De motivação a senso de responsabilidade, entenda o
“lado B” de comportamentos tidos como saudáveis e recomendados por
especialistas em carreira
Você
diria que profissionais responsáveis, ambiciosos e motivados podem acabar
sabotando sua própria felicidade no trabalho? Por mais insólita que pareça,
essa possibilidade existe. E mais: nem é tão remota assim.
Tudo
depende das razões por trás de comportamentos aparentemente inofensivos ou até
saudáveis, explica o psicólogo israelense Tal Ben-Shahar, que ministra um
popular curso sobre felicidade na Universidade de Harvard.
“A
eletricidade é uma coisa ruim?”, questiona o professor em entrevista a
EXAME.com. “Ela é ótima quando é usada para trazer mais luz para as nossas
vidas, mas é péssima quando seu uso é a execução de um inocente em uma cadeira
elétrica”.
A
depender da sua finalidade, certas virtudes frequentemente recomendadas por
especialistas em carreira também podem ter uma faceta sombria.
“Se
você busca ser um profissional exemplar só porque deseja ser rico ou admirado,
mais cedo ou mais tarde você terá problemas”, diz Ben-Shahar. “Se, por outro
lado, você tem essa postura porque quer fazer o bem e ter uma vida cheia de
significado, terá mais chances de ser feliz”.
Confira
a seguir 4 atitudes positivas que podem comprometer a sua satisfação com a
carreira:
1. Motivação
Ser
capaz de encontrar razões fortes para acordar na segunda-feira é uma qualidade
rara e absolutamente necessária em tempos difíceis para o país. Em excesso,
porém, essa atitude pode levar à estafa ou burnout.
“Olhe
para as startups, que são campeãs de motivação”, afirma Alexandre Teixeira,
autor do livro “Felicidade S/A” (Arquipélago Editorial). “Muitas delas são
notórias por suas jornadas de trabalho exageradas e pelas frequentes histórias
de esgotamento físico e mental na equipe”.
Os
hipermotivados excedem seus próprios limites voluntariamente. A situação se
aproxima, pelo menos em parte, à do workaholic — que enxerga o trabalho como
fuga para outros aspectos disfuncionais de sua vida.
Para
Teixeira, um símbolo do problema são as hackathons, maratonas em que
profissionais de tecnologia passam horas, dias ou até semanas resolvendo
desafios de programação. “É claro que a ideia da hackaton é ótima, mas não como
rotina”, explica. “Mais cedo ou mais tarde, virar dezenas de madrugadas
trabalhando acaba trazendo problemas de saúde”.
2. Ambição
O
desejo de crescer na carreira é essencial para o sucesso, mas pode se converter
em problema quando se transforma em excesso de competitividade. “Você se torna
cego para o impacto que as suas ações têm sobre si mesmo e sobre os outros, e
os seus relacionamentos são prejudicados”, alerta Annie McKee, professora da
Universidade da Pensilvânia, em artigo para o site “Harvard Business Review”.
De
acordo com o psicólogo e consultor Caio Farhat, profissionais ambiciosos ao
extremo correm o risco de se transformar em competidores desenfreados. “Rat
race [corrida de ratos, em tradução livre], em psicologia positiva, significa
correr atrás de objetivos que não lhe trazem prazer, mas que supostamente
trarão felicidade no futuro”, explica. “O problema é que as conquistas passam a
ter cada vez menos valor”.
3. Senso de responsabilidade
Ter
consciência sobre os seus deveres, e persegui-los de forma constante, é um dos
pilares mais básicos do profissionalismo. No entanto, é preciso tomar cuidado
para não confundir responsabilidade com submissão. “Muita gente se fixa apenas
nas demandas da empresa, e acaba deixando de lado suas próprias exigências e
necessidades”, explica Farhat.
Segundo
McKee, o senso de responsabilidade excessivo cria “super-heróis”. “Muitas
pessoas escondem qualquer coisa que possa fazê-las parecer fracas ou
vulneráveis, como dificuldades em casa ou a sensação de esgotamento, porque
sentem que precisam ser fortes o tempo todo”, escreve a professora.
O
problema se agrava quando a obediência cega à empresa é recompensada com bônus,
aumentos e promoções. Afinal, qual seria o problema de contrariar as suas
vontades se você está ganhando bem? Mais cedo ou mais tarde, porém,
negligenciar a própria felicidade cobrará seu preço.
4. Busca por propósito
As
empresas não querem mais funcionários; elas buscam profissionais afinados com
sua missão e seus valores. Ao mesmo tempo, grande parte dos profissionais,
sobretudo os mais jovens, não desejam só um emprego: querem um trabalho com
sentido e significado.
Tudo
isso é ótimo, diz Teixeira, mas pode virar um pesadelo a depender da
intensidade. “A busca por propósito pode criar uma insatisfação crônica com a
própria carreira”, explica o especialista. É o que o especialista chama de
ansiedade hedônica: a angústia por não estar se sentindo bem o tempo todo.
Como
a realidade nem sempre acompanha esse ideal, também é possível ter mais
dificuldade para escolher uma profissão ou área de especialização. Você pode
acabar pulando de emprego em emprego, atrás de uma realização grandiosa que
nunca chega a se materializar.
Por
Claudia Gasparini
Fonte
Exame.com