Configura prática abusiva da empresa aérea, por
violação direta do Código de Defesa do Consumidor, o cancelamento automático e
unilateral do bilhete de retorno em virtude do não comparecimento do passageiro
para o trecho de ida. A tese foi fixada pela 3ª Turma do Superior Tribunal de
Justiça.
O julgamento pacifica o entendimento sobre o
tema nas duas turmas de direito privado do STJ. Em novembro de 2017, a 4ª Turma
já havia adotado conclusão no mesmo sentido — à época, a empresa aérea foi
condenada a indenizar em R$ 25 mil uma passageira que teve o voo de volta
cancelado após não ter se apresentado para embarque no voo de ida.
“Com efeito, obrigar o consumidor a adquirir
nova passagem aérea para efetuar a viagem no mesmo trecho e hora marcados, a
despeito de já ter efetuado o pagamento, configura obrigação abusiva, pois
coloca o consumidor em desvantagem exagerada, sendo, ainda, incompatível com a
boa-fé objetiva que deve reger as relações contratuais (CDC, artigo 51, IV)”, afirmou
o relator do recurso especial na Terceira Turma, ministro Marco Aurélio
Bellizze.
Segundo o ministro, a situação também
configura a prática de venda casada, pois condiciona o fornecimento do serviço
de transporte aéreo de volta à utilização do trecho de ida. Além da restituição
dos valores pagos com as passagens de retorno adicionais, o colegiado condenou
a empresa aérea ao pagamento de indenização por danos morais de R$ 5 mil para
cada passageiro.
Engano
No caso analisado pela 3ª Turma, dois
clientes adquiriram passagens entre São Paulo e Brasília, pretendendo embarcar
no aeroporto de Guarulhos. Por engano, eles acabaram selecionando na reserva o
aeroporto de Viracopos, em Campinas (SP), motivo pelo qual tiveram que comprar
novas passagens de ida com embarque em Guarulhos.
Ao tentar fazer o check-in no retorno, foram
informados pela empresa aérea de que não poderiam embarcar, pois suas reservas
de volta haviam sido canceladas por causa do no show no momento da ida. Por
isso, tiveram que comprar novas passagens.
O pedido de indenização por danos morais e
materiais foi julgado improcedente em primeiro grau, sentença mantida pelo
Tribunal de Justiça de São Paulo. Para o tribunal, o equívoco dos clientes
quanto ao aeroporto de partida gerou o cancelamento automático do voo de
retorno, não havendo abuso, venda casada ou outras violações ao CDC.
O ministro Marco Aurélio Bellizze apontou
inicialmente que, entre os diversos mecanismos de proteção ao consumidor
trazidos pelo CDC, destaca-se o artigo 51, que estabelece hipóteses de configuração
de cláusulas abusivas em contratos de consumo. Além disso, o artigo 39 da lei
fixa situações consideradas abusivas, entre elas a proibição da chamada “venda
casada” pelo fornecedor.
“No caso, a previsão de cancelamento
unilateral da passagem de volta, em razão do não comparecimento para embarque
no trecho de ida (no show), configura prática rechaçada pelo Código de Defesa
do Consumidor, devendo o Poder Judiciário restabelecer o necessário equilíbrio
contratual”, afirmou o ministro.
Além da configuração do abuso, o relator
lembrou que a autorização contratual que permite ao fornecedor cancelar o
contrato unilateralmente não está disponível para o consumidor, o que implica
violação do artigo 51, parágrafo XI, do CDC. Bellizze disse ainda que, embora a
aquisição dos bilhetes do tipo “ida e volta” seja mais barata, são realizadas
duas compras na operação (uma passagem de ida, outra de volta), tanto que os
valores são mais elevados caso comparados à compra de apenas um trecho.
“Dessa forma, se o consumidor, por qualquer
motivo, não comparecer ao embarque no trecho de ida, deverá a empresa aérea
adotar as medidas cabíveis quanto à aplicação de multa ou restrições ao valor
do reembolso em relação ao respectivo bilhete, não havendo, porém, qualquer
repercussão no trecho de volta, caso o consumidor não opte pelo cancelamento”, concluiu
o ministro ao condenar a empresa aérea ao pagamento de danos morais e materiais.
Com informações da Assessoria de Imprensa do
STJ.
REsp 1.699.780
Fonte Consultor Jurídico