa a direito alheio ou configuração de ato
ilícito.
Ao
Direito de Família interessa delinear um conceito de namoro para distingui-lo
da união estável. Antes, se o casal não mantinha relação sexual eram apenas
namorados, e se mantinham já se podia dizer que eram “amigados” ou “amasiados”.
Hoje é comum, natural e saudável que casais de namorados mantenham
relacionamento sexual, sem que isto signifique nada além de um namoro, e sem
nenhuma consequência jurídica. Assim, o conteúdo sexual de uma relação amorosa
que até pouco tempo era caracterizador, ou descaracterizador de um instituto ou
outro, não é mais determinante ou definidor deste ou daquele instituto. E, para
confundir ainda mais, namorados às vezes têm filhos, em geral sem planejar, o
que por si só não descaracteriza o namoro e o eleva à categoria de união
estável.
Nestas
relações vê-se também uma grande diferença entre a forma de se ver ou nomear
tal relação. É muito comum os homens enxergarem ou entenderem que se trata
apenas de um namoro, enquanto as mulheres, talvez por serem mais comprometidas
com o amor, veem como união estável. Esse ângulo de visão diferente, somado à
falta de um delineamento mais preciso sobre o namoro e união estável, tem levado
os restos deste amor às barras dos tribunais, para que o juiz diga se é uma
coisa ou outra. Estas demandas aumentaram principalmente após o advento da Lei
9.278/1996, que acertadamente abriu o conceito de união estável, isto é,
retirou o prazo de cinco anos estabelecido na Lei 8.971/1994.
Namorados
podem até mesmo morar juntos, sem que isto caracterize uma união estável, pois
há situações em que eles residem sob o mesmo teto, “dividem o apartamento” por
questão de economia, como bem decidiu o STJ: "Este comportamento, é certo,
revela-se absolutamente usual nos tempos atuais, impondo-se ao Direito, longe
das críticas e dos estigmas, adequar-se à realidade social. (STJ, REsp 1454643
/ RJ, Rel Min. Marco Aurélio Bellizze, 3ª Turma, pub. 10/03/2015)"
Alguns
casais, especialmente aqueles que já constituíram outra família anteriormente,
para evitar futuros aborrecimentos ou demandas judiciais em razão da confusão
desses dois conceitos, têm feito um contrato de namoro, ou uma “declaração de
namoro”, dizendo que a relação entre as partes é apenas um namoro e que não têm
intenção ou objetivo de constituírem uma família. E, se a realidade da vida
descaracterizar o namoro, elevando-o ao status de união estável, fica desde já
assegurado naquele contrato, ou declaração, qual será o regime de bens entre
eles. Embora o contrato de namoro possa parecer o anti-namoro, muitos casais,
em busca de uma segurança jurídica, e para evitar que a relação equivocadamente
seja tida como união estável, desviando assim o animus dos namorados, têm
optado por imprimir esta formalidade à relação. Apesar da polêmica em torno da
validade e eficácia jurídica deste tipo de contrato, ele pode ser um bom
instrumento jurídico para ajudar os casais a namorarem em paz.
Por
Rodrigo da Cunha Pereira
Fonte
Consultor Jurídico