Se
a internet chegou para mudar as relações humanas e trouxe com ela uma
diversidade de novas questões jurídicas, essa mudança alcança todos os campos
da vida contemporânea. Pela facilidade de acesso e distribuição que
possibilita, a internet tornou-se um campo propício para a prática de muitos
crimes. Com a ferramenta, a divulgação de fofoca, vinganças pessoais e golpes
bancários se misturaram a casos de pedofilia e tráfico.
Difamação
Vários
foram os casos de difamação em sites que chegaram ao STJ. Um dos primeiros foi
o caso de um desembargador do Tribunal de Justiça de Mato Grosso que enviou uma
carta repleta de denúncias contra a então deputada estadual Serys Slhessarenk
ao site Pegando Fogo, do provedor Mídia News, em outubro de 1999. Pela primeira
vez, o prazo prescricional previsto na Lei de Imprensa foi aplicado em crimes
de calúnia, injúria e difamação praticados pela internet (APn 163).
Ex-namorados
também fizeram mau uso da ferramenta para se vingar dos parceiros. Uma dentista
de Porto Alegre, depois de terminar um relacionamento, começou a receber
ligações de pessoas querendo contratá-la para programas sexuais. Após breve
investigação, descobriu que o autor do e-mail que divulgava seu telefone era o
ex. Depois da indenização ter passado de R$ 15 mil para R$ 30 mil, o processo
veio parar no STJ por meio de agravo de instrumento.
Outros
casos similares foram julgados pela Corte. Em 2012, discutiu-se o processo de
um homem que recebeu indenização por ter o seu nome e telefone divulgados em
site de anúncios sexuais. O diferencial é que a Quarta Turma reconheceu que o
provedor que hospedou o anúncio deveria responder solidariamente pelos danos
causados, pois participava da cadeia de prestação de serviço (REsp 997.993).
Plágio
Com
a informação em todo local, as possibilidades de plágio aumentaram
sensivelmente. Além do próprio plagiador, há também uma possibilidade de o
provedor de acesso responder pelo crime, caso se recuse a tirar do ar o
material ilegal assim que notificado pelo lesado (AREsp 259.482)
O
plágio em trabalhos escolares foi tema de uma decisão monocrática do ministro
Sérgio Kukina, que manteve o entendimento da instância inferior. No caso, o
Tribunal Regional Federal da 4ª Região determinou que, para que a certificação
da conclusão do curso ocorresse, todas as etapas do processo de titulação
deveriam ser cumpridos. Se o trabalho final das alunas foi desconsiderado por
contar com trechos de outros autores, sem a indicação da fonte, não há
conclusão do curso (REsp 1.132.838).
Sistema Financeiro
Em
2001, o STJ julgou habeas corpus de um conhecido empresário, que respondia por
crime contra o Sistema Financeiro Nacional por divulgar informações falsas ou
prejudicialmente incompletas por correio eletrônico sobre o Banco Bradesco.
Segundo
denúncia do Ministério Público Federal (MPF), o empresário, que chegou a ser
preso, utilizando-se do nome Marcos C. como remetente, divulgou a várias
pessoas e instituições financeiras informações falsas e alarmantes sobre a
instituição financeira. Sua intenção seria causar um efeito cascata e
multiplicador, visando afetar a credibilidade do Bradesco perante seus
correntistas e acionistas e abalar o sistema financeiro nacional como um todo.
O habeas corpus foi negado (HC 182.99).
Outro
crime comum contra o sistema financeiro são as fraudes relacionadas a
instituições bancárias e afins. Nos últimos cinco anos, dezenas de ações
envolvendo integrantes de quadrilhas especializadas no desvio de dinheiro pela
internet foram julgadas. Várias operações da Polícia Federal passaram pelo
Tribunal, principalmente em pedidos de habeas corpus. A Galáticos, que prendeu
52 pessoas, foi uma delas (HC 74.335).
Pedofilia
Em
fevereiro de 2007, o STJ entendeu que o envio de fotos pornográficas de menores
por e-mail era crime. O assunto chegou à Corte depois de uma decisão do
Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro que assegurava que só existiria crime se
houvesse publicação do material e não apenas sua divulgação.
Para
o ministro Gilson Dipp, relator do processo, "as fotos eram transmitidas
por sites da internet, através de chats, endereços eletrônicos e grupos de
conversação. A sua disponibilização por meio desses recursos virtuais permite o
acesso de qualquer usuário, como ocorreu com os investigadores do núcleo de
informática criado pelo MP" (REsp 617.221).
Conflitos
de competência envolvendo casos de pedofilia também passaram pelo STJ.
Recentemente foi determinado que o caso de estagiário que fez download de
vídeos de pornografia infantil em escolas da rede municipal de ensino de
Curitiba deveria ser julgado pela Justiça estadual, já que o material não
ultrapassou os limites do estabelecimento (CC 103.011).
Venda de medicamentos
Facilitadora
do comércio anônimo, a internet possibilitou a criação de sites de venda de
medicamentos ilegais. O habeas corpus de um dos idealizadores e coordenadores
de uma dessas páginas, especializada em venda de esteroides e anabolizantes,
foi julgado e negado pelo STJ. Além de não haver autorização da Anvisa, as
drogas ainda eram vendidas sem informações e em embalagens que conseguiam
enganar a polícia e a alfândega.
Remédios
controlados também são comercializados com facilidade na rede. Em 2012, a
Quinta Turma manteve o mandado de prisão preventiva de um homem acusado de
vender oxicodona, analgésico mais forte que a morfina, geralmente indicado para
pacientes terminais. O suspeito foi preso nos Estados Unidos em uma operação do
Drug Eforcement Administration – DEA (RHC 290.22).
Ao
facilitar o surgimento de novos crimes e possibilitar novas formas de execução
daqueles que já estão previstos no ordenamento legal e pacificados nos
tribunais, a internet ainda tem muito o que ser explorado por legisladores e
julgadores.
Processos APn 163, REsp 997993, AREsp 259482, REsp
1132838, HC 18299, HC 74335, REsp 617221, CC 103011, RHC 29022
Fonte
Âmbito Jurídico