A
Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reconheceu ao cônjuge
sobrevivente o direito de pleitear indenização de danos morais pela cobrança de
dívida inexistente contra o nome do falecido, mesmo que o suposto fato gerador
da dívida tenha ocorrido após a morte.
Com
a decisão, a empresa American Express Tempo e Cia. terá de pagar indenização
por danos morais a uma viúva cujo marido teve o nome incluído nos órgãos de
proteção ao crédito dois anos após seu falecimento. Acompanhando o voto do
relator, ministro Paulo de Tarso Sanseverino, a Turma proveu parcialmente o
recurso da viúva e do espólio do falecido contra a empresa.
O
recurso discutia a legitimidade da viúva e do espólio para o pedido de
indenização por danos morais, bem como a legitimidade da viúva para o pedido de
declaração de inexistência do contrato de cartão de crédito.
A
Turma concluiu que o espólio não pode sofrer dano moral por constituir apenas
um conjunto de bens e direitos, representado pelo inventariante para questões
relativas ao patrimônio do falecido. Para os ministros, no entanto, a viúva
detém legitimidade para reclamar a indenização pelos prejuízos decorrentes da ofensa
à imagem (direito de personalidade) do falecido marido.
A ação
Em
2006, a viúva e o espólio tomaram conhecimento da cobrança extrajudicial feita
pela empresa, de um débito em nome do falecido no valor de mais de R$ 15 mil. O
problema é que o contrato foi feito após a morte do cidadão, ocorrida em 2004.
Mesmo assim, o nome do morto foi parar nos cadastros de maus pagadores. A viúva
e o espólio ajuizaram ação pedindo a declaração de inexistência do contrato e
indenização de cunho moral.
A
sentença considerou a viúva sem legitimidade para a pretensão declaratória, sob
o fundamento de que não há menção ao seu nome na falsa contratação. Também
reconheceu a ilegitimidade do espólio quanto à pretensão indenizatória. Mas
atendeu o pedido do espólio para declarar inexistente o contrato, e também o
pleito indenizatório da viúva, condenando a empresa ao pagamento de danos
morais no valor de R$ 5.700,00, com juros e correção monetária.
No
julgamento das apelações, o Tribunal de Justiça de São Paulo negou provimento
ao recurso da viúva e do espólio e deu parcial provimento ao da empresa, para
afastar a condenação por danos morais. Para o tribunal, a viúva não sofreu
cobrança vexatória.
A
viúva e o espólio recorreram ao STJ sustentando legitimidade ativa de ambos para
a ação indenizatória e pedindo a reparação pelos prejuízos extrapatrimoniais.
Crime frequente
Em
seu voto, o ministro Paulo de Tarso Sanseverino comentou que já é corriqueira a
ação de pessoas inescrupulosas especializadas na contratação de cartões de
crédito com o CPF de pessoas falecidas.
Como
a administradora do cartão de crédito, normalmente, celebra seus contratos via
telefone ou internet, sem exigir a presença física do consumidor, ela só toma
conhecimento da fraude quando deflagra os procedimentos para cobrar as faturas
não pagas.
Segundo
o ministro, a jurisprudência do STJ é tranquila no sentido de que o apontamento
indevido do nome de consumidores em órgãos de proteção ao crédito produz danos
morais, gerando obrigação de indenizar por quem procede à inscrição. Porém, ele
observou que a peculiaridade no caso era a celebração do contrato de cartão de
crédito após o óbito do usuário.
Eficácia post mortem
De
acordo com Paulo de Tarso Sanseverino, os direitos de personalidade se encerram
com a morte da pessoa natural, como fixado no artigo 6º do Código Civil, mas na
doutrina jurídica restam dúvidas sobre a possibilidade de alguma eficácia post
mortem de tais direitos.
Depois
de enumerar as posições doutrinárias a respeito, o ministro afirmou que na
legislação brasileira, a exemplo do direito português, há previsão legal
expressa de proteção post mortem desses direitos em alguns casos específicos.
Ele
citou os artigos 12 e 20 do Código Civil, que tratam de direitos de
personalidade e cujos parágrafos úicos preveem a legitimidade ativa do cônjuge
sobrevivente ou de parentes. Nas Jornadas de Direito Civil promovidas pelo
Conselho da Justiça Federal, foi aprovado o entendimento de que essa
legitimação se estende ao companheiro.
Imagem e memória
O
espólio não pode sofrer dano moral, disse o ministro, mas o cônjuge e os
herdeiros da pessoa falecida podem postular uma reparação pelos prejuízos
causados, após a sua morte, por um ato ilícito que atinge sua imagem e memória.
Com isso, a Turma deu provimento ao recurso para restabelecer a sentença em
relação aos danos morais.
Quanto
à legitimidade da viúva para pedir a declaração de inexistência da dívida,
Sanseverino afirmou que o contrato do cartão de crédito poderia repercutir em
seu quinhão hereditário. Tanto o espólio quanto a viúva tinham interesse e
legitimidade de ver declarada inexistente a obrigação. Esta enquanto herdeira
legítima, e aquele como responsável pelas dívidas deixadas pelo falecido, disse
o relator.
No
entanto, como a pretensão declaratória do espólio já havia sido acolhida pelas
instâncias ordinárias, a Turma considerou prejudicado o mesmo pedido feito pela
viúva.
Fonte
JusBrasil Notícias