Como
reflexo dos princípios fixados pelo Código de Defesa do Consumidor
e das funções típicas dos bancos de dados de inadimplentes, o
marco inicial do prazo de cinco anos para a manutenção de
informações de devedores em cadastros negativos, previsto pelo
parágrafo 1º do artigo 43 do CDC, deve corresponder ao primeiro dia
seguinte à data de vencimento da dívida, mesmo na hipótese de a
inscrição ter decorrido do recebimento de dados provenientes dos
cartórios de protesto de títulos.
O
entendimento foi adotado pela Terceira Turma do Superior Tribunal de
Justiça (STJ) ao reformar acórdão do Tribunal de Justiça do
Distrito Federal (TJDF) que havia entendido que as informações
poderiam ser armazenadas pelos órgãos de proteção ao crédito por
cinco anos, independentemente da data de vencimento da dívida.
A
decisão da Terceira Turma, tomada em análise de ação civil
pública promovida pelo Ministério Público do Distrito Federal
(MPDF), tem validade em todo o território nacional, respeitados os
limites objetivos e subjetivos da sentença. Com isso, a Serasa –
uma das rés no caso – foi condenada a pagar indenização por
danos morais e materiais a todos os consumidores que eventualmente
tenham anotações negativas inscritas por prazo superior a cinco
anos, contados do dia seguinte ao do vencimento, se comprovado que
todas as anotações no nome de cada consumidor estão
desatualizadas.
CONTROLE
No
mesmo julgamento, realizado por maioria de votos, o colegiado também
determinou que a Serasa – recorrida no caso – não inclua em sua
base de dados informações coletadas dos cartórios de protesto sem
a indicação do prazo de vencimento da dívida, como forma de
controle dos limites temporais especificados pelo artigo 43 do CDC.
“De
fato, não é o protesto o dado registrado no cadastro de
inadimplentes, mas sim a dívida que o fundamenta, eis que é a
inadimplência a informação essencial para a verificação do risco
na concessão de crédito, propósito da existência do banco de
dados de consumidores”, apontou a relatora do recurso especial do
MPDF, ministra Nancy Andrighi.
Na
ação civil pública, o MPDF alegou que a Serasa e uma empresa de
serviços estariam mantendo a inscrição do nome de consumidores
inadimplentes por prazo superior a cinco anos, contados da data de
vencimento do título. Segundo o MP, os réus não realizariam
qualquer controle sobre o prazo prescricional e a data de vencimento
da dívida dos dados oriundos dos cartórios de protesto.
Em
primeira instância, a ação civil pública foi julgada
improcedente, sob o argumento de que o prazo de cinco anos se inicia
com o envio, pelo credor, dos dados de inadimplência do devedor aos
órgãos de proteção ao crédito. Além disso, o magistrado
entendeu que, caso esteja prescrita a dívida, compete ao devedor
requerer judicialmente a exclusão de seu nome do cadastro negativo.
DADOS
OBJETIVOS
A
relatora do recurso especial do Ministério Público, ministra Nancy
Andrighi, destacou inicialmente que, com o objetivo de limitar a
atuação dos bancos de dados à sua função social – reduzir a
assimetria da informação entre credor e devedor para a concessão
de crédito a preço justo –, o CDC estabeleceu, em seu artigo 43,
que os dados cadastrais de consumidores devem ser claros, objetivos e
verdadeiros.
“O
caráter induvidoso do dado é da essência dos arquivos de consumo,
haja vista que informações desatualizadas ou imprecisas dificultam
a efetiva proteção ao crédito e prejudicam a atividade econômica
do consumidor e também do fornecedor”, explicou a ministra.
A
ministra também lembrou que, com o advento da Lei 12.414/11, o STJ
firmou o entendimento de que as entidades mantenedoras de cadastros
de crédito devem responder solidariamente pela exatidão das
informações constantes em seus arquivos, em conjunto com a fonte e
a parte consulente.
Além
disso, ela apontou que as normas da Lei 9.492/97, relativas
especificamente ao protesto e suas consequências, não interferem
nas disposições sobre os bancos de dados tratados no CDC, razão
pela qual a responsabilidade pelo cancelamento do protesto, a cargo
do devedor, não se confunde com o encargo da entidade arquivista de
manter fidedignas as informações de seu cadastro, inclusive em
relação aos limites temporais da inscrição.
FATO
GERADOR
No
caso do prazo máximo de inscrição da dívida, Nancy Andrighi
ressaltou que o marco inicial para a contagem temporal da anotação
em cadastro de inadimplentes ainda não foi consolidada pelas turmas
de direito privado do STJ. Segundo a ministra, a orientação
jurisprudencial que mais se compatibiliza com os princípios do CDC é
a de que o termo inicial de contagem do quinquênio previsto pelo
artigo 43, parágrafo 1º, do CDC é o fato gerador da informação,
ou seja, o dia seguinte ao vencimento da dívida.
De
acordo com a relatora, a Súmula 323 não exprime a totalidade do
entendimento do STJ a respeito do prazo máximo de permanência de
informações negativas nos bancos de dados de proteção ao crédito.
Por esse motivo, a jurisprudência evoluiu para ressaltar que “os
órgãos de proteção ao crédito não podem disponibilizar dados
respeitantes a débitos prescritos”, haja vista que, “suplantada
a pendência hábil a caracterizar situação de mora ou
inadimplemento, desaparece o fato jurídico de interesse para o
mercado de consumo”.
Por
isso, apontou a ministra, “a manutenção da inscrição negativa
nos cadastros de proteção ao crédito respeita a exigibilidade do
débito inadimplido, tendo, para tanto, um limite máximo de cinco
anos que pode ser, todavia, restringido se for menor o prazo
prescricional para a cobrança do crédito”.
RESPONSABILIDADE
SOLIDÁRIA
No
caso julgado, a relatora lembrou que o TJDF manteve a sentença de
improcedência por entender que, até que seja cancelado, o protesto
pode ser armazenado e reproduzido pelos órgãos de proteção ao
crédito pelo período de cinco anos, independentemente do vencimento
da dívida. Para o tribunal de segundo grau, os órgãos de proteção
não assumem o encargo de controlar a existência ou a exigibilidade
das obrigações relativas à dívida.
Segundo
Nancy Andrighi, como possuem responsabilidade solidária com as
entidades que prestam informações, os bancos de dados de
inadimplentes devem adotar posição que evite o dano potencial ao
direito de personalidade do consumidor, “razão pela qual é
legítima a imposição da obrigação de não fazer, consistente em
não incluir em sua base de dados informações coletadas dos
cartórios de protesto, sem a informação do prazo de vencimento da
dívida, para controle de ambos os limites temporais estabelecidos no
artigo 43 da Lei 8.078/90”.
Processo
REsp 1630659
Fonte
Superior Tribunal de Justiça