Súmula de Tribunal de Justiça não pode
suprimir direito estabelecido pela Constituição Federal. Com esse entendimento,
a 20ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro afastou a Súmula 75
da corte e condenou o Banco do Brasil a pagar indenização por danos morais de R$
4 mil a uma mulher que teve seu cartão de crédito recusado em uma loja.
Após receber o cartão e desbloqueá-lo, a
autora da ação tentou usá-lo em um estabelecimento comercial, mas a transação
foi recusada, e ela disse ter ficado constrangida. Por mais que tenha contatado
o Banco do Brasil e enviado diversos documentos, a mulher não conseguiu liberar
o cartão.
Assim, moveu ação para obrigar a instituição
financeira a desbloquear o cartão de crédito e lhe pagar indenização por danos
morais. Em sua defesa, o Banco do Brasil alegou que não falhou na prestação do
serviço, uma vez que a conta da mulher não previa a disponibilização de cartões
de crédito.
Em primeira instância, a 7ª Vara Cível de
Campo Grande, zona oeste da capital fluminense, aceitou o primeiro pedido, mas
negou o segundo. Conforme a juíza, a rejeição do cartão na loja foi “mero
aborrecimento”. E, conforme a Súmula 75 do TJ-RJ, isso não configura dano moral
a justificar reparação.
Ela então recorreu. No TJ-RJ, o relator do
caso, desembargador Alcides da Fonseca Neto, afirmou que a Súmula 75 não pode
se sobrepor ao direito à indenização por dano moral, estabelecido pela
Constituição.
"O Direito das Obrigações, o Código de
Defesa do Consumidor, o Código Civil e, principalmente, a Constituição da
República, não podem deixar de ter vigência em razão de uma súmula estadual, que
trata de um assunto que não é de sua competência e que é utilizada para negar —
como se pretendia negar neste caso — um direito que vem previsto em lei. Resumindo:
a Súmula 75 do TJ-RJ não pode suprimir um direito que foi criado pela
Constituição da Republica Federativa do Brasil, qual seja, o dano moral”, afirmou.
Ainda que a conta da autora não lhe desse
direito a cartão de crédito, se o banco a enviou um produto desses, a fez crer
que tinha à disposição esse tipo de ferramenta financeira, apontou o magistrado.
Logo, declarou, o Banco do Brasil é responsável pelo “enorme constrangimento”
que a mulher passou ao ter sua transação rejeitada no estabelecimento comercial.
“Assim, verifica-se que a conduta da ré
beira a má-fé e é amplamente caracterizadora de danos morais ante a violação
clássica de direitos da personalidade da autora, tais como a honra e a imagem, além
da dignidade da pessoa humana”, avaliou o relator.
Dessa maneira, Fonseca Neto votou por
determinar que o Banco do Brasil pagasse indenização por danos morais de R$ 4
mil à autora. A decisão da 20ª Câmara Cível se deu por maioria de votos. Ficaram
vencidas as desembargadoras Marília de Castro Neves (relatora original do caso)
e Mônica Sardas.
Pedido de
cancelamento
A seccional fluminense da Ordem dos
Advogados do Brasil já protocolou pedido para tentar cancelar a Súmula 75 do TJ-RJ.
O enunciado estabelece que"o simples descumprimento de dever legal ou
contratual, por caracterizar mero aborrecimento, em princípio, não configura
dano moral, salvo se da infração advém circunstância que atenta contra a
dignidade da parte".
Para a Procuradoria da OAB-RJ, o
entendimento da corte contraria precedentes do Superior Tribunal de Justiça que
aplicam a teoria do desvio produtivo do consumidor: diversos julgados
reconhecem danos morais pelo tempo que o cliente desperdiça para solucionar
problemas gerados por maus fornecedores.
De acordo com o requerimento enviado ao TJ-RJ,"
não faz o menor sentido que o consumidor perca seu tempo — já escasso — para
tentar resolver problemas decorrentes dos bens concebidos exatamente com o
objetivo de lhe poupar tempo ".
O pedido da Ordem diz que a Súmula 75
beneficia quem pratica o dano,"o que acaba por resultar no fato de que a
conduta lesiva ainda compense financeiramente e reafirme a situação histórica
de desigualdade".
Para ler a íntegra da decisão: https://www.conjur.com.br/dl/acordao-mero-aborrecimento.pdf
Processo 0027164-09.2017.8.19.0205
Fonte JusBrasil Notícias