Tem sido frequente a propositura de ações
judiciais em face do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) em que se pede
a concessão de benefício previdenciário (por exemplo auxílio-doença;
aposentadoria por invalidez; pensão por morte etc.), inclusive com pedido de
antecipação dos efeitos da tutela para implementação imediata do benefício
pleiteado em Juízo, independentemente da citação e manifestação do INSS, quando
não há qualquer comprovação de que o sujeito tenha ingressado na via
administrativa requerendo tal benesse antes de provocar a atuação do Poder
Judiciário.
Ocorre que, a partir da verificação de
reiteradas ações judiciais que passaram a ser propostas visando ao recebimento
de benefícios previdênciários sem que tenha havido prévio requerimento
administrativo perante o INSS, passou a ser debatido na doutrina e na
jurisprudência sobre a efetiva necessidade de prévio requerimento
administrativo para que reste configurado o interesse de agir do sujeito na
propositura da ação judicial (CPC, art. 3º).
Tendo em vista o não ingresso do sujeito com
o requerimento administrativo perante o INSS para obtenção do benefício
previdenciário, e, consequentemente, a não apreciação formal e apresentação de
resposta, pelo órgão previdenciário, ao requerimento administrativo, surge a
discussão sobre a existência do interesse de agir do sujeito, condição da ação
imprescindível para a propositura de ação judicial.
Previsto no artigo 3º, do Código de Processo
Civil, o interesse de agir surge em função da necessidade do sujeito em obter
por intermédio do processo a proteção a interesse concreto. O processo não pode
ser utilizado como instrumento de indagação, pois a jurisdição, como função
estatal, somente deve ter atuação para realizar ou declarar, de forma prática,
uma situação jurídica controvertida. Assim, somente o dano ou perigo de dano
jurídico, vindo representado pela existência de uma lide, justifica a busca da
tutela jurisdicional.
Com efeito, quando se verifica que o sujeito
nem mesmo esboçou sua pretensão ao INSS por intermédio do requerimento
administrativo, infere-se — a princípio — o não surgimento do conflito de
interesses.
Ocorre que, identificar os requisitos
básicos para saber se o sujeito faz jus a alguma espécie de benefício é tarefa
mais adequada à Administração, antes do pronunciamento do Poder Judiciário.
Caso haja necessidade, se não resolvida a situação administrativamente, o
conhecimento da causa pelo Estado-Juiz importará então em seu pronunciamento,
aí sim de forma indefectível.
Não se pode alegar o direito de não se
esgotar a via administrativa. Isso porque não se deve confundir a inexigência
do exaurimento daquela via com a total ausência de provocação da Administração.
Sobre o tema já prescrevia a súmula 213 do
extinto Tribunal Federal de Recursos que “o exaurimento da via administrativa
não é condição para a propositura de ação de natureza previdenciária.” No mesmo
sentido, a Súmula 9 do Egrégio Tribunal Regional Federal da 3ª Região prevê que
"em matéria previdenciária, torna-se desnecessário o prévio exaurimento da
via administrativa, como condição de ajuizamento da ação".
A partir de referidas súmulas, contrario
sensu, surge a necessidade do requerimento inicial perante a Administração,
pois o que não se pode exigir é o seu exaurimento. Isto porque, o papel de
conferência das particularidades de cada benefício previdenciário pleiteado é
essencialmente do órgão técnico do INSS, sob pena de o Poder Judiciário exercer
função que é, precípua, de ente do Poder Executivo.
Logo, para evidenciar o interesse de agir do
demandante, necessário que ingresse com seu pedido perante a Administração
Pública, com toda a documentação exigida por lei e, após o decurso do prazo
legal, acaso não apreciado ou negado o seu pleito, estará delineado o conflito
de interesses, a lide a ser dirimida pelo Poder Judiciário.
O interesse de agir decorre da obediência do
binômio necessidade e adequação. Não obstante a via judicial eleita seja
adequada para se pleitear o que se deseja, com a ausência de negativa ao prévio
requerimento administrativo do benefício não é possível denotar-se a
necessidade de sua utilização.
Por conseguinte, verificando-se a ausência
de prévio requerimento administrativo, restaria evidente a falta de interesse
de agir do sujeito que bate às portas do Poder Judiciário, condição da ação
que, nas palavras de Humberto Theodoro Júnior, localiza-se não apenas na
utilidade, mas especificamente na necessidade do processo como remédio apto à
aplicação do direito objetivo no caso concreto (Curso de Direito Processual
Civil, vol. 1, 29ª ed., Rio de Janeiro, Forense, 1999, p. 56).
Verifica-se, portanto, que o interesse de
agir somente pode resultar da pretensão resistida. Desse modo, o pedido
administrativo devidamente instruído seria condição indispensável para o
ajuizamento da demanda e, consequentemente, à caracterização do direito à ação.
Ressalte-se que não se está exigindo que o
sujeito esgote completamente o procedimento administrativo, mas, isto sim, que
no mínimo requeira a concessão do benefício no INSS, sob pena de restar
maculado o princípio da separação dos Poderes, insculpido no artigo 2º, da
Constituição federal, pois a função jurisdicional somente pode ser exercida, na
espécie, como substitutiva da função executiva eventualmente lesiva do
segurado.
Esclarece-se que não se trata de negação de
acesso ao Poder Judiciário, como direito fundamental inscrito no artigo 5º da
Constituição Federal, mas, sim, de ausência de condição necessária para a
própria existência da demanda.
Assim, é bem verdade que não se exige o
exaurimento da via administrativa para que seja possível o ajuizamento da
demanda judicial. No entanto, é preciso que fique ao menos caracterizado que
houve tentativa de buscar, junto ao INSS, o que se pretende judicialmente.
E só há que se falar na movimentação do
Poder Judiciário — em face do princípio processual da inércia (CPC, art. 2º) —,
quando a parte interessada o procura a partir de uma violação ou suposta
violação a direito que entenda possuir. Somente nessa hipótese, com o
surgimento da chamada “pretensão resistida”, é que deveria agir o Judiciário,
impulsionado pelo surgimento de uma lide. Sem a existência de uma pretensão
resistida, inexistiria direito supostamente violado ou ameaçado de lesão,
inexistiria a lide, não se configurando, por conseguinte, o conflito de
interesses necessário para se recorrer, validamente, ao Judiciário.
Assim, trazida a questão ao Poder
Judiciário, caber-lhe-á então verificar se o INSS agiu em conformidade com a
legislação de regência, inclusive a Constituição Federal e respectivos
princípios. Identificada a lesão ou a possibilidade de sua ocorrência, deverá
atuar o Judiciário no sentido de sanar a irregularidade e aplicar adequadamente
a lei.
Agindo desta forma, o Poder Judiciário
exercerá então a sua típica função de controle dos atos administrativos
praticados pelos demais órgãos estatais, atuando pontualmente quando exigido.
De modo algum deve o Judiciário substituir a autarquia federal (INSS) no
exercício do mister a ela atribuído, devendo ocorrer o mesmo raciocínio em
relação a qualquer outro órgão da Administração Pública direta ou indireta.
Aliás, ao se pleitear diretamente a
concessão de tal benefício no Judiciário este estará agindo não como detentor
de parcela da soberania estatal, mas sim como autoridade administrativa,
trazendo para si, de pronto, tarefa que não lhe é atribuída. Com isso, a sua
função típica de processar e julgar conflitos de interesse (pretensões
resistidas) acaba por desvirtuar-se, uma vez que passa a substituir, na grande
maioria das vezes, a administração previdenciária.
Daí a necessária vinculação e respeito aos
institutos processuais, notadamente ao preenchimento das condições da ação,
dentre as quais se insere o sobredito interesse de agir, que decorre do binômio
necessidade-adequação e deve estar presente desde o momento em que a ação é
proposta. Sendo uma das condições da ação, a sua inexistência quando da
propositura do feito em Juízo pode vir a autorizar o indeferimento da petição
inicial proposta em Juízo e, via de consequência, a extinção do processo sem
análise do mérito.
Se de um lado não é necessário exaurir, ou
seja, esgotar, ir até às últimas consequências na via administrativa para só
então provocar a atuação do Judiciário, de outro lado impõe-se, ao menos, a
provocação inicial e prévia da via administrativa competente. Ou seja, cabe ao
sujeito interessado procurar inicialmente a via administrativa (INSS) para a
concessão do benefício.
Frise-se: não se trata de exigência de
esgotamento das vias administrativas, mas de configuração do interesse
processual em buscar provimento judicial que revise a conduta administrativa do
INSS.
Isto porque, quando se busca diretamente a
tutela jurisdicional, sem que a outra parte tenha tido oportunidade de oferecer
resistência à pretensão formulada, não há conflito de interesses que justifique
a intervenção do Poder Judiciário. É preciso que fique ao menos caracterizado
que o INSS ofereceu algum tipo de resistência à pretensão formulada, seja
indeferindo o pedido, seja deixando de apreciá-lo no prazo regulamentar.
Em síntese, o Judiciário somente estaria
legitimado a atuar desde que comprovada a provocação prévia da autoridade
administrativa competente (INSS), com manifestação desfavorável ou com omissão
de manifestação, respeitados os prazos legais, atuando o juiz tão somente no
controle e na legalidade da decisão administrativa.
Ademais, releva destacar que a exigência de
ingresso prévio na via administrativa não viola o disposto no inciso XXXV, do
artigo 5º da Constituição Federal de 1988, que traz o chamado princípio da
inafastabilidade da jurisdição. Isto porque, se é certo que descabe à lei
obstar o ingresso de quem quer que seja em Juízo, não é menos certo que, para
facilitar e viabilizar o efetivo acesso à justiça, há de se respeitar
requisitos mínimos exigidos para o exercício do direito constitucional de ação
(CF, art. 5º, inciso LIV), ou seja, impõe-se que estejam presentes a legitimidade
das partes, o pedido juridicamente possível e o interesse de agir. Sendo o
direito de ação igualmente de fundo constitucional, a boa hermenêutica exige
que tais princípios sejam compatibilizados.
Assim, ao mesmo tempo em que a Constituição
de 1988 garante o amplo acesso ao Judiciário, ela também exige que tal acesso
se faça com o atendimento de determinadas condições. Inexistindo uma delas, no
caso a falta de interesse processual, inviabiliza-se, desde o início, o acesso
ao Judiciário.
Por oportuno, cumpre destacar que o Supremo
Tribunal Federal já decidiu que a matéria Prévio requerimento administrativo
como condição para o acesso ao Judiciário é de “repercussão geral”, conforme
“Leading Case: RE 631.240”, autuado em 2010 e que se encontra em tramitação.
Por ora, não estando comprovado que o
sujeito buscou obter o benefício inicialmente na via administrativa (INSS),
impõe-se o reconhecimento de restar caracterizada a ausência de interesse de
agir (CPC, art. 3º), motivo pelo qual, com fundamento nos arts. 295, inciso III
e 267, incisos I e VI, todos do Código de Processo Civil, a petição inicial
haveria que ser indeferida.
Contudo, para evitar os prejuízos que uma
eventual aplicação pura e simples do direito poderia acarretar, faz-se sempre
oportuna a concessão de prazo sugestivo de 60 dias para que o sujeito então
proceda ao requerimento administrativo do benefício almejado, comprovando-o
frente ao Poder Judiciário, sob pena de, não o fazendo, então a petição inicial
ser indeferida, nos termos dos artigos 295, inciso III e 267, incisos I e VI,
do Código de Processo Civil, ante a ausência de interesse de agir como condição
da ação imprescindível para o processamento de qualquer feito perante o Poder
Judiciário.
Por Gustavo Catunda Mendes
Fonte Consultor Jurídico