O
contrato de aluguel de cofre bancário deve ser tratado como contrato de locação
de serviços. Assim, o banco que não cumpre com a vigilância e a fiscalização
devidas pode ser responsabilizado, não podendo se esquivar com base em cláusula
que limite a responsabilidade da instituição — o que representa desvantagem
excessiva do consumidor. Com base neste entendimento, a 14ª Câmara de Direito
Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo deu parcial provimento à Apelação
movida por três clientes de uma mesma família contra o banco Itaú. A decisão
prevê o pagamento de R$ 650 mil por danos materiais e R$ 100 mil danos morais
ao trio, com o valor sendo dividido de forma proporcional ao prejuízo sofrido por cada um.
A
família, que guardava bens pessoais em um cofre da agência na Avenida Paulista,
teve os itens roubados durante o assalto em agosto de 2011 e foi à Justiça após
o Itaú afirmar que pagaria apenas R$ 15 mil, valor padrão de garantia. Em
primeira instância, o pedido de indenização foi julgado improcedente, motivando
a Apelação ao TJ-SP. Os proprietários do cofre afirmam que as joias mantidas no
local foram transferidas de geração em geração e muitas são presentes dados em
ocasiões especiais. O cofre foi escolhido há décadas para guardar os itens, com
os contratos sendo renovados periodicamente. A última assinatura, de acordo com
a família, data de 1991, 20 anos antes do roubo e quando o país possuía outra
moeda.
O
depósito unilateral de R$ 15 mil foi rejeitado porque, de acordo com a família,
o montante é inferior ao valor unitário de algumas das joias guardadas no
local. A Apelação também fala em responsabilidade objetiva do Itaú, uma vez que
funcionários da empresa estariam envolvidos no crime, e critica a postura do
banco, que “nunca permitiu que seus clientes declarassem ou demonstrassem os
bens depositados nos cofres”. Isso impediu a descrição material de todos os
bens que estavam no cofre. A família apontou ainda que o fato de o contrato
vigente ter sido firmado em outra moeda impede “ao homem médio aferi-lo
prontamente, bem como, que é necessária a interpretação das cláusulas da
maneira mais favorável ao consumidor”.
Em
sua argumentação, o Itaú apontou que houve boa-fé em todos os atos relacionados
ao interesse público e de seus clientes durante a investigação. De acordo com o
banco, “não houve participação de qualquer funcionário de seu quadro de pessoal
na conduta criminosa”. Outro aspecto levantado foi a existência de uma cláusula
que previa a possibilidade de guarda de bens avaliados em até R$ 15 mil no
cofre, sendo necessária a contratação de seguro para bens acima deste valor. A
defesa do Itaú afirmou que “o dano apontado não teria ocorrido caso os
apelantes tivessem cumprido as cláusulas avençadas” e questionou a falta de
demonstração verossímil do dano moral que tal fato causou nos autores.
Tese
Relator
do caso, o desembargador Carlos Henrique Abrão afirmou que houve falha do banco
na prestação do serviço, o que justifica a necessidade de indenização. Para
ele, houve “culpa in eligendo, em relação ao serviço terceirizado de
segurança”. Segundo o relator, como a culpa do prestador de serviços é grave,
não deve ter validade a cláusula que limita a garantia a R$ 15 mil, já que, de
acordo com o artigo 51 do Código de Defesa do Consumidor, são nulas as
cláusulas de contratos que exonerem ou atenuem a culpa do prestador por vícios
de qualquer natureza.
Abrão
informou que o aluguel de cofres é feito apenas para clientes com bom
relacionamento e alto poder aquisitivo, o que torna sem sentido o pagamento de
R$ 820 de aluguel por semestre para guardar bens com valor máximo de R$ 15 mil.
Para ele, tal cláusula “restringe direito fundamental inerente à natureza do
contrato”, e seu conteúdo é ilegal. O contrato de aluguel, na visão do
desembargador, deve ser visto como um modelo diferente, voltado a público
seleto, e não como um acordo massificado, com cláusulas fechadas e ortodoxas.
Ele
lembrou que o banco não tomou qualquer providência para minimizar os riscos de
uma ação semelhante, mesmo sabendo que a agência passava por obras, deixando de
avisar quem alugava as caixas sobre o evento, permitindo eventual retirada.
Também foi feita uma relação entre a situação dos clientes e dos bandidos. Para
Abrão, é “interessante se constatar que o cidadão de bem, que tenta ingressar
em uma agência bancária, deve se submeter à sorte de uma porta giratória,
enquanto uma quadrilha especializada pode entrar pela porta da frente, e também
sair por ela, sem qualquer risco ou frustração, ciente de que o crime
compensa”.
O
relator classificou como "cláusula leonina” a restrição a R$ 15 mil do
valor pago a clientes após o roubo de “todo o valor de uma vida”. Na visão
dele, o Itaú não cumpriu seu papel duas vezes, pois não conseguiu proteger seus
clientes e permitiu a revelação dos bens guardados dentro dos cofres. O
conjunto de erros na vigilância e fiscalização, continuou, trouxe um prejuízo
incalculável para os consumidores. Por entender que a culpa do banco descarta a
limitação de responsabilidade, ele também refutou a tese de que caberia aos
clientes contratar um seguro para os itens.
Em
relação à quantidade e valor dos bens que foram guardados no cofre, Abrão
afirmou que o banco preferiu que estes não fossem identificados, o que é comum
em situações de total confiança, impedindo que se fale em inexistência dos
bens. Ele citou o fato de os três autores possuírem grande patrimônio, como
comprova a análise do Imposto de Renda, e disse que “devem ser aceitos os bens
indicados na inicial, cumprindo ao juízo, a formação do seu livre
convencimento”.
O
prejuízo citado pelas vítimas do roubo, de acordo com o relator, foi de R$ 2
milhões, mas é impossível verificar se tal valor é exato, até porque o contrato
é de 1991, e seria necessária sua atualização. Tomando como base o entendimento
de que as joias estavam no cofre, o próprio juízo, a variação do preço do ouro
e o fato de o prejuízo das partes ser diferente, ele determinou pagamentos de
R$ 350 mil, R$ 170 mil e R$ 130 mil a título de danos materiais. Adotando a
mesma lógica, Abrão dividiu a indenização por danos morais em R$ 50 mil à
primeira vítima, R$ 30 mil à segunda e R$ 20 mil à terceira.
Com
informações da Assessoria de Imprensa do TJ-SP.
Para
ler a decisão: http://s.conjur.com.br/dl/tj-sp-condena-itau-indenizar-locatarios.pdf
Por Gabriel Mandel
Fonte
Consultor Jurídico