O
Supremo Tribunal Federal julgou constitucionais os dispositivos do Estatuto da
Pessoa com Deficiência que estabelecem a obrigatoriedade de as escolas privadas
promoverem a inserção de pessoas com deficiência no ensino regular e prover as
medidas de adaptação necessárias sem que ônus financeiro seja repassado às
mensalidades, anuidades e matrículas. A decisão foi tomada nesta no julgamento
da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 5.357, na qual a OAB Nacional
atuou como “amicus curiae”.
O
presidente nacional da OAB, Claudio Lamachia, classificou como uma grande
vitória dos direitos humanos o julgamento. “O STF reconhece que a educação é um
direito de todos os brasileiros e que não pode haver discriminação quanto aos
alunos com deficiência. Nossa Constituição prevê a igualdade de condições entre
os cidadãos, garantia que não deve ser jamais ignorada. Temos, cada vez mais,
que promover a inserção das pessoas com deficiência em todos os contextos”,
afirmou.
A
maioria dos ministros da Suprema Corte seguiram o voto do relator, Edson
Fachin. O magistrado salientou que o Estatuto reflete o compromisso ético de
acolhimento e pluralidade democrática adotados pela Constituição Federal ao
exigir que não apenas as escolas públicas, mas também as particulares, devem
pautar sua atuação educacional a partir de todas as facetas e potencialidades
do direito fundamental à educação. “O ensino privado não deve privar os
estudantes – com e sem deficiência – da construção diária de uma sociedade
inclusiva e acolhedora, transmudando-se em verdadeiro local de exclusão, ao
arrepio da ordem constitucional vigente”, afirmou.
A
ADI nº 5.357 foi ajuizada pela Confederação Nacional dos Estabelecimentos de
Ensino (Confenen) para questionar a constitucionalidade do parágrafo primeiro
do artigo 28 e caput do artigo 30 da Lei 13.146/2015. Segundo a entidade, as
normas representam violação de diversos dispositivos constitucionais, entre
eles o artigo 208, inciso III, que prevê como dever do Estado o atendimento
educacional aos deficientes.
A
OAB sustentou que no artigo 208, inciso III, a Constituição, ao prever a
obrigação de atendimento educacional especializado aos deficientes, utiliza a
expressão “rede regular de ensino”, que contempla instituições públicas e
privadas. “As escolas particulares não podem se eximir de sua responsabilidade
social de proteger e atender as pessoas com deficiência. O dever é da sociedade
e a Constituição Federal em nenhum momento definiu que esse atendimento seria
obrigação somente do Poder Público”, completou.
O
ministro Fachin ressaltou que as escolas não podem se negar a cumprir as
determinações legais sobre ensino, nem entenderem que suas obrigações legais
limitam-se à geração de empregos e ao atendimento à legislação trabalhista e
tributária. Também considera incabível que seja alegado que o cumprimento das
normas de inclusão poderia acarretar em eventual sofrimento psíquico dos
educadores e usuários que não possuem qualquer necessidade especial. “Em suma:
à escola não é dado escolher, segregar, separar, mas é seu dever ensinar,
incluir, conviver”, afirmou o relator.
O
relator destacou em seu voto que o ensino inclusivo é política pública estável,
desenhada, amadurecida e depurada ao longo do tempo e que a inclusão foi
incorporada à Constituição da República como regra. Ressaltou que a Convenção
Internacional sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência, que tem entre seus
pressupostos promover, proteger e assegurar o exercício pleno dos direitos
humanos e liberdades fundamentais por todas as pessoas com deficiência, foi
ratificada pelo Congresso Nacional, o que lhe confere status de emenda
constitucional. Segundo ele, ao transpor a norma para o ordenamento jurídico, o
Brasil atendeu ao compromisso constitucional e internacional de proteção e
ampliação progressiva dos direitos fundamentais e humanos das pessoas com
deficiência.
Votos
Ao
acompanhar o relator, o ministro Luís Roberto Barroso destacou a importância da
igualdade e sua relevância no mundo contemporâneo, tanto no aspecto formal
quanto material, especialmente “a igualdade como reconhecimento aplicável às
minorias e a necessidade de inclusão social do deficiente”.
Também
seguindo o voto do ministro Fachin, o ministro Teori Zavascki ressaltou a
importância para as crianças sem deficiência conviverem com pessoas com
deficiência. “Uma escola que se preocupe além da questão econômica, em preparar
os alunos para a vida, deve na verdade encarar a presença de crianças com
deficiência como uma especial oportunidade de apresentar a todas,
principalmente as que não têm deficiências, uma lição fundamental de
humanidade, um modo de convivência sem exclusões, sem discriminações em um
ambiente de fraternidade”, destacou.
Votando
pela improcedência da ação, a ministra Rosa Weber afirmou que, em seu
entendimento, muitos dos problemas que a sociedade enfrenta hoje, entre eles a
intolerância, o ódio, desrespeito e sentimento de superioridade em relação ao
outro talvez tenham como origem o fato de que gerações anteriores não tenham
tido a oportunidade de conviver mais com a diferença. “Não tivemos a
oportunidade de participar da construção diária de uma sociedade inclusiva e
acolhedora, em que valorizada a diversidade, em que as diferenças sejam vistas
como inerentes a todos seres humanos”.
Segundo
o ministro Luiz Fux, não se pode analisar a legislação infraconstitucional sem
passar pelas normas da Constituição, que tem como um dos primeiros preceitos a
promoção de uma sociedade justa e solidária. “Não se pode resolver um problema
humano desta ordem sem perpassarmos pela promessa constitucional de criar uma
sociedade justa e solidária e, ao mesmo tempo, entender que hoje o ser humano é
o centro da Constituição; é a sua dignidade que está em jogo”, afirmou, ao
votar pela validade das normas questionadas. Ao também seguir o voto do
ministro Fachin, a ministra Cármen Lúcia afirmou que “todas as formas de
preconceito são doenças que precisam ser curadas”.
O
ministro Gilmar Mendes acompanhou o voto do relator, mas apontou a necessidade
de se adotar no País uma cláusula de transição, quando se trata de reformas
significativas na legislação. Afirmou que muitas das exigências impostas por
lei dificilmente podem ser atendidas de imediato, gerando polêmicas nos
tribunais. O ministro afirmou ainda que “o Estatuto das Pessoas com Deficiência
efetiva direitos de minorias tão fragilizadas e atingidas não só pela
realidade, mas também pela discriminação e dificuldades com as quais se
deparam”.
Já
o presidente do STF, ministro Ricardo Lewandowski, enfatizou a convicção atual
de que a eficácia dos direitos fundamentais também deve ser assegurada nas
relações privadas, não apenas constituindo uma obrigação do Estado. Afirmou que
o voto do ministro Fachin é mais uma contribuição do Supremo no sentido da
inclusão social e da promoção da igualdade.
Fonte
OAB