A
tecnologia da inteligência artificial não é apenas objeto de ficção cientifica
e já é amplamente adotada em diversos campos de atuação humana na atualidade.
Nesse contexto, o seu uso no campo negocial implica relevantes reflexos no
campo do direito, sendo certo que a ausência de soluções legislativas
específicas para tratar dessas situações no direito pátrio torna imperativo
interpretar essas novas situações à luz da legislação vigente.
Constata-se,
na investigação promovida sobre os reflexos do emprego de sistemas de
inteligência artificial nos contratos, que a formação desses por meio
eletrônico já foi objeto de ampla análise, tanto na doutrina pátria como na
estrangeira, havendo razoável consenso sobre o seu conceito, forma,
consequências do controle de conteúdo, regramento aplicável, as especificidades
envolvendo a proposta e aceitação, os casos em que há contrato entre presentes
e aqueles quais a contratação se dá entre ausente, o local de formação contrato
e como ele é provado.
Dessa
forma, a crescente popularização de tecnologias digitais, especialmente do uso
de computadores e aparelhos pessoais de processamento de dados (laptops,
smartphones, tablets etc.), aliada à consolidação no âmbito doutrinário e
jurisprudencial do uso do contrato eletrônico como instrumento fundamental para
a expansão da aplicação comercial dessas tecnologias, estabeleceram as bases
para a introdução e aceitação da inteligência artificial no âmbito da formação
dos contratos.
Contudo,
a inteligência artificial representa tecnologia especial em relação à
automatização existente anteriormente, uma vez que causa ruptura da
previsibilidade entre o que é programado e os resultados da autuação desse
sistema. Enquanto a automatização tradicional significava apenas a programação
prévia de possíveis alternativas e as respectivas condutas a serem adotadas
caso ocorressem os eventos antevistos, o sistema de inteligência artificial
implica ruptura dessa previsibilidade, na medida em que é programado para
alcançar determinados objetivos e, para esse fim, é capaz de aprender com novos
fatos e propor soluções diferentes.
Dessa
forma, em razão dessa especialidade, nos casos em que o contrato é formado por
meio do uso de sistemas dessa natureza, denominou-se a declaração de vontade de
“declaração de vontade eletrônica”. Ocorre que essa especialidade da tecnologia
da inteligência artificial causou dúvidas na doutrina estrangeira acerca do
melhor regramento a ser aplicado à declaração de vontade eletrônica,
debatendo-se sobre a aplicação de teorias subjetivas ou objetivas do negócio
jurídico, bem como propondo soluções legislativas pouco ortodoxas, como a
atribuição de personalidade jurídica a esses sistemas.
Contatou-se,
no entanto, que grande parte dos questionamentos poderiam ser resolvidos por
meio da aplicação da análise estrutural do negócio jurídico aos contratos
formados por meio de uso se sistemas de inteligência artificial. Assim, ao se
analisar o negócio jurídico formado por meio de declaração de vontade
eletrônica, há que se examinar, primeiramente, o plano de existência de
negócios jurídicos, para depois se passar ao estudo do plano de validade e, por
fim, o da eficácia.
No
que tange ao plano da existência, a análise se focou na ampla difusão e adoção
de equipamentos de processamento de dados, e no crescente uso de contratos
eletrônicos – inclusive no âmbito do mercado consumidor -, os quais levaram à
plena aceitação de declarações de vontade realizadas meios eletrônicos,
independentemente de perquirições sobre a formação da vontade da parte.
Consequentemente, existe o reconhecimento social de que a declaração de vontade
eletrônica possui efeito jurídicos, concluindo-se que nos casos envolvendo a
formação de contratos por meio de sistema de inteligência artificial os
elementos constitutivos da existência no negócio jurídico – tanto os
intrínsecos quanto os extrínsecos – mostram-se presentes.
Na
análise do plano de validade desses negócios, foi possível constatar que o código
Civil de 2002 adotou a teoria da confiança no que tange ao negócio jurídico,
razão pela qual o escopo de aplicação dos vícios de consentimento mostra-se
mais restrito. Não obstante a maior restrição a sua aplicação, constatou-se que
os institutos do erro e do dolo podem ser aplicados em casos envolvendo os
sistemas de inteligência artificial. Assim, muito embora parte da definição do
objeto do contrato seja feita por meio de sistema automatizado, o regramento
vigente não impõe como condição- assim como ocorre no caso da coação e da lesão
– que a vítima do erro ou da coação seja uma pessoa.
Ademais,
tendo em vista que o Código Civil de 2002 adotou a teoria da confiança, mais do
que tutelar a vontade interna do declarante, os institutos do erro e do dolo
visam a garantir o equilíbrio contratual, de forma que há casos em que se
vislumbra a possibilidade de anulação de contratos formados por sistemas de
inteligência artificial, uma vez que esses sistemas podem ser vítimas de erro
ou dolo, segundo o regramento vigente desses institutos.
Por
João Fabio Azevedo e Azeredo
Fonte
Consultor Jurídico