A
Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) considerou possível que a
impenhorabilidade do bem de família atinja simultaneamente dois imóveis do
devedor – aquele onde ele mora com sua esposa e outro no qual vivem as filhas,
nascidas de relação extraconjugal.
O
recurso julgado foi interposto pelo Ministério Público de Minas Gerais contra
decisão do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), que, por maioria,
decidiu que a garantia legal da impenhorabilidade só poderia recair sobre um
único imóvel, onde o devedor residisse com sua família.
Dois imóveis
No
caso, o devedor, ao ser intimado da penhora, alegou que o imóvel em que vivia
era bem de família e indicou, em substituição, um segundo imóvel. Após a
substituição do bem penhorado, o devedor alegou que este também era
impenhorável por se tratar igualmente de bem de família. Disse que neste
segundo imóvel residiam suas duas filhas e a mãe delas.
Como
a Justiça não reconheceu a condição de bem de família do segundo imóvel, a mãe,
representando as filhas, ofereceu embargos de terceiros para desconstituir a
penhora incidente sobre o imóvel em que residiam. Dessa vez, a pretensão teve
êxito, e a penhora foi afastada na primeira instância, mas o TJMG reformou a
decisão.
Por
maioria de votos, o TJMG decidiu que a relação concubinária do devedor não
poderia ser considerada entidade familiar, nos termos da legislação em vigor.
Direito à moradia
A
Terceira Turma do STJ reformou esse entendimento, considerando que a
impenhorabilidade do bem de família visa resguardar não somente o casal, mas o
sentido amplo de entidade familiar. Assim, no caso de separação dos membros da
família, como na hipótese, a entidade familiar, para efeitos de
impenhorabilidade de bem, não se extingue, ao revés, surge em duplicidade: uma
composta pelos cônjuges, e outra composta pelas filhas de um deles.
O
relator do recurso, ministro Villas Bôas Cueva, disse que o reconhecimento da
união estável como entidade familiar pela Constituição trouxe “importante
distinção entre relações livres e relações adulterinas”, mas essa distinção não
interfere na solução do caso analisado, pois o que está em questão é a
impenhorabilidade do imóvel onde as filhas residem. Afinal, lembrou o ministro,
a Constituição estabelece que os filhos, nascidos dentro ou fora do casamento,
assim como os adotados, têm os mesmos direitos.
Segundo
o relator, a jurisprudência do STJ vem há tempos entendendo que a
impenhorabilidade prevista na Lei 8.009 não se destina a proteger a família em
sentido estrito, mas, sim, a resguardar o direito fundamental à moradia, com
base no princípio da dignidade da pessoa humana.
Famílias diversas
“Firme
em tal pensamento, esta Corte passou a abrigar também o imóvel de viúva sem
filhos, de irmãos solteiros e até de pessoas separadas judicialmente,
permitindo, neste caso, a pluralidade de bens protegidos pela Lei 8.009”,
afirmou o relator. Para ele, “o conceito de entidade familiar deve ser
entendido à luz das alterações sociais que atingiram o direito de família.
Somente assim é que poderá haver sentido real na aplicação da Lei 8.009”.
Isso
porque, explicou Villas Bôas Cueva, o intuito da norma não é proteger o devedor
contra suas dívidas, tornando seus bens impenhoráveis, mas garantir a proteção
da entidade familiar no seu conceito mais amplo.
Fonte
Âmbito Jurídico