quinta-feira, 27 de outubro de 2016

SOLUÇÃO PARA CYBERBULLYING NÃO É RESTRITA À ESCOLA


Muitos imaginam que violência signifique unicamente agressão física contra outras pessoas, ou seja, que violência seja sinônimo de infligir uma dor corporal contra as vítimas, como por exemplo, decorrente de um tapa, um empurrão, um soco ou uma facada.
O que as pessoas geralmente não levam em consideração é que existem modalidades de violência que podem ser produzidas de forma diferente. Um exemplo é a agressão moral e mais recentemente esse tipo de ofensa praticada por instrumentos eletrônicos (ou cibernéticos).
As ofensas praticadas por meios eletrônicos se assemelham com as outras modalidades e seus efeitos podem ser irrecuperáveis e perdurar por toda a vida da vítima.

Bullying e Cyberbullying
Independente do tipo de agressão, quando se torna reiterada, a vítima pode estar diante do bullying, uma palavra originada da língua inglesa, que significa valentão e que se caracteriza pela prática de agressões físicas ou psicológicas de forma habitual, traumática e prejudicial contra as vítimas.
Mais recentemente surgiu o cyberbullying que consiste no mesmo tipo de agressão, porém praticada de forma eletrônica (ou cibernética), ou seja, por intermédio de computadores. Esse tipo de ofensa pode ser praticada das mais variadas formas e tem uma característica que é a rápida disseminação pela rede, ou seja, em pouco tempo é disponibilizada em uma infinidade de sites e blogs. Dificilmente a vítima consegue extirpar a informação de todos os locais aonde se encontra.
Dentre os recursos que podem ser utilizados pelos autores de cyberbullying temos o envio de e-mails ofensivos para a vítima ou conhecidos dela, envio de mensagens SMS para celulares, postagem de vídeos, publicação de ofensas em sites, blogs, redes sociais, fóruns de discussão, mensageiros instantâneos, hotéis virtuais (haboo) etc.
O cyberbullying, de forma semelhante ao bullying, é muito frequente no ambiente escolar, entre jovens, porém pode ser praticado também no ambiente corporativo, no seio familiar, entre vizinhos, amigos ou em outros ambientes.
Em nosso dia-a-dia temos visto o cyberbullying ser praticado pelos mais variados motivos, desde diferenças entre características físicas das pessoas, como por exemplo, um indivíduo que usa óculos, que é obeso, que tem alguma deformidade física ou em relação a outras características, como nos casos em que um jovem se destaca muito intelectualmente ou que possui uma religião, etnia ou preferência sexual diferente da maioria.
Esse tipo de problema tem proporcionado diversas consequências, como traumas, baixo desempenho escolar, depressão, sentimento de inferioridade, dificuldade nos relacionamentos e outros malefícios.

Cyberbullying e crimes cibernéticos
Cabe ainda destacar que alguns casos de cyberbullying rompem os limites da licitude, pois se enquadram em previsões penais. Surgem nestes casos os crimes cibernéticos, que se caracterizam pela prática de crimes fazendo uso de recursos tecnológicos, especialmente computadores. Neste tipo de situação também é deflagrada a atuação dos órgãos de persecução penal e na sua primeira fase pode atuar a Polícia Civil ou a Polícia Federal que possuem a função de apurar infrações penais, conforme consta no artigo 144 da Constituição Federal.

Os principais exemplos de cyberbullying considerado criminoso:
1. Calúnia: afirmar que a vítima praticou algum fato criminoso. Um exemplo comum é o caso de mensagens deixadas no perfil de um usuário do Orkut ou outro site de relacionamento que imputa a ele a prática de determinado crime, como por exemplo, que certa pessoa praticou um furto ou um estupro. A pena para este tipo de delito é de detenção de seis meses a dois anos e multa.

2. Difamação: propagar fatos ofensivos contra a reputação da vítima. O estudante que divulgou no Twitter que determinado empresário foi visto saindo do motel acompanhado da vizinha praticou o crime de difamação. Mesmo que o estudante prove que realmente o empresário foi visto no local, o crime subsistirá, pois independe do fato ser verdadeiro ou falso, o que importa é que prejudique a reputação da vítima. O delito tem uma pena de detenção de três meses a um ano e multa.

3. Injúria: ofender a dignidade ou o decoro de outras pessoas. Geralmente se relaciona com xingamentos, exemplo, escrever no Facebook da vítima ou publicar na Wikipédia que ela seria prostituta, vagabunda e dependente de drogas. Também comete este crime aquele que filma a vítima sendo agredida ou humilhada e divulga no Youtube. A pena é de detenção e varia entre um a seis meses ou multa. Se a injúria for composta de elementos relacionados com a raça, cor, etnia, religião, origem ou condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência o crime se agrava e a pena passa a ser de reclusão de um a três anos e multa.

4. Ameaça: ameaçar a vítima de mal injusto e grave. É corriqueiro a vítima procurar a Delegacia de Polícia para informar que recebeu e-mails, mensagens de MSN ou telefonemas com ameaças de morte. A pena consiste na detenção de um a seis meses ou multa.

5. Constrangimento ilegal: em relação ao cyberbullying, o crime de constrangimento ilegal pode ocorrer se for feita uma ameaça para que a vítima faça algo que não deseja fazer e que a lei não determine, por exemplo, se um garoto manda uma mensagem instantânea para a vítima dizendo que vai agredir um familiar dela caso não aceite ligar a câmera de computador (web cam). Também comete este crime aquele que obriga a vítima a não fazer o que a lei permita, como no caso da garota que manda um e-mail para uma conhecida e ameaça matar seu cachorro caso continue a namorar o seu ex namorado. A pena para este delito é a detenção de três meses a um ano ou multa.

6. Falsa identidade: ação de atribuir-se ou atribuir a outra pessoa falsa identidade para obter vantagem em proveito próprio ou de outro indivíduo ou para proporcionar algum dano. Tem sido freqüente a utilização de fakes em sites de relacionamentos, como no caso de uma mulher casada que criou um fake para poder se passar por pessoa solteira e conhecer outros homens. Também recentemente uma pessoa utilizou a foto de um desafeto para criar um perfil falso no Orkut, se passou por ele e começou a proferir ofensas contra diversas pessoas, visando colocar a vítima em uma situação embaraçosa. A pena prevista para este tipo de ilícito é de três meses a um ano ou multa se o fato não for considerado elemento de crime mais grave.

7. Molestar ou perturbar a tranquilidade: neste caso não há um crime e sim uma contravenção penal que permite punir aquele que passa a molestar ou perturbar a tranqüilidade de outra pessoa por acinte ou motivo reprovável, como por exemplo, nos casos em que o autor passa a enviar mensagens desagradáveis e capazes de incomodar a vítima. Recentemente ocorreu um caso de um indivíduo que passava o dia inteiro realizando ligações telefônicas e enviando centenas de mensagens SMS com frases românticas para a vítima. O caso foi esclarecido e o autor foi enquadrado nesta contravenção penal. A pena para essa figura delitiva é de prisão simples, de quinze dias a dois meses ou multa.
A prática deste tipo de crime pela internet não é sinônimo de impunidade, muito pelo contrário, a Polícia Civil e a Polícia Federal possuem instrumentos adequados e profissionais capacitados para que, por intermédio das investigação criminal, a autoria e a materialidade sejam comprovadas.

Efeitos civis do cyberbullying
A prática destas ofensas também desencadeia diversos efeitos no âmbito civil, como por exemplo, a obrigação de reparar os danos morais ou materiais proporcionados pelos autores das ofensas.
De acordo com o artigo 159 do Código Civil “aqueles que por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência violar direito ou causar prejuízo a outrem fica obrigado a reparar o dano”.
A 2ª Turma Cível do Tribunal de Justiça do Distrito Federal no ano de 2010 manteve a sentença do juiz de direito da 4ª Vara Cível de Taguatinga, que condenou uma pessoa a indenizar duas vítimas em razão de ter postado no Orkut mensagens com palavras e expressões de baixo calão (Processo: 200701014929).

Como a vítima pode colaborar?
Para que a Polícia tenha condições de prestar um serviço adequado e eficiente é necessário que a vítima forneça o maior número possível de informações, que se cerque de precauções para colaborar com a polícia na persecução penal do delito que foi deflagrado por intermédio do computador e também para evitar que possa vir a ser responsabilizada nos casos em que noticia o fato criminoso, mas não consegue comprovar o delito. Se a vítima não conseguir comprovar o crime pode inclusive ser punida pelo crime de comunicação falsa de crime ou contravenção (detenção de um a seis meses ou multa) ou denunciação caluniosa (reclusão de dois a oito anos e multa e nos casos de utilização de anonimato ou nome suposto a pena é aumentada).
A vítima deve procurar uma Delegacia de Polícia e se no local existir computador com acesso a internet, solicitar que o escrivão de polícia visualize o conteúdo das ofensas e imprima as mesmas. Em seguida é adequado que o escrivão, por ter fé pública, elabore uma certidão com os endereços que foram acessados (no caso de conteúdo ofensivo disponibilizado em sites ou redes sociais) e imprima cópia do conteúdo acessado.
Se a ofensa estiver armazenada no e-mail da vítima o correto é que ela acesse o e-mail diante do escrivão de polícia, que deverá promover a impressão do conteúdo criminoso, não se esquecendo de clicar em ver cabeçalho completo (ou exibir código fonte da mensagem). Em seguida é importante que o referido policial civil elabore certidão sobre o fato. Caso outro policial civil realize esta atividade ao final deverá elaborar um documento informando ao delegado de polícia os procedimentos adotados. Por exemplo, caso o policial seja um investigador de polícia ou outro funcionário que trabalhe diretamente com as atividades investigativas deverá elaborar um relatório de investigação.
Também é possível registrar uma ata notarial em um cartório de notas. Nestes casos, o cartorário acessa e imprime o conteúdo ofensivo, nos mesmos moldes do escrivão de polícia, pois ambos possuem fé pública.
Outro caminho que recomendamos, se não for possível realizar as sugestões acima apresentadas, é que a própria vítima grave as informações em uma mídia não regravável e também as imprima e entregue na Delegacia de Polícia quando for elaborar o Boletim de Ocorrência. Nesta impressão deve constar o endereço (ou URL) aonde o conteúdo foi divulgado e nos casos de e-mails, o cabeçalho completo, além do conteúdo. Nos casos de ofensas em salas de bate papo os procedimentos são semelhantes, sendo necessário individualizar o nome da sala, seu endereço na internet e os nicknames envolvidos.
Se a vítima encontrar dificuldade para apresentar o endereço em que o conteúdo ofensivo tiver sido publicado uma sugestão é que utilize a tecla do computador denominada “print screen”, que copia uma imagem do que estiver aparecendo na tela do computador. Depois deve colar o conteúdo em algum programa de edição de imagens, como o “paint”. Em seguida deve imprimir e entregar para a Polícia Civil, quando for elaborar o Boletim de Ocorrência. A utilização do “print screen” não é recomendada, pois pode ser questionada judicialmente e não ser aceita como prova do delito.

Conclusão
O bullying e o cyberbullying é um tipo de prática cujos autores muitas vezes não têm consciência das consequências e dos males que proporciona. Lidar com o problema não é responsabilidade exclusiva da escola ou da polícia. A solução deste problema envolve um trabalho conjunto entre os pais, educadores, organizações não governamentais, entidades religiosas, órgãos do governo, polícia, enfim, a sociedade como um todo deve participar da discussão, apresentar sugestões e participar da implementação de soluções para lidar com esse problema que pode ter efeitos muito mais negativos do que se imagina.
O problema do cyberbullying merece atenção, principalmente no ambiente escolar, para que os jovens sejam conscientizados da importância de respeitar o próximo e proteger a dignidade das pessoas, pois desta forma, quando se tornarem adultos será mais difícil de realizarem estas práticas.
Desta forma, para que os seres humanos possam conviver em harmonia, garantindo a paz, o bem estar social e a segurança pública que todos almejam é necessário que haja uma reflexão envolvendo jovens, adultos e idosos sobre a necessidade de respeitar a dignidade do próximo, nos mesmos moldes do que esperam que lhe respeitem, como previsto na regra de ouro do Evangelho segundo Lucas (6:31), que sugere “assim como desejais que os outros vos tratem, tratai os do mesmo modo”.

Por Higor Vinicius Nogueira Jorge
Fonte Consultor Jurídico