Pesquisas
recentes indicam que o cérebro permanece mais ativo durante o sono do que se
imaginava e que é possível, sim, tirar proveito disso. Mas não se anime demais:
as descobertas da neurociência estão longe de ser um aval a empresas que
oferecem cursos de idiomas para "aprender dormindo".
Basta
lembrar das aulas que você perdeu na escola, porque as pálpebras estavam
pesadas demais. Deu para assimilar alguma coisa? Muito pouco, certo? Se desse
para aprender assim, não seria mais preciso investir em bons professores;
bastava um único, que gravasse as aulas, e os alunos nem precisariam sair da
cama, o que resultaria em uma enorme economia de recursos.
Hoje
os cientistas sabem, porém, que ninguém perde tempo dormindo. "O período
em que adormecemos está longe de ser um momento de silêncio cognitivo, que se
presta apenas para relaxamento e descanso cerebral", explica o
neurologista Leando Teles, membro da Academia Brasileira de Neurologia (ABN).
"Na
verdade, o sono é um evento biológico dinâmico, com fases bem definidas - o
cérebro reduz seu metabolismo em alguns momentos e acelera em outros, mantendo
atividades de aprendizado, organização de memórias, ensaios de criatividade e
testes emocionais", complementa.
Processamento automático
Um
estudo publicado no ano passado na revista "Current Biology" mostrou
que indivíduos estimulados a processar informações simples antes de dormir
continuam com a tarefa em andamento nas fases iniciais do sono.
No
experimento, pesquisadores da Universidade de Cambridge, na Inglaterra, e da
Escola Normal Superior, em Paris, convidaram pessoas a classificar palavras em
"animais" ou "objetos" apertando um botão em cada mão pouco
antes de dormir. Tudo isso era registrado em exames, que acusavam os potenciais
elétricos para as respostas motoras.
Depois
que caíram no sono, e deixaram de apertar os botões, os participantes
continuaram a ser estimulados a realizar a tarefa. Adivinha o que aconteceu?
Pelos registros da atividade cerebral, os cientistas viram que eles continuavam
acertando tudo, só demoravam um pouco mais para "responder".
"Os
resultados não oferecem respostas definitivas, entretanto mostram que o cérebro
é capaz de continuar processando durante os estágios iniciais do sono
informações externas (no caso, palavras ouvidas)", esclarece o professor
de neurologia Benito Damasceno, da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas),
em São Paulo. "Mas não demonstraram evidência de aprendizado nas tarefas
propostas", frisa, porém, o especialista.
Estudo
anterior, publicado na revista "Cerebral Cortex" e financiado pela
Fundação Nacional de Ciência da Suíça, mostrou que, se não dá, efetivamente,
para aprender enquanto se dorme, é possível pelo menos solidificar a memória
das palavras ouvidas antes de ir para a cama.
O
trabalho convocou 60 alunos de língua alemã para aprender à noite algumas
palavras em holandês. Metade do grupo foi dormir, enquanto o som ambiente
reproduzia as palavras gravadas, e a outra metade permaneceu acordada para
ouvir o mesmo áudio. Depois, às 2h, todos foram submetidos novamente ao novo
vocabulário e - surpresa! - quem dormiu se saiu muito melhor ao recordar as
palavras novas.
Outro
estudo sugestivo foi feito pela Universidade de Nova York e publicado na
revista "Science". Pesquisadores comprovaram, em ratos, que dormir
depois de aprender algo novo permite a geração de novas conexões entre os
neurônios. Ou seja: o processo iniciado em estado de alerta é mantido durante o
sono.
Sonhos e soluções
O
grande responsável pela consolidação de memórias durante o sono é a chamada
"fase REM" (da sigla em inglês para "movimento rápido dos
olhos"), que surge após quatro outros estágios, como explica Leandro
Teles.
Nas
fases 1 e 2, o sono é superficial e as pessoas estão mais sensíveis ao
despertar, já que há uma ligeira percepção do mundo externo. As fases 3 e 4 são
as denominadas de sono profundo, ou de ondas lentas. O cérebro trabalha menos,
mas não fica totalmente parado: é apenas um descanso.
Depois
de todo esse processo é que surge o sono REM: a pessoa quase não se mexe,
apenas movimenta os olhos por baixo da pálpebra (daí o nome do estágio).
"O indivíduo está distante, sensorialmente, do mundo que o cerca, mas seu
cérebro está mais agitado, organizando memórias recentes, exercitando sua
criatividade e criando os famosos sonhos, que podem ser lembrados ou não (a
depender do momento em que despertamos)", descreve Teles.
O
especialista acrescenta que, nessa fase, há intensa ativação de áreas ligadas a
emoções, sem muita interferência da crítica e da racionalidade. "Por isso
temos muitos sonhos malucos e 'sem pé nem cabeça'", comenta.
Apesar
da aparente confusão, o processo é fundamental para a consolidação do
aprendizado. Tanto que muita gente vai dormir pensando em um problema e acorda
com uma solução para ele. "O cérebro mantém processamentos vindos do
período de vigília, numa espécie de segundo plano menos consciente, mas
eventualmente muito efetivo e criativo (talvez por menor interferência do juízo
e da crítica, que limitam as alternativas)", diz o neurologista.
Os
estudos recentes, para ele, demonstram o grau de complexidade do funcionamento
do cérebro humano, a importância do sono e o trabalho que os neurocientistas
têm pela frente para compreender os detalhes desse fenômeno.
Por
Tatiana Pronin
Fonte
UOL Ciência