segunda-feira, 5 de maio de 2014

ADVOGADA É CONDENADA POR RETER VALORES DE CLIENTE


Comete ato ilícito, passível de indenização, o advogado que recebe valores para um determinado propósito e os retém para si, sem prestar contas ou apresentar justificativa plausível. Além de causar abalo de confiança e atentar contra os direitos do consumidor-cliente, a sua conduta vai na contramão do que prega o Código de Ética e Disciplina da OAB.
Com esse entendimento, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul manteve, na íntegra, sentença que condenou em dano moral e material uma advogada da Comarca de Taquara que reteve R$ 5,5 mil do seu cliente, dinheiro que era destinado a depósitos judiciais. O colegiado também referendou o valor arbitrado para compensar o abalo moral, de R$ 10 mil.
A relatora do recurso na 15ª. Câmara Cível, desembargadora Ana Beatriz Iser, afirmou no acórdão que a própria advogada reconheceu, em seu apelo, que se apropriou dos valores destinados à realização de depósitos judiciais. Para ela, a falta de motivo para retenção dos valores justifica a condenação indenizatória arbitrada na origem, sobretudo considerando o caráter pedagógico da medida.
‘‘Destaco que o fato de o autor ter sido mantido na posse do bem não altera o decidido, pois a retenção indevida de valores pela ré resta materializada’’, justificou a relatora. O acórdão foi lavrado na sessão de julgamento ocorrida em 16 de abril.

Ação indenizatória
Em maio de 2010, o cliente-autor entabulou contrato de prestação de serviços jurídicos com a advogada-ré, visando ajuizar ação revisional contra uma instituição de crédito, que tramitou na 2ª. Vara Cível da Comarca de Taquara. Conforme o combinado, pagou os R$ 900,00 de honorários em nove parcelas mensais de R$ 100,00.
No curso da ação, o juízo aceitou a proposta do autor, que consistia em depositar judicialmente os R$ 5.569,90 que entendia dever à financeira, em 13 parcelas mensais de R$ 556,90, a fim de manter sob sua posse o veículo financiado. Assim, mensalmente, o autor entregava o dinheiro à advogada, incumbida de fazer os depósitos.
No entanto, conforme alegou na inicial, a advogada fez apenas três depósitos, isso depois de a financeira ter ingressado com Ação de Busca e Apreensão por quebra do acordo. A apreensão só foi revertida após o autor ter firmado novo acordo com o credor, retomando o automóvel.
Interpelada pelo autor para que explicasse a razão da ausência de comprovação dos depósitos judiciais – segundo registra o processo –, alegava que os papeis ‘‘estavam na mesa do juiz’’. Também afirmava que havia feito os depósitos e estava ‘‘cheia de serviço’’.
Sentindo-se lesado, o autor ajuizou ação indenizatória contra sua procuradora, pedindo que fosse determinada a devolução do dinheiro entregue e, também, arbitrada indenização por danos morais.
Na contestação, a advogada admitiu que alguns depósitos deixaram de ser feitos nas datas corretas, não por má-fé, mas por equívocos. Garantiu que os depósitos faltantes foram integralizados em maio de 2011. Atribuiu a falha a problemas pessoais e à rotatividade de funcionários do escritório. Apesar de tudo, disse que o autor ficou na posse do bem. Logo, não se poderia falar em dano moral.

A sentença
O juiz Juliano Etchegaray Fonseca, da 1ª Vara Cível daquela comarca, reconheceu que a conduta da advogada levou à apreensão do veículo do autor. Isso, por si só, ‘‘traduz-se em prática atentatória aos direitos dos consumidores’’, em função do abalo da confiança.
Citando a Constituição, o Estatuto da Advocacia e o Código de Ética e Disciplina da OAB, o julgador lembrou que o advogado presta serviço público e exerce função social. Por isso, precisa seguir os preceitos éticos, para ser merecedor de respeito e contribuir para o prestígio da advocacia.
‘‘Os problemas de ordem pessoal alegados não podem servir de subterfúgio para o cometimento de atos ilícitos por parte demandada no exercício de sua profissão, tendo sua conduta rompido a confiança que se faz necessária entre o cliente e seu advogado, entre o consumidor e o prestador de serviços, tendo tal fato ultrapassado os meros dissabores também equivocadamente invocados pela ré, o que só demonstra a ausência de consciência acerca do conteúdo nefasto de seu comportamento perpetrado neste e em outros casos análogos’’, escreveu na sentença.
Demonstrada a retenção indevida e injustificada, o juiz deferiu a reparação por danos patrimoniais. Determinou a restituição das quantias retidas, com o abatimento dos valores depositados fora do tempo pela ré, corrigidas monetariamente e acrescidas de juros legais, tudo a ser apurado em liquidação de sentença, conforme previsão do artigo 475-B, caput, do Código de Processo Civil.
O juiz também deferiu a reparação extrapatrimonial, pois reconheceu que a conduta também causou ao cliente lesado dano moral na forma in re ipsa – que decorre do próprio fato, independentemente da comprovação do abalo psicológico sofrido pela vítima. Valor arbitrado: R$ 10 mil.

Por Jomar Martins
Fonte Consultor Jurídico