A
4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça decidiu recentemente, ao julgar o REsp
1.247.020, que o condômino inadimplente que não cumpre com seus deveres perante
o condomínio pode ser obrigado a pagar multa de até dez vezes o valor atribuído
à contribuição para as despesas condominiais. Em outras palavras, disse o STJ
que a multa prevista no parágrafo único do artigo 1.337 do Código Civil pode
ser aplicada ao devedor contumaz, cumulativamente com a multa moratória de 2%
prevista no parágrafo 1º do artigo 1.336.
A
posição coincide com a que vimos sustentando desde 2008, quando da publicação
do trabalho “Condomínio edilício: inadimplência, multas e juros. Algumas
controvérsias”[1].
No
âmbito do condomínio edilício, a lei dispõe sobre a aplicação basicamente de
dois tipos de multas: a multa moratória, cuja finalidade é sancionar a
impontualidade do condômino, que tem como fato gerador o retardamento da
execução da obrigação específica de pagar a taxa condominial, e a multa
compensatória, destinada a compensar ou reparar o condomínio pelo
descumprimento do pacto de convivência estabelecido na convenção por um ou por
alguns dos condôminos. Tem como fato gerador a inexecução total ou parcial da
convenção.
A
multa moratória é aquela prevista no parágrafo 1º do artigo 1.336. As multas compensatórias
são aquelas previstas no parágrafo 2º do artigo 1.336 e no artigo 1.337. Em
face de terem origem em fatos geradores diversos, multas moratória e
compensatórias poderão ser cumuladas, como corretamente decidiu o STJ.
A
multa prevista no caput do artigo 1.337 é destinada a punir o descumprimento
“reiterado” de toda e qualquer obrigação do condômino para com o condomínio. O
dispositivo tem como objetivos primordiais assegurar a paz e a harmonia no
condomínio, coibindo comportamentos incompatíveis com a vida comunitária, além
de estimular uma maior participação dos condôminos nas assembleias.
Daí
prever o caput do artigo a aplicação de uma multa de até um quíntuplo da cota
condominial para o condômino que, reiteradamente, não cumpre com suas
obrigações perante o condomínio, prejudicando e sobrecarregando os demais
condôminos, multa que não só pode como deve ser imposta ao condômino que
repetidamente deixa de pagar a sua cota condominial.
Isso
porque, entre os deveres do condômino para com o condomínio, o mais importante
deles, sem sombra de dúvida e até mesmo por definição emergente do inciso I do
artigo 1.336 do CC, é o de contribuir para as despesas do condomínio. O
descumprimento reiterado desse dever conduz à possibilidade de ser aplicada a
multa prevista no caput do artigo 1.337.
Mas
atenção: essa multa não tem por função punir o simples inadimplemento, mas
coibir a chamada “inadimplência reiterada”, compensando o condomínio pela
violação, pela inexecução da convenção, representada pelo descumprimento
reiterado do mais importante dever do condômino para com o condomínio.
Em
razão da nítida distinção entre a imposição da multa moratória pelo atraso no
pagamento da cota condominial e a multa compensatória pelo descumprimento
reiterado de deveres de condômino, inclusive o dever de pagar a taxa, não há
óbice a que haja a cumulação das duas penas, em face da diversidade de fatos
geradores. De fato, se os fatos geradores fossem idênticos, estaríamos punindo
um mesmo fato com duas penas, o que caracterizaria inadmissível bis in idem.
Mas não é esse o caso!
Na
verdade, são dois fatos geradores distintos. Uma coisa é a inexecução parcial
da convenção do condomínio, caracterizada pelo atraso ou impontualidade na
quitação da taxa (inadimplemento relativo da prestação). Esse fato é apenado
com a multa moratória de 2%. Outra coisa, completamente diversa, é a reiteração
da impontualidade. Nessa última hipótese, o fato gerador não é a inadimplência
em si, mas a “repetição” da conduta, a contumácia, o comportamento de
reiteradamente inadimplir, de sempre atrasar. Esse comportamento contumaz,
muitas vezes até mesmo proposital, viola completamente o pacto de convivência
estabelecido na convenção, razão pela qual deve ser punido por meio de pena
pecuniária, a qual, nesse caso específico, tem natureza compensatória ou
reparatória.
Claro
é que o conceito de “descumprimento reiterado” é aberto e indeterminado,
devendo ser preenchido de acordo com as circunstâncias do caso concreto e tendo
sempre em mira o princípio da boa-fé objetiva. O prazo para caracterização da
“reiteração” pode variar. A situação de um rico comerciante que,
propositadamente, por “pirraça” com o síndico, por exemplo, deixa de pagar a
taxa por dois ou três meses consecutivos não pode ser equiparada àquela do
comerciário desempregado que deixa de pagar a taxa por vários meses,
consecutivos ou alternados, por absoluta falta de recursos financeiros. É
fundamental que se perscrute os motivos do inadimplemento.
Exatamente
para possibilitar a equidade na aplicação da pena, dada a gravidade da medida,
exige o código que a multa somente possa ser imposta por decisão da assembleia,
com a aprovação de 3/4 dos condôminos, excluindo-se, naturalmente, o condômino
infrator[2].
O
parágrafo único do artigo 1.337, por sua vez, estabelece multa de dez vezes o
valor da taxa condominial ao condômino que, por seu reiterado comportamento
antissocial, gerar incompatibilidade de convivência com os demais condôminos.
Essa
multa também possui natureza compensatória, procurando reparar o condomínio
pela inexecução praticamente total do pacto de convivência estabelecido na
convenção, perpetrada por aquele condômino cujo comportamento apresenta-se
“reiteradamente” incompatível com a vida em comunidade.
Ao
contrário da multa de que trata o caput do artigo, imposta em assembleia, a
multa de um décuplo tratada no parágrafo único pode ser aplicada pelo síndico
independentemente de deliberação assemblear, desde que exista previsão na
convenção, sujeitando-se, apenas, a ulterior ratificação da assembleia, que
deverá confirmar a multa com os votos de 3/4 dos condôminos restantes,
excluindo-se o infrator.
Caso
o condômino penalizado tenha se antecipado ao pagamento e a multa não venha a
ser ratificada pela assembleia, caberá ao condomínio devolver o valor recebido.
Importante registrar que não há vedação a que a multa seja repetida, sem
limitação, na medida em que persistir o reiterado comportamento antissocial, o
que poderá levar, em determinadas hipóteses, indiretamente, à exclusão
compulsória daquele condômino[3].
A
aplicação imediata da multa pelo síndico não prescinde da prévia comunicação ao
infrator, assinalando-lhe prazo para justificar a sua conduta[4].
Observe-se,
no entanto, que o código não define o que seja esse comportamento antissocial,
cabendo à assembleia deliberar de acordo com o caso concreto e ao penalizado,
em discordando da penalidade, recorrer às vias judiciais.
Trata-se
de mais um conceito jurídico indeterminado, a ser preenchido de acordo com as
circunstâncias de cada situação particular. O que pode ser considerado
“antissocial” em um determinado condomínio de alto poder aquisitivo, pode vir a
ser tolerado em um condomínio popular.
Quanto
ao não pagamento da taxa condominial, e utilizando o mesmo raciocínio exposto
no tocante à multa por descumprimento reiterado de deveres, não temos dúvida de
que a multa por comportamento antissocial também pode ser aplicada aos casos de
inadimplência contumaz. O inadimplente reiterado se mostra tão antissocial
quanto o condômino toxicômano, que faz uso ostensivo de drogas nas dependências
do condomínio, ou aquele que passa as madrugadas tocando bateria, emitindo sons
de elevados decibéis, inviabilizando o sono dos demais condôminos. No caso do
inadimplente, o comportamento antissocial se caracteriza pela sobrecarga
imposta aos custos de manutenção e conservação do edifício, sendo que o
inadimplente continuará a desfrutar normalmente de todos os serviços oferecidos
pelo condomínio à custa dos demais condôminos.
Nos
casos de inadimplemento “abusivo”, a aplicação da multa por comportamento
antissocial deve ser precedida da aplicação da multa por descumprimento
reiterado de deveres. Ou seja, em primeiro lugar, deve-se aplicar a multa
prevista no caput do artigo 1.337. Caso a penalidade não cumpra com a sua
finalidade e o condômino persista, sem justa causa, na conduta de inadimplente
contumaz, deve-se aplicar a multa do parágrafo único.
Em
conclusão, é digna de aplausos a decisão da 4ª Turma do STJ. Em razão da nítida distinção, quanto aos
fatos geradores, entre a multa moratória pelo atraso no pagamento da cota
condominial e a multa compensatória pelo descumprimento reiterado de deveres de
condômino, inclusive o dever de pagar a taxa, não há óbice a que a multa
prevista no caput do artigo 1.337 seja aplicada aos casos de inadimplência
contumaz. Da mesma forma, a multa por comportamento antissocial de que trata o
parágrafo único do artigo 1.337 pode ser aplicada em casos de inadimplência
contumaz e abusiva.
[1] IN Novo Código Civil: Questões controvertidas:
Direito das Coisas. 1º ed. São Paulo: Método, 2008. v. 7, pp. 273-290.
[2] Criticado por alguns em razão do esvaziamento
atual das reuniões de condomínio, esse quorum qualificado de 3/4 deve servir de
estímulo para que os moradores passem a frequentar as assembleias, participando
mais efetivamente das deliberações do condomínio.
[3] O Código Civil não trouxe previsão expressa
sobre a interdição temporária ou definitiva do condômino antissocial, a exemplo
do Direito Civil espanhol (artigo 19 da Lei 49/1960), alemão (parágrafos 31 a
58 da Lei Federal de 15 de março de 1951, que dispõe sobre condomínio em
edifícios), suíço (artigos 649-b e 649-c), dentre outros.
[4] Essa foi a conclusão a que chegou a I Jornada
de Direito Civil, promovida pelo Centro de Estudos Judiciários do Conselho da
Justiça Federal, no período de 11 a 13.09.2002: “As sanções do artigo 1.337 do
NCC não podem ser aplicadas sem que se garanta direito de defesa ao condômino
nocivo” (Enunciado 92).
Por
Mário Luiz Delgado
Fonte
Consultor Jurídico