Como de resto em quase tudo que envolve
educação no Brasil, quantidade e qualidade estão gravemente comprometidas: já são
quase 5 mil vagas abertas e não preenchidas por falta de qualificação dos
candidatos. Estamos nos referindo aos tribunais do país, asfixiados por
milhares de processos concentrados na alçada de uma quantidade insuficiente de
juízes e servidores —atualmente a vagância já chega a 4.341 cargos no Judiciário.
Insolitamente, as estatísticas que
demonstram este descompasso se agregam àquelas tradicionais responsáveis pelas
mazelas do nosso Judiciário. O déficit de profissionais na magistratura tem
sido creditado à exigência elevada nos processos seletivos, à preparação de
baixa qualidade dos cursos jurídicos no país ou a um misto de ambas. Creio que
a segunda hipótese é mais pertinente, considerando-se que os cursos de graduação
no país apenas espelham o que sucede com a educação básica em termos
qualitativos.
Em sendo extensões de uma base escolar
desprivilegiada e caduca, aos cursos jurídicos também tem sido aplicadas
medidas compensatórias das deficiências mediante programas governamentais
duvidosos centrados no financiamento e no sistema de cotas que minam o mérito e
a construção durável e íntegra do saber.
Lamentavelmente, um grande número de
universidades privadas que privilegiam a lucratividade imediata sobre a
qualidade do ensino e a excelência concretizada a longo prazo têm “formado” inescrupulosamente
um contingente de bacharéis em Direito despreparados que, ao não superarem suas
carências educacionais, terminam por amoldar-se a um mercado de trabalho
aviltante. Ao superarem os obstáculos formais, a atuação se segmenta numa
diversidade de profissões, podendo dar-se como membro da Magistratura, das Polícias,
da Defensoria ou do Ministério Público, caso os pretendentes passem nos
concursos respectivos. Quanto ao conhecimento técnico para o exercício da
advocacia, só a aferição mediante o Exame de Ordem qualifica formalmente o
advogado para o exercício do seu mister.
Em muitos casos, a advocacia é mera profissão
de passagem antes do ingresso nas carreiras jurídicas públicas, objetivo
perseguido pela maioria dos formandos. Enquanto estas carreiras promovem
treinamentos e cursos de formação mediante suas dispendiosas escolas, o exercício
da advocacia fica na dependência da aprovação no Exame de Ordem, a qual não
contempla ou é sucedida por um treinamento específico a substanciar a habilitação
necessária à carreira. Se a aprovação no Exame de Ordem não é garantia do
preparo do advogado, ao menos é espécie de filtro para minimizar os efeitos
danosos da má formação universitária, agravados pela proliferação desmedida dos
cursos jurídicos no país.
Em 10 anos foram criados mais de 900
faculdades de Direito, de modo que atualmente existem cerca de 1.259 cursos de
Direito em funcionamento, muitos dotados de índole mercadológica e com currículos
que supervalorizam o direito posto e condições que desvalorizam a carreira
docente. A ampliação sem freios do acesso ao ensino de Direito tem sido tratada
como uma das maiores causas da formação de má qualidade. Para compensar a
gravidade de tal situação, paralelamente constata-se a proliferação de uma
igualmente rentável indústria de cursinhos preparatórios de concursos para o
ingresso nas carreiras jurídicas e aprovação no Exame de Ordem. A flexibilidade
no acesso às universidades, especialmente as privadas, tem convertido o alunado
em clientela, dissociado o conhecimento acadêmico da formação humanística e
desestimulado o pensamento crítico.
O presidente do Conselho Federal da OAB,
Marcos Vinícius Furtado Coelho, apesar de haver declarado que o Conselho
Federal fornece um parecer de autorização de funcionamento e, cinco anos
depois, outro, para o reconhecimento do curso jurídico, afirmou que tais
pareceres não vinculam a decisão do MEC. Ainda assim, neste mês, proporá ao MEC
tanto o congelamento de novas vagas em cursos de Direito já existentes, quanto
o de novos cursos, afora a criação de um grupo de trabalho para verificar quais
cursos têm condições de continuar em funcionamento.
Trata-se de elogiável passo no enfrentamento
de um gravíssimo problema que tanto envolve o futuro da advocacia, quanto o do
ingresso deficitário nas carreiras jurídicas públicas. A estruturação e a eficiência
das profissões essenciais à Justiça são elementos de extrema importância para a
sociedade, refletindo-se na composição e na qualificação das nossas instituições
republicanas. O conhecimento sólido e a conscientização crítica dos indivíduos
adquirem valor não apenas no estabelecimento de vínculos com as necessidades
sociais e culturais, mas com as aspirações e ideais de um povo.
Por Erick Wilson Pereira
Fonte Consultor Jurídico