Sinal
dos tempos: ao iniciar um relacionamento, o casal realiza uma romântica viagem
ao cartório mais próximo e registra um documento no qual esclarece suas
intenções. Em geral, as cláusulas e disposições que o casal faz constar no
contrato resumem-se ao seguinte: o que é meu é meu, o que é seu é seu, e quando
o relacionamento acabar, ninguém deve nada a ninguém. Carimbos e assinaturas
devidamente providenciados, o casal deixa o cartório feliz da vida, com a
certeza de que o patrimônio de cada um está devidamente protegido de eventuais
intempéries que possam acometer o relacionamento amoroso. Será?
Não
raro, quando me deparo com interlocutores ávidos por obter as melhores
respostas para as dúvidas em direito de família e direito sucessório, uma delas
é mesmo singular “- Dra. Ivone, o que é mais interessante para um casal:
formalizar de uma vez o casamento ou manter o relacionamento como união
estável?”
Difícil
resposta. Cada casal, individualmente falando, traz uma história de vida,
relacionamentos anteriores, filhos, algum tipo de sociedade profissional,
enfim, uma série de envolvimentos passados e presentes que podem interferir e
modificar tanto a trajetória profissional como a amorosa/sentimental.
Não
por outro motivo observamos que a prática dos chamados contratos de
relacionamento está tão disseminada que é possível encontrar, após uma rápida
consulta na internet, modelos desses documentos prontos para imprimir e
assinar. Contudo, é preciso ter cuidado - e uma boa orientação profissional –
na hora de elaborar tais contratos. Do contrário, você pode pensar que acabou
de adquirir um seguro capaz de proteger seus bens de rompimentos afetivos e de
outros “sinistros” advindos de uma separação, quando, na verdade, está se
expondo a uma bela e custosa briga na justiça.
Quer
ver um exemplo? Certa vez um cliente me trouxe um contrato que ele havia
baixado da Internet. O documento possuía uma cláusula na qual os contratantes
se comprometiam a não fazer nenhuma exigência futura em relação ao patrimônio
um do outro. Mais adiante, outra cláusula informava que os dois garantiam
jamais, em hipótese alguma, exigir pensão alimentícia do parceiro ou parceira
se o relacionamento chegasse ao fim. Tudo muito bonito no papel. Na prática,
porém, as coisas não são bem assim. Se a relação vier a se tornar uma união
estável – definida pelo artigo 1.723 do Código Civil Brasileiro de 2002 como um
relacionamento público, continuo e duradouro, estabelecido com o objetivo de
constituir família (havendo ou não filhos em comum) –, o regime de bens que
prevalece é o equivalente ao da comunhão parcial de bens. De acordo com esse
regime, os parceiros têm direito, após a separação e o devido reconhecimento
judicial da união estável, à metade dos bens adquiridos pelo casal a título
oneroso durante o relacionamento. E se um dos companheiros vier a falecer, o
parceiro sobrevivente poderá receber herança, em proporções que dependerão da
existência de outros herdeiros e de seu grau de parentesco com o falecido. Cabe
lembrar que esses direitos independem do fato de o parceiro ter ou não
contribuído financeiramente para a aquisição dos bens em questão. Além disso, é
bom que se deixe claro: pessoas que vivem em união estável também podem requerer
o pagamento de pensão alimentícia ao fim do relacionamento.
Tendo
tudo isso em mente, voltemos aos contratos. Os parceiros de uma união estável
podem estabelecer, por meio de documento registrado em cartório, um acordo
referente à administração e partilha de seus bens diferente das estipulações
previstas pelo regime da comunhão parcial. Contudo, nada impede que, no futuro,
um dos dois recorra à justiça para contestar esse acordo, alegando, por
exemplo, que as circunstâncias mudaram e que agora ele ou ela necessita de
amparo econômico. E, dependendo do entendimento que tiver do caso, o juiz pode
lhe dar razão.
É
importante ressaltar que nem mesmo um contrato elaborado por advogado, segundo
parâmetros legais, está imune de ser judicialmente contestado. Porém, quanto
maior for o embasamento legal do documento, maiores serão as chances de que o
juiz o aceite na ocorrência de uma eventual disputa judicial. Conclusão:
informe-se e consulte um advogado especializado em Direito de Família antes de
baixar um contrato de relacionamento da Internet.
Gastar
um pouco de tempo e de dinheiro antes pode lhe poupar de uma série de despesas
e de dores de cabeça depois.
Por
Ivone Zeger
Fonte
Consultor Jurídico