Trama
de novela que se preze sempre tem alguma história de golpe do baú. Os apuros da
heroína inocente que cai nas garras de um sedutor disposto a tudo para pôr as
mãos em seu dinheiro é enredo obrigatório de nove em cada dez folhetins
televisivos. O público segue com a respiração suspensa os mirabolantes esquemas
bolados pelo vilão para enganar a “mocinha” da trama, e com freqüência essas
tramóias parecem tão fantasiosas que nos levam a pensar: “isso é coisa de
novela”. Mas não é bem assim. O famigerado golpe do baú não existe apenas na
fértil imaginação de nossos novelistas e dramaturgos. Do lado de cá da tela da
TV, não faltam situações reais que poderiam servir de inspiração às mais
imaginativas tramas novelescas.
Exemplo
disso é a história que me foi contada por um de meus clientes aos quais forneço
orientações para resolver dúvidas jurídicas na área do Direito de Família e
Sucessão. Uma moça casou-se com um homem que alegava ser o herdeiro de um rico
usineiro nordestino. Detalhes não faltaram para reforçar a história dele:
jantares em restaurantes de luxo, presentes caros, roupas de grife, carro
importado e por aí afora. Cada dúvida da moça era prontamente rebatida por uma
convincente desculpa. E foi assim que os dois se casaram e... não viveram felizes
para sempre. Na verdade, não viveram felizes nem por alguns meses. Pouco depois
do casamento, o conto de fadas desmoronou. Não havia herança nem usineiro
nordestino. Tudo não passava de uma farsa montada às custas de cheques sem
fundo e cartões de crédito estourados. E a lua-de-mel acabou com dívidas e
credores batendo à porta. A moça concluiu sua história perguntando: o que fazer
para sair dessa fria? O casamento poderia ser anulado?
Sim,
poderia. O Código Civil brasileiro determina que o erro quanto à identidade do
cônjuge é motivo suficiente para justificar um pedido de anulação. O erro pode
acontecer, por exemplo, quando uma pessoa finge ser o que não é para induzir
outra a casar-se com ela. O farsante pode fazer isso assumindo uma falsa
identidade física — o que recebe o nome de falsidade ideológica e é um crime,
sujeito às penas previstas por lei — ou assumindo uma falsa identidade civil,
isto é, mentindo a respeito de seu estado civil, de sua família, de suas
origens, de suas condições sociais e econômicas etc., o que parece ter sido o
caso da protagonista de nossa história. Para obter a anulação, porém, ela
precisa apresentar provas da farsa e também demonstrar que sua situação
econômica a tornou o alvo de um golpe do baú. Do contrário, o juiz pode entender
que a moça se casou apenas de olho no dinheiro que o marido alegava possuir. E
aí o feitiço vira contra o feiticeiro: a suposta vítima é que tentou um golpe
do baú e saiu frustrada. De qualquer forma, ninguém é obrigado a continuar
casado contra a vontade. Ainda que não consiga a anulação — pois a decisão
final vai sempre depender do juiz — a moça ainda pode recorrer ao divórcio. A
diferença é que, com a anulação, o casamento perde seus efeitos civis,
inclusive no que diz respeito ao regime (comunhão parcial de bens, separação de
bens etc.), de forma que cada cônjuge pode preservar seu patrimônio. No
divórcio, porém, a divisão dos bens do casal é feita de acordo com o regime
pelo qual eles optaram ao casar. Logo, dependendo do regime de seu casamento, a
moça pode vir a ser obrigada a dividir seus bens, ou parte deles, com o marido
— mesmo que ela tenha sido vítima de um golpe do baú.
Por
Ivone Zeger
Fonte
Consultor Jurídico