Especialista fala
sobre convivência, uso das moradias e das áreas comuns, além da tecnologia
Em nosso cotidiano, continuamos a viver
tendo de lidar com uma realidade que, a cada pequeno período de tempo, se
transforma. Estamos questionando a saúde mais aprofundadamente e devemos olhar
para os aspectos físico, emocional, espiritual e, especialmente, mental, já que
temos convivido com diversas (des)harmonias nas comunidades de vizinhança
condominial.
Estamos repletos de “não-seis” e de opiniões
tão diversas; na ciência, no mercado e na política. Igualmente os síndicos, os
corpos diretivos e, no limite, cada indivíduo estamos imersos numa “república
de achismos”.
Porém, o recomendado é assumir com humildade
os limites dos “não-seis” e conversar. Afinal, esta é a situação que nos
acompanhará minimamente até meados do próximo ano.
Nas últimas semanas, uma avalanche de
laboratórios e pesquisadores apontando para a vacina a promover a salvação ou
quem sabe a redenção da humanidade nos traz uma nova perspectiva.
Compras bilionárias de uma infinidade de
produtos para a saúde doente estão sendo realizadas como jamais visto. Um novo
mercado global talvez?
Nas cidades, também questionamos a
funcionalidade da tipologia urbanística condominial de desenvolvimento e sua
construção (como residir, trabalhar e recrear-nos?).
Seja para qual classe social se construa, dos
condomínios de poucas unidades, aos bairros planejados e aos conjuntos
habitacionais populares, devemos refletir como criar, manter e transformar a
realidade. E assim vamos construindo as referências de um novo normal.
Aos condomínios, com o advento da recente
Lei nº 14.010, chegam novidades, também, assim, para o cotidiano da
administração imobiliária.
A legislação reforça a realidade de sempre, que
cada condomínio deve legislar sobre seu território - tanto em relação à
flexibilização do isolamento como ao uso das áreas de circulação e áreas comuns.
A principal novidade é a possibilidade de nos reunirmos remotamente com
segurança jurídica de validade nas deliberações.
No microcosmo de
cada condomínio, passamos a tratar as áreas comuns quanto a sua
proporcionalidade e sua funcionalidade – mais área privativa, mais área comum?
Também percebemos uma diversidade em relação
à ocupação das moradias, com necessidades diferentes - em algumas com gente
morando sozinha, e em outras com famílias numerosas, ou mesmo muitas famílias
vivendo juntas.
As questões se mantêm. E agora abre e fecha
o quê? Como? Igualmente na cidade como um todo, qual é a proporção de ocupação
humana dos espaços? Aproveitemos para diagnosticar: há escassez ou abundância
na proporcionalidade?
A destinação das áreas privativas e das
comuns está sendo flexibilizada. Onde só se podia residir, agora se pode
trabalhar e ter aulas. Tudo junto, misturado e ao mesmo tempo. Muitas empresas
tendem a continuar o home office até o próximo ano, ou talvez para sempre. Teremos
de nos adaptar.
Sob o aspecto territorial a ocupar, o pano
de fundo é que não é permitida a aglomeração, porém não o encontro, que
continua permitido!
A realidade inclui novas orientações no uso
das áreas comuns, o distanciamento social e o cumprimento de protocolos
sanitários. O nível de flexibilização do isolamento social depende de cada
realidade.
O artigo 11 dessa lei, que foi vetado, previa
superpoderes aos síndicos em detrimento até da soberania da assembleia. Assim, as
regras de sempre continuam valendo (artigo 1.348 do Código Civil).
Se não fosse vetado, autorizaria-os a restringir,
nas áreas comuns e nas unidades imobiliárias, atividades que gerassem
aglomeração, aumento de circulação de pessoas e/ou elevação do risco de
contaminação e propagação do vírus, tais como reuniões e festas, uso de
academia e áreas de lazer, realização de obras não urgentes e, inclusive, a
liberdade de ir e vir de visitantes nas suas dependências.
Na realidade eles já tinham estes poderes, e
as regras continuam valendo: dever zelar pelo condomínio preservando a saúde, a
segurança e o sossego, defender os interesses comuns, a conservação e guarda
das partes comuns e cuidar da prestação dos serviços que interessem aos
moradores.
Não se trata de uma faculdade, e sim de um
poder-dever. De qualquer forma, é importante que o veto não induza a sociedade a
achar que o síndico perdeu os poderes que já tinha.
Cada pessoa que ocupa o cargo de síndico
vive uma realidade conforme sua cultura, seus medos, os dados filtrados a que
tem acesso e, por esta razão, deve chamar o coletivo dos condôminos para
conversar.
O que se recomenda é a busca de consensos, em
reuniões preparatórias, para dialogar e sem necessariamente deliberar, o que
seria feito depois. Isso traz segurança e paz à comunidade.
Já o artigo 12 permite expressamente a
assembleia virtual, e esse não foi vetado. A inteligência artificial avança
surfando numa grande onda. O que estava emperrado de acontecer virtualmente, mesmo
que sempre permitido, embora não regulamentado com segurança jurídica, está
sendo concretizado.
No entanto, a inclusão digital versus a
baixa participação nessas reuniões e assembleias deve receber atenção especial.
Penso que, no “novo normal”, dentro de algum
tempo deverá prevalecer o modelo presencial, com transmissão e participação
remotas, e dependendo do caso apenas remota. Mas a questão que se coloca é a
necessidade de equipamentos e quem poderá custeá-los. Veremos o futuro em breve.
Outras tantas
perguntas ainda se colocam
São obrigatórios o uso de máscaras e a
medição de temperatura na entrada e saída do condomínio? Quando se pode dizer
que não é permitido entrar? E a obrigação de comunicação de contágio de algum
ocupante das unidades em face da discriminação?
Interferências potencialmente agravadoras do
risco de contaminação e, portanto, negativas que se podem questionar, entre
outras, são: os ruídos, as obras (necessárias, urgentes, emergenciais), mudanças,
academias (rodiziadas?), piscinas (o que fazer com os nadadores profissionais?),
brinquedotecas (e a saúde mental das crianças?), varandas (meditação? saraus? churrasquinhos?),
entregas nas unidades, festas e reuniões nas unidades e nas áreas comuns etc.
É importante ter consciência de que o
isolamento social não implica na proibição do uso das áreas comuns, que deverão,
assim como em parques e áreas de lazer, ser rodiziadas de acordo com o
potencial de uso combinado no coletivo de cada condomínio. Enfim, tudo igual
com novos cuidados.
É relevante observar, semelhantemente à
menor atenção, que estamos oferecendo a 305 povos indígenas falantes de 274
idiomas nossas sabedorias originárias neste momento tão delicado da pandemia.
Certamente podem contribuir para a criação
de políticas públicas de saúde em nosso país, e mesmo na sistemática dialógica
condominial. Afinal, condomínio também é tribo, tecido social, e é aldeia.
Finalmente, estamos ressignificando os
limites ordinários de tolerância dos moradores da vizinhança (CC 1.277) e os
bons costumes (CC 1.336-IV). O único bom senso recomendado agora é a busca do
consenso, aliás, desde sempre.
Por Michel Rosenthal Wagner
Fonte SindicoNet