I - Estude com mente
aberta: estude sempre e muito
O seu esforço do concurso e o da faculdade são
apenas iniciais. Tanto doutrina quanto a jurisprudência demandarão sua atenção.
Especialmente a primeira, que lhe deve, com o tempo, dar maturidade intelectual
e liberdade de pensamento no Direito, livrando-te do engessamento da segunda. Não
leia apenas sobre Direito. Isso te empobrecerá o conhecimento e o espírito. Veja
bons filmes, históricos e políticos, sobretudo. Amplie sua visão da humanidade.
Leia com certa imersão algo de história, filosofia, sociologia, psicologia, etc.
Desenvolva a capacidade de se apaixonar pela aquisição de saberes. E estude com
cuidado os autos, e as razões dos advogados especialmente, pois sem eles estarás
sozinho na caminhada de fazer justiça. Não leia somente a contestação; dê atenta
atenção às alegações finais e a tudo quanto produzido. Ou seja, leia com atenção
o que os advogados produziram e demonstre isso com cuidado em seus escritos. Não
se iluda ao achar que, porque são pagos por fontes privadas, serão menos confiáveis
do que o Promotor de Justiça. O que distingue um homem é o seu caráter, não o
posto que ocupa ou a fonte pública ou privada de suas rendas. Reflita sobre o
mito equívoco, reproduzido como um mantra, sem a menor reflexão: “o juiz não
está obrigado a decidir sobre todos os pontos levantados pelas partes”.
II - Sirva com espírito
republicano: você ocupa um dos postos mais importantes da República, o de juiz
Querendo ou não, decide destinos, vidas, as
tristezas e alegrias de muita gente. Mas é servidor público. És pago para
servir, com independência e austeridade. Mas isso não é incompatível com a
humildade, com o respeito ao outro, com a noção de que o teu dever de
urbanidade, quando cumprido, alimenta o desejo de civilidade de todos os demais.
Um juiz arrogante ou prepotente atinge negativamente a imagem que o público tem
da magistratura e atrapalha o processo de distribuição da justiça. Inibe a atuação
dos inexperientes advogados e estressa os mais velhos, fazendo com que tudo
seja mais difícil e custoso no foro. Trate bem a todos, principalmente os
humildes cidadãos e os inexperientes advogados, e aqueles com quem tratas dia-a-dia
no foro: o servidor da justiça.
III - Dispa-se de
preconceitos: todos temos preconceitos
O mais importante não é não tê-los, mas como
lidamos com eles e como isso afeta nossos afazeres. Imparcial e nobre é o juiz
que, tendo experiências anteriores negativas ou pré-concepções sobre
determinado assunto ou pessoas, ao julgá-los se atém à lei e às provas dos
autos, tratando todos com igualdade e respeito. Imparcial e nobre aquele que
procura policiar sempre seus sentimentos e tendências que podem comprometer a
imparcialidade de seus julgamentos, não esquecendo que neutralidade é uma
coisa, imparcialidade, outra.
IV - Valorize a
legalidade e a separação de poderes
Vivemos tempos para se comemorar conquistas
democráticas e se refletir como estamos tratando essas mesmas conquistas. Há uma
tendência crescente, no meio jurídico, alimentada nas faculdades de direito, e
em alguns setores da magistratura, “de se atribuir” à democracia representativa
déficits democráticos. Em face disso se empregam hermenêuticas e posturas
interpretativas que depreciam autoridades ligadas aos outros poderes, fazendo o
judiciário órgão “disciplinar” dos demais. E às vezes mesmo legislador “ultra
vires”. E se cultiva a ideia, frágil e periclitante, de que o Judiciário é o
lugar para o melhor atendimento dos anseios populares, e não mais os
parlamentos ou administração pública, atribuindo a si mesmo o protagonismo na
distribuição e realização de políticas públicas. O ponto merece grande reflexão.
Cada um dos poderes tem o seu papel. Releituras das leis pelo judiciário não se
podem dar por que não atendem o “anseio de justiça do juiz”. Se o juiz
desaplicar a lei só o poderá fazer com base em inconstitucionalidade patente da
norma, mas não por que desaprova o querer do legislador. Cuidado, neste norte,
com o manejo irracional e ametódico da teoria dos princípios, em uso excessivo
da chamada proporcionalidade, dignidade da pessoa humana e outras normas para
se chegar a quaisquer decisões que desatendam regras legais ou mesmo
constitucionais ao argumento de se fazer cumprir princípios. Esses não podem
instituir insegurança jurídica e o magistrado não pode ser o cavaleiro desta.
V - Seja “juiz juiz”,
não “juiz delegado” ou “juiz promotor”
Há magistrado que, pelo preconceito contra
os demais atores processuais, por receio da opinião pública, por não querer se
indispor com o “colega promotor”, ou por puro comodismo de não querer pensar
com suas próprias forças, acaba sempre deferindo, homologando ou, apenas por
citação “per relationem”, concordando com o que diz a acusação (criminal, cível
ou eleitoral), não dando a mínima para o que produziu o lado oposto ao MP. Em
audiência, deferem todos os pedidos do “parquet”, rechaçando, prontamente,
manifestações da defesa. Ao indagar as partes e as testemunhas, agem como
delegados raivosos, ou promotores obstinados, demonstrando uma inclinação
acusatória completamente inadequada para o posto que ocupa e para o concurso a
que prestou. Reflita sobre isso e fuja dessas tendências que maculam a independência
da magistratura e as exigências de imparcialidade e austeridade que a sociedade
esclarecida em geral espera dos juízes. Haja sempre com igualdade de tratamento
a todos os atores processuais. Seja sim um homem inclinado a defender a
Constituição e seu Sistema de Garantias, assim como a independência da
magistratura diante de todos os poderes e das próprias inclinações acusatórias
de nossos espíritos. Ouça a todos com igual atenção e cuidado, não esquecendo
que o processo é um cadinho de paixões, que a muitos cega – e desta cegueira
ninguém está livre de a experimentar, mesmo o magistrado. Não se deixe levar “pelo
politicamente correto”, “pelo moralmente apreciável”, quando esses se
contrapuserem ao “juridicamente adequado” e ao “constitucionalmente sustentável”.
Fuja dos moralismos jurídicos em geral – eles ressuscitam Robespierre e a era
do terror.
VI - Não receie a
opinião pública, decida com a sua consciência
Tristes são os homens que, para decidir,
esquecem de princípios ou regras, apenas seguindo o curso da cambiante e
irrefletida opinião pública, às vezes guiada por uma mídia sensacionalista e
irresponsável. Se isso é triste para qualquer homem, o que haveremos de dizer
para o magistrado que assim porta-se em seu ofício público. Os predicados de
inamovibilidade, vitaliciedade e irredutibilidade de vencimentos são justamente
o que distingue a movibilidade, transitoriedade dos mandatos populares, que
precisam da homologação constante da opinião pública para que parlamentares e
chefes de executivo sigam seus cursos de vida institucional. Decida tendo em
conta padrões de legalidade e de devido processo legal, e não por razões de
conveniência e oportunidade, próprios e adequados à cena política em geral. Nunca
esqueça que fazer cumprir a lei não é algo simpático e nunca agradará a todos. Sua
função não é a de agradar, cativar e captar índices elevados de ibope. Sua função
é de decidir segundo critérios pré-estabelecidos pelo direito, segundo dados
objetivos que podem ser extraídos do universo das provas e do processo – universo
nem sempre certo, mas que, todavia, não pode ter sua incerteza ampliada pela
falta de independência do juiz.
VII - Trate bem aos
advogados, como gostaria de ser tratado se advogado fosses
Nunca esqueça que o advogado é seu
companheiro de lutas no campo de batalha pela justiça, assim como o promotor o é,
e os demais operadores do direito com função processual (servidores, membros da
polícia judiciária, peritos etc.). Ele tem o dever de parcialidade e tu o de
imparcialidade. Esses deveres não são contrapostos. O primeiro ajuda a
sustentar a tua imparcialidade, já que assim como o MP, as partes defendem uma “parcela”
do mosaico da verdade, que deverás procurar com seriedade e desvelo no cadinho
do processo. Quanto mais jovem e inexperiente o advogado, especialmente à medida
que fores ficando maduro, trate-o com consideração. Ele se inicia na caminhada
do direito contigo. Elogie, com sinceridade, um trabalho por ele feito,
verbalmente ou por escrito. Se quiser criticá-lo, o faça com discrição. Se por
escrito, com elegância. Se ele te faltar à urbanidade, seja com ele enérgico,
mas não grosseiro ou autoritário. Não pessoalize o discurso no processo; não faça
da audiência um ringue de disputas; e se assim ela se tornar, seja o juiz da
luta, não o outro combatente. Prestigie sempre a todos nos atos processuais. Olhe
nos olhos dos advogados. Dê-lhes atenção. Ao fixar honorários, não pense no que
ganhas ou no que ganharás até o final de sua carreira. Pense que são profissões
distintas, com dificuldades distintas, e que a escolha do serviço público tem
seus ônus e bônus, e não queira ficar distribuindo ônus sem fundamento e nem
negar injustamente devidos bônus aquém os mereça por lei e por direito.
Por Ruy Samuel Espíndola
Fonte Consultor Jurídico