O medo de ficar ultrapassado angustia muitos
profissionais. Veja o que fazer para não cair nessa armadilha
Boa
parte de seus bens ficará obsoleta até o fim deste ano. Pense em sua TV, em seu
computador ou em seu celular. No momento em que você está lendo esta
reportagem, algum lançamento está transformando seu aparelhinho recém-comprado
em peça de museu.
Trata-se
de uma estratégia deliberada da indústria chamada obsolescência programada. Faz
parte do plano de negócios de fabricantes de telefones, de roupas ou de carros
prever o envelhecimento de seus próprios produtos para que consumidores sintam
a necessidade de comprar novos modelos e assim manterem-se atualizados.
Pode
parecer maléfico, mas, segundo o guru do marketing Philip Kotler, é competição
pura: num mercado livre, sempre aparece alguém capaz de fazer um produto ou
serviço melhor. Nenhuma consultoria inventou ainda a obsolescência programada
de pessoas, mas a sensação de estar defasado na carreira incomoda muitos
profissionais.
“O
mercado está mais exigente, e mesmo as pessoas competentes estão sendo
demitidas”, diz Yvete Piha Lehman, professora do Departamento de Psicologia
Social e do Trabalho da Universidade de São Paulo. “Isso tudo gera uma
ansiedade no profissional e uma pressão para que ele se mantenha inteirado o
tempo todo.”
O
que outrora conferia status de sabedoria hoje é visto como indício de
caducidade. “Até dez anos atrás, passar dos 40 significava ganhar respeito e
reconhecimento dos colegas”, diz Yvete. “Hoje, não há mais garantias.”
Embora
exista uma valorização recente de profissionais veteranos em diversas áreas
onde há escassez de mão de obra qualificada, as empresas contratam e promovem
rapidamente jovens para substituir os mais velhos com o objetivo de reduzir
despesas. Segundo dados do Dieese, as pessoas com até 29 anos já ocupam 33% dos
postos de trabalho formais.
Segundo
Tom Chatfield, autor do livro Como Viver na Era Digital, trata-se de um engano
traçar uma linha entre as gerações. “Existem jovens com pouco conhecimento
digital e pessoas mais velhas que dominam esse universo”, afirma.
No
entanto, o autor britânico diz que “a pressão que os trabalhadores sofrem é
para que eles mesmos cuidem da própria carreira e do desenvolvimento de suas
habilidades”.
Tradicional
ou conservador são palavras que o publicitário Marcelo Ponzoni, de 47 anos,
sócio da agência Rae, MP, de São Paulo, não usa nunca para se definir. Marcelo
lembra quando ouviu, pela primeira vez, a palavra Twitter, cerca de sete anos
atrás. Achou o site estranho, o conceito esquisito, mas tratou de fazer um
perfil na rede social.
“O
que quer que fosse aquilo, eu queria participar”, diz. Hoje, de posse de dois
iPads (um fica em casa e o outro no trabalho), um iPhone e outros produtos da
Apple, Marcelo combate a ansiedade de ficar desatualizado fazendo perguntas.
“Pergunto tudo, o tempo todo, para todo mundo”, diz.
O
mais aporrinhado com as questões de Marcelo é seu filho de 16 anos, que
diariamente é questionado sobre as novidades que estão em seu radar. Os
funcionários da agência também não escapam. “Aproveito que sou chefe e todo
mundo tem de me responder”, afirma Marcelo, brincando.
“O
maior problema da minha geração é que as pessoas acham que precisam mostrar que
sabem de tudo”, diz Marcelo. “Elas têm medo de perguntar e mostrar que são
ignorantes em alguns assuntos.”
Mania de sabe tudo
A
mais importante medida para um veterano não se transformar num dinossauro de
escritório é manter a conexão com os mais jovens.
“Quem
ficou para trás não percebe sua situação. O grupo em que essa pessoa está
inserida é que percebe e emite sinais. É preciso ficar atento a eles”, diz
Bárbara Olivier, gerente da consultoria em educação LAB SSJ, de São Paulo.
Para
ter certeza de que nunca ficará para trás, Lucyval de Souza Torres, de 46 anos,
coordenador de retenção de tributos fiscais da operadora Claro, de São Paulo,
busca se antecipar às tendências. Uma de suas estratégias é trocar de celular
três vezes ao ano.
“Gosto
de ter o que é mais novo no mercado”, diz Lucyval. Essa necessidade constante
de atualização já quase rendeu problemas conjugais.
Durante
as últimas férias em família, na praia de Pipa, no Rio Grande do Norte, o sinal
fraco de internet no quarto obrigava Lucyval a escapulir, enquanto a mulher
tomava banho, para ler os e-mails, ver as postagens dos amigos no Facebook e
Instagram e checar as mensagens do aplicativo Whastapp perto da recepção, onde
o telefone funcionava melhor.
Segundo
Lucyval, esse foi o jeito que ele encontrou para se manter em dia com os
jovens.
Como
ocorre com produtos que ficam velhos logo após o lançamento, alguns
profissionais começam a se preocupar em evitar a obsolescência antes mesmo de
amadurecer. O estudante carioca de ciência da computação Leonardo Miguel, de 23
anos, já sofre dessa ansiedade.
“Fico
na sala de aula pensando que o que estou aprendendo ali já não servirá para
nada”, afirma Leonardo. Para Rosa Farah, coordenadora do Núcleo de Pesquisa da
Psicologia em Informática da PUC de São Paulo, a paranoia com atualização faz
parte de um processo de adaptação ao mundo atual.
“Nos
próximos anos, as pessoas conseguirão encontrar um ponto de equilíbrio”, diz
Rosa. O melhor a fazer é usar o medo de ficar para trás a seu favor. O filósofo
canadense Marshall McLuhan (1911-1980) costumava dizer que obsolescência não
era o fim, era apenas o início de alguma coisa. Se seu conhecimento está
ficando velho, aprenda algo novo.
Por
Mariana Amaro
Fonte
Exame.com