O
fornecimento de dados de usuários de serviços de internet equipara-se à
exibição de documentos, portanto eles devem ser preservados pelo prazo cabível
para ajuizamento de ações relacionadas. Com esse entendimento, a Terceira Turma
do Superior Tribunal de Justiça (STJ) estabeleceu que é de três anos o tempo de
guarda dos registros de usuários de provedores de conteúdos.
O
período é contado da data de cancelamento do serviço. Conforme a ministra Nancy
Andrighi, esse tempo se relaciona ao prazo de três anos para prescrição das
ações de reparação civil, previsto no Código Civil (artigo 206, parágrafo 3º,
inciso V).
A
ministra explicou que o Código Civil dispõe que o empresário é obrigado a
guardar documentos relativos à sua atividade enquanto não ocorrer a prescrição
ou decadência relativa aos atos registrados (artigo 1.194). Esse dispositivo
deveria ser aplicado analogicamente ao caso.
Grupo de discussão
O
caso trata de mensagem ofensiva enviada por usuário do serviço Yahoo! Grupos.
Um fórum formado por alunos e professores de uma faculdade foi usado para
postagem de mensagem discriminatória contra um grupo de estudantes de baixa
renda beneficiados por bolsas de estudo.
Preocupada
com a manifestação e considerando necessário se posicionar institucionalmente,
a mantenedora da faculdade ingressou com medida cautelar contra o Yahoo! para
identificação do responsável pela mensagem.
O
Yahoo! respondeu que não haveria obrigação legal de manter os dados, já
excluídos de seus registros pelo cancelamento do serviço. Para o Tribunal de
Justiça de Minas Gerais (TJMG), no entanto, mesmo com a conta cancelada o
provedor teria obrigação de diligenciar junto a terceiros na busca da
identificação do autor.
Natureza jurídica
Conforme
a ministra Nancy Andrighi, os gerenciadores de fóruns de discussão virtual são
espécie de provedores de conteúdo. A responsabilidade, portanto, corresponde às
atividades dessa natureza.
Isto
é, cabe aos gerenciadores de fóruns de discussão virtual a garantia do sigilo,
da segurança e da inviolabilidade dos dados cadastrais dos usuários, além do
funcionamento e manutenção das páginas que contenham os grupos de debate.
Quanto
à identificação dos usuários, a ministra esclareceu que a Terceira Turma já tem
precedentes segundo os quais, no caso de serviços que possibilitam a livre
divulgação de opiniões, é dever do fornecedor propiciar meios de registro dos
usuários, coibindo o anonimato. Caso não o faça, assume os riscos dos danos
causados a terceiros.
Para
a ministra, essa obrigação decorre da vedação ao anonimato (Constituição
Federal, artigo 5º, inciso IV) e do dever de informação e transparência do
fornecedor de serviço (Código de Defesa do Consumidor, artigo 6º, inciso III).
“Ao
oferecer um serviço de provedoria de conteúdo, deve o fornecedor obter e manter
dados mínimos de identificação de seus usuários, com vistas a assegurar a
eventuais prejudicados pela utilização indevida ou abusiva do serviço –
consumidores por equiparação nos termos do artigo 17 do CDC – informações
concretas sobre a autoria do ilícito”, afirmou a ministra.
“Cuida-se
de cautela básica, decorrente da legítima expectativa do consumidor – mesmo
aquele que jamais tenha feito uso do serviço – de que, sendo ofendido por
intermédio de um site, o seu provedor tenha condições de individualizar o
usuário responsável”, completou.
Terra de ninguém
A
relatora destacou ainda que não se trata de buscar burocratização excessiva da
internet. Porém, em seu entender, é necessário encontrar um limite para o
anonimato de seus usuários, promovendo um equilíbrio entre o mundo virtual e o
material, proporcionando segurança às relações estabelecidas pela rede sem
tolher sua informalidade peculiar.
“Por
mais que se queira garantir a liberdade daqueles que navegam na rede,
reconhecendo-se essa condição como indispensável à própria existência e
desenvolvimento da internet, não podemos transformá-la numa ‘terra de ninguém’,
onde, sob o pretexto de não aniquilar as suas virtudes, se acabe por tolerar
sua utilização para a prática dos mais variados abusos”, asseverou a ministra
Nancy Andrighi.
Dados de terceiros
A
ministra contrariou, porém, o TJMG em relação à obrigação do Yahoo! de buscar
junto a terceiros os dados excluídos de sua base. Como a medida cautelar tem
caráter satisfativo – identificar o responsável pelo ato ofensivo – e o Yahoo!
descartou os documentos que deveria ter mantido, a exibição desses dados fica
impossibilitada.
Conforme
a relatora, não se pode exigir da empresa que busque esses dados junto a
terceiros, até porque não dispõe de poder de polícia para forçar a entrega das
informações. Porém, isso não prejudica eventual direito da universidade a
buscar reparação pela conduta omissiva do Yahoo!.
Apesar
de atender parcialmente à pretensão recursal do Yahoo!, a ministra Nancy
Andrighi condenou a empresa a arcar com honorários advocatícios de R$ 5 mil, em
observância ao princípio da causalidade.