Páginas da web abrem canal para devedores entrarem em
contato com credores e limparem seu nome; serviço, porém, é controverso
Para especialista em defesa do consumidor, entrar em
contato direto com o credor é mais vantajoso para devedor
Devedores
que desejam renegociar e pagar suas dívidas podem ter dificuldade de conseguir
sentar com o credor para conversar. Mas já existem sites no mercado que
facilitam esse contato, servindo como intermediários da renegociação entre
devedores e credores. A diferença em relação às empresas de cobrança, porém, é
que nesse novo modelo são os devedores que entram em contato.
A
consultoria de crédito Serasa Experian, mantenedora de um dos maiores cadastros
de inadimplentes do país, lançou em seu site o serviço “Limpa Nome”, em outubro
do ano passado. O inadimplente que recebe uma carta com aviso de negativação de
CPF, o popular “nome sujo”, pode entrar no site da Serasa Experian, na sessão
dedicada aos consumidores, e acessar sua dívida e as condições oferecidas pela
empresa credora para renegociação.
A
empresa oferece opções de pagamento e fica a cargo devedor decidir se aceita
alguma delas ou não. Aceita a proposta, basta imprimir o boleto e pagar
diretamente à empresa. Caso contrário, é possível entrar em contato com o
credor e renegociar, por meio dos canais de relacionamento disponíveis no site.
Sites recebem o contato de qualquer devedor
Outra
alternativa que chegou ao mercado em novembro do ano passado é o Quitei.com, fruto
da parceria de cinco sócios do Rio de Janeiro. Neste site, os devedores
dispostos a pagar suas dívidas se cadastram, recebem a proposta do credor e
avaliam se a aceitam ou não. “Nem sempre as pessoas sabem que foi o Quitei que
intermediou o processo. Nós fazemos o encaminhamento e as empresas credoras
entram em contato com o usuário”, explica Charles Duek, CEO do Quitei.
Foi
assim que a funcionária pública Alessandra Moraes, de 39 anos, conseguiu
renegociar uma dívida de 12 mil reais no cartão de crédito. Quando seu pai teve
um AVC, o cartão que estava no nome dele foi acumulando os custos com hospital,
medicamentos e os gastos do dia a dia. “Como os juros são muito altos, virou
uma bola de neve”, explica Alessandra. Ela se cadastrou no Quitei e recebeu uma
carta da empresa emissora do cartão, oferecendo a proposta de pagamento de 24
parcelas de 379 reais, totalizando 9.096 reais.
“Na
carta já veio um primeiro boleto. Como a parcela cabia no orçamento, achamos
razoável. Mas se fosse um valor mais alto, eu não teria aceitado”, diz
Alessandra, que já está na terceira prestação. O primeiro balanço do Quitei
mostra que 89% dos usuários cadastrados já conseguiram renegociar sua dívida.
Atualmente, o Quitei registra 9.520 débitos de 5.860 usuários cadastrados, uma
média de 1,62 dívidas por usuário.
Para
se cadastrar, o usuário precisa informar dados como CPF, e-mail, endereço e
telefone, além do tipo de dívida e da empresa credora. É preciso, porém, estar
de acordo que esses dados serão repassados para a empresa credora. Ou seja, é
fundamental que, antes de fazer o contato, o devedor já tenha feito uma revisão
no orçamento e determinado sua capacidade de pagamento, a fim de armas para
negociar.
Se
o credor for uma das oito empresas parceiras do Quitei, a empresa enviará uma
proposta somente por e-mail, podendo inclusive já enviar o primeiro boleto.
Caso o credor não seja um parceiro, a equipe do Quitei se propõe a correr
atrás, mas aí o contato pode ser feito por carta ou telefone.
No
entanto, o site apenas faz a intermediação. A negociação e o pagamento são
feitos diretamente com a empresa credora. De acordo com os “Termos de Uso” do
site, “a empresa QUITEI não fará qualquer cobrança do USUÁRIO PROPONENTE pela
negociação do débito junto à empresa credora” e “o pagamento do débito do
USUÁRIO PROPONENTE será feito exclusivamente por meio de boleto bancário, no
qual sempre o cessionário será a empresa credora e o cedente o USUÁRIO
PROPONENTE, em hipótese alguma a empresa QUITEI figurará como cessionária ou
cedente”.
Embora
Charles Duek seja também sócio de uma empresa de cobrança, a Lyvey, a empresa
garante que os bancos de dados do Quitei e da empresa de recuperação de
créditos não conversam. Sobre privacidade dos dados, segundo os “Termos de Uso”,
“em nenhuma hipótese serão permitidas a cessão, venda, aluguel ou outra forma
de transferência de cadastro” e “o QUITEI tomará todas as medidas possíveis
para manter a confidencialidade e a segurança descritas nesta cláusula”. O site
também disponibiliza o e-mail juridico@quitei.com
para quem ainda tiver dúvidas sobre a proteção de dados pessoais.
Outro
site nesses moldes é o Acordo Certo, lançado em 2011. O cadastro também é
gratuito e requer o fornecimento de dados como CPF, telefone, endereço, e-mail,
valor da dívida, tipo de dívida e credor. Mas de acordo com o idealizador do
site, Edgard Melo, os dados não são repassados nem mesmo às empresas credoras,
que só recebem o CPF e o nome do devedor quando a proposta é encaminhada. “A
ideia não é massacrar ninguém com ligações de cobrança”, explica.
O
Acordo Certo é controlado pela empresa de cobrança RBrasil Soluções. O site
mesmo só tem parcerias com dois grandes bancos, diz Edgard Melo. Mas é possível
também tentar renegociar dívidas com outras empresas, desde que elas sejam
clientes da RBrasil Soluções. Assim, a equipe do site verifica se o CPF
cadastrado consta na base de dados da RBrasil, e trava o contato com o credor
por meio da empresa de cobrança.
Outra
diferença é que o contato do Acordo Certo é feito por telefone, e não por
e-mail. Quando o credor aceita a proposta ou faz uma contraproposta, a equipe
do Acordo Certo telefona para o devedor, verifica se ele aceita a proposta e,
em seguida, envia o boleto por e-mail. De acordo com os termos de uso do site,
“o pagamento do débito do USUÁRIO PROPONENTE será feito exclusivamente por
boleto bancário, no qual sempre o cessionário será a empresa credora e o
cedente o USUÁRIO PROPONENTE, em hipótese alguma a empresa ACORDOCERTO figurará
como cessionária ou cedente”.
O
termo também atesta que “em nenhuma hipótese serão permitidas a cessão, venda,
aluguel ou outra forma de transferência do cadastro” e que o ACORDOCERTO tomará
todas as medidas possíveis para manter a confidencialidade e a segurança
descritas nesta cláusula”, deixando à disposição o e-mail juridico@acordocerto.com.br para
a resposta de dúvidas acerca da proteção de dados pessoais.
A
gerente administrativa Priscila Braga foi uma das pessoas que conseguiu
renegociar sua dívida pelo Acordo Certo. Ela tinha uma dívida no cartão de
crédito, contraída em função das despesas decorrentes da doença de sua mãe.
Após o cadastro, o Acordo Certo telefonou para ela e passou a proposta do
emissor do cartão: 586,98 reais à vista ou três parcelas de 224,82 reais. “A
dívida era mais ou menos essa mesmo, mas tinha juros. Eles tiraram a maior
parte dos juros e eu paguei o valor real da dívida”, diz Priscila, que recebeu
os boletos por e-mail e já quitou o débito.
Serviço é controverso
Maria
Inês Dolci, coordenadora do Proteste, associação de defesa do consumidor,
acredita que a renegociação de dívidas deveria ser feita diretamente entre
devedor e credor, ou no máximo com a intermediação de órgãos de defesa do
consumidor e do poder Judiciário. Ela admite que poder renegociar pela internet
é uma facilidade e que muitas vezes é difícil entrar em contato com as empresas
credoras, mas crê que esse canal deveria ser facilitado pelas próprias
empresas.
“Há
mutirões de renegociação de dívidas, em que o consumidor pode resolver o
problema ali na hora. O problema é que muitas pessoas têm mais de uma dívida,
não têm poder de negociação e não têm como pagar”, diz Maria Inês. Ela lembra
que a maior parte dos endividados tem duas ou três dívidas, e que ninguém deve
se cadastrar em um site de renegociação de dívidas sem ter verdadeira folga no
orçamento, ou seja, alguma capacidade de pagamento.
Ela
ainda acredita que, embora esses sites sejam gratuitos para o devedor, há um
custo indireto embutido, uma vez que eles ganham comissões das empresas
credoras quando os acordos são fechados. Para ela, a negociação direta pode
incorrer em um desconto maior da dívida, uma vez que o credor não tem o custo
de pagar um intermediário. Uma pesquisa maior também poderia permitir a troca
de uma dívida cara por uma mais barata. “É uma forma de facilitar, mas não
recomendo que a renegociação seja feita desta forma”, diz Maria Inês.
O
advogado especializado em direito eletrônico Alexandre Atheniense lembra que é
preciso cuidado ao se cadastrar em sites como esses. “É muito importante que o
consumidor esteja atento às regras contidas no Termo de Serviço e na Política
de Privacidade dos sites, que devem estar disponíveis para acesso público. Caso
ocorra algum tipo de violação, com descumprimento das regras, isso pode ser
usado em favor do devedor”, explica.
Ele
alerta ainda para que o consumidor nunca ceda informações pessoais que vão além
da necessidade do negócio que está sendo realizado. “Verifique como a
informação é tratada e como é preservada”, aconselha Atheniense. Ele explica
ainda que o uso dos dados do usuário para atividades que não sejam o objetivo
final do cadastramento pode ser questionado na Justiça e nos órgãos de defesa
do consumidor, ainda que a situação não esteja especificada no Termo de Serviço
e na Política de Privacidade. Isso ocorre porque, segundo Atheniense, uma
relação de confiança foi construída entre o prestador do serviço e o usuário,
que acreditou que seus dados seriam utilizados apenas para o objetivo
explicitado.
Por
Julia Wiltgen
Fonte
Exame.com