A
atuação do advogado moderno não mais se restringe a pareceres teóricos, atuação
reativa ou postura distante dos negócios de seus clientes. Hoje em dia é
necessário que o profissional compreenda com clareza o mundo complexo em que
vive e seu reflexo nos negócios, o que demanda um conhecimento cada vez maior
de cada um dos seus clientes, um verdadeiro mergulho no meio empresarial. Um
exemplo da nova atuação dos advogados nos dias atuais é a condução de contratos
complexos. Espera-se de um profissional hoje que ele seja capaz de enfrentar e
superar as diferentes, possíveis e previsíveis divergências entre as partes,
sejam elas jurídicas ou negociais, pois a finalidade e expectativa maior dos
envolvidos é que o contrato final seja concluído.
Suponha
um cenário em que seu cliente é o fornecedor de uma membrana muito específica
para ser aplicada na cobertura de um dos estádios que seriam construídos para
Copa do Mundo de 2014. O material a ser fornecido tem especificidades únicas e
para sua criação é necessário um rigoroso e complexo processo de fabricação,
que depende sobremaneira de uma cadeia anterior de fornecedores de matérias
primas. Não obstante, após a fabricação, o tempo de vida do produto até sua
aplicação na cobertura do estádio é de apenas 30 (trinta) dias, sob pena de
queda acentuada em sua qualidade por conta de fatores ligados aos insumos que o
constitui, bem como a fatores climáticos. Outra peculiaridade importante é que
o material deve ser armazenado e aplicado apenas por empresas certificadas,
sendo certo que existem poucas habilitadas no mercado mundial.
Por
outro lado, a empresa em questão tem de atender uma programação rígida de
fornecimento do citado material, manter a qualidade em níveis próximos ao 100%
(cem por cento) e entender o contexto a que está inserida (empresa
subcontratada por uma das contratadas da empreiteira responsável pela obra, que
é uma das sócias do empreendimento decorrente de concessão pública), sob pena
de sofrer uma série de penalidades contratuais diretas (oriundas do contrato de
fornecimento), bem como indiretas (decorrentes dos demais contratos existentes
em toda a cadeia que ampara a construção do estádio).
Se
antes, uma realidade como a exposta envolvia tão somente administradores,
economistas e operadores logísticos, hoje em dia a presença de um advogado
preparado e que dialogue com outras áreas de negócios também se tornou
imprescindível. Para tanto, não basta conhecimento técnico-jurídico, que
obviamente é essencial; é preciso também navegar por disciplinas variadas do
mundo jurídico e demais áreas de conhecimento, além de ter postura criativa,
inovadora e flexível. Fator preponderante para superar entraves negociais e
mitigar riscos jurídicos e operacionais será a atuação como negociador em muitos
momentos. O domínio isolado da teoria e da dogmática jurídica, por outro lado,
não mais parece dar conta das demandas contemporâneas. Não basta ao
profissional do direito conhecer suas fontes formais, limitando-se às
proposições hipotéticas do ordenamento jurídico posto. Ele também precisa
conhecer as consequências (psicológicas, econômicas, sociais) e o contexto das
condutas regradas. Nesses âmbitos, os fatos podem se apresentar de forma
desordenada e até caótica.1
Além
disso, como forma de dar conforto jurídico e negocial aos envolvidos, é
essencial que os advogados tenham a cautela de documentar o entendimento em
relação a cada ponto da negociação, seja para simples memória (para evitar que
sejam revisitados pontos já discutidos e assentados), ou para avaliação futura
do comportamento das partes (em vista das respectivas responsabilidades, no
caso de não ser celebrado o contrato definitivo). A elaboração de instrumentos
de confidencialidade, memorando de entendimentos e contratos preliminares podem
servir muito bem, dependendo da situação fática que se apresenta. A sistemática
formalização das tratativas, em especial por meio de instrumentos cada vez mais
robustos de acordo com a evolução do negócio, serve para que as partes tenham
condições mínimas de abrirem as informações com segurança e confidencialidade e
também possam assegurar que o negócio irá se performar no futuro.
Outro
ponto imprescindível que os advogados têm de ter em mente na construção de
contratos complexos, sobretudo para alertar para as partes envolvidas, quando
necessário, é que todo o caminho percorrido desde as tratativas iniciais até a
instrumentalização final do contrato estará revestido e alicerçado nos
princípios da probidade, boa-fé das partes (dever de conduta compatível com os
fins econômicos e sociais pretendidos), segurança jurídica e função social do
contrato. O ponto em questão é de suma importância, pois o legislador
brasileiro, quando da consagração no Código Civil dos citados princípios como
norteadores das relações contratuais, foi sensível e entendeu que a formação de
um contrato é um processo dinâmico em que o comportamento das partes está
estreitamente vinculado às expectativas que as partes têm quanto à sua
conclusão. Entendeu, também, que mencionada expectativa, por outro lado, não é
e não pode ser meramente subjetiva, mas deve ser avaliada, no caso concreto, a
partir do comportamento havido pelas partes durante a negociação e também pelas
práticas médias adotadas no mercado em questão, buscando assim evitar comportamentos
oportunistas.
O
advogado moderno, portanto, não deixou para trás as qualidades já existentes
outrora, como notável saber jurídico, reputação ilibada e zelo com os assuntos
de seus clientes. O que ocorre hoje é que as relações negociais alicerçadas por
uma gama de contratos complexos estão presentes no mundo jurídico em escala
exponencial, o que exige dos profissionais três pré-requisitos mínimos: 1 -
conhecimento técnico-jurídico para enfrentar e superar os entraves dessa
natureza e avaliar riscos; 2 - visão “para fora” (conhecimentos que vão além
dos limites do mundo estritamente jurídico); 3 - visão “para dentro”
(conhecimentos detalhados do nicho de negócio do cliente, como se do negócio
participasse como sócio).
O
profissional denominado advogado é hoje um solucionador de problemas e um
realizador de negócios.
1 Mario Engler Pinto Junior, Pesquisa Jurídica no
Mestrado Profissional (2015), texto em elaboração.
Por
Bruno Yohan Souza
Fonte
Consultor Jurídico