Quem
diria que conhecer a personalidade dos advogados ajuda a aumentar as receitas
do escritório? A consultora Ronda Muir, especializada em desenvolvimento organizacional
e dinâmica das bancas, diz que isso já foi confirmado por estudos. Ela acredita
que, com um bom conhecimento do perfil psicológico de seus advogados, as
sociedades têm mais facilidade para conquistar clientes, aproveitar melhor as
oportunidades de negócios, aperfeiçoar suas estratégias operacionais, tomar
melhores decisões de gerenciamento e aumentar a produtividade dos advogados.
Tudo
isso é possível, garantiu ela em um artigo publicado pela FindLaw. O
conhecimento é importante, ressalta, para os administradores do escritório
atribuírem responsabilidades, escolhendo os advogados certos para os casos
certos ou para selecionar a melhor estratégia para ajudar clientes a solucionar
conflitos. Também é útil para montar equipes com capacidade para analisar
problemas por diversos ângulos e propor soluções diferenciadas.
Serve,
ainda, para advogados que pretendem montar uma sociedade e desejam contar com
personalidades que se complementam, para aumentar o campo de ação e a
competitividade.
A
área de resolução de conflitos é um bom exemplo de oportunidade para ganhar ou
manter clientes, com a simples escolha do advogado com a personalidade certa
para gerir um caso. A banca precisa descobrir qual é a melhor estratégia para
resolver cada conflito — e o advogado capaz de aplicá-la de forma eficiente —
para aumentar as probabilidades de resolvê-lo e, portanto, aproveitar melhor as
oportunidades que surgem.
Há
um método conhecido de resolução de conflitos, o de Thomas-Kilmann. É uma
ferramenta que identifica e avalia as cinco melhores estratégias para esse fim:
"competir" (ou disputar), "colaborar" (trabalhar em
conjunto para resolver um problema), "chegar a acordo" (abrindo mão
de reivindicações), "dispensar" (o caso, desistindo de uma disputa
difícil) e "acomodar" (a situação). Essas estratégias envolvem níveis
diferentes de cooperação e exigem empregos diferentes de tempo e de esforço,
diz a teoria.
Idealmente,
cada pessoa deveria ter a capacidade de avaliar um determinado conflito sob
todos os ângulos, comparando-os com os cinco métodos de resolução à disposição.
E escolher o melhor. No entanto, na prática, as pessoas tendem a adotar uma ou
duas dessas estratégias apenas, por hábito ou conveniência. Advogados, como
lhes é típico, têm uma preferência por "competir" (vamos ver quem
ganha) e "dispensar" ("estou fora dessa") — as duas
estratégias menos cooperativas, diz a consultora.
Isso
é, na verdade, apenas uma tendência e, obviamente, não se aplica a todos os
advogados e a todas as situações. Mas é uma tendência normal, que difere os
advogados de, por exemplo, empresários e administradores públicos, que
preferem, de uma maneira geral, optar por estratégias na seguinte ordem:
colaborar, chegar a acordo, competir, dispensar e acomodar. Os advogados, por
sua vez, tendem a se sentir mais atraídos pela guerra total, com a perspectiva
da vitória, ou pela retirada, se a probabilidade de vencer não for boa.
Por
isso, perdem oportunidades de negócios. Se empresários e outros possíveis
clientes tendem a preferir, em primeira instância, "colaborar" e, sem
segunda, "chegar a um acordo" em vista de um conflito, a
probabilidade de os advogados se sintonizarem com eles — e manter uma relação
mais duradoura — seria a de se colocar na mesma posição do cliente. Isto é,
concordar em tentar a colaboração e o acordo, primeiramente. E trabalhar para
isso. De outra maneira, quem acaba se retirando é o cliente.
Tipos de personalidade
Um
método de avaliação de personalidade é o "Myers Briggs Type Indicator
(MBTI)". Ele foi usado em um estudo elaborado para avaliar os tipos de
personalidades predominantes dos americanos, com destaque para algumas
profissões, incluindo a de advogado.
A
primeira categoria separa os "extrovertidos" dos
"introvertidos", mais conhecida popularmente. Os extrovertidos são
sociáveis, comunicativos, interativos e gostam de expor suas opiniões. Os
introvertidos são o contrário e concentram sua energia no mundo dos
pensamentos. A maioria da população do país é extrovertida (70%). Entretanto, a
maioria da população de advogados é introvertida (57%) — o que foi uma
surpresa.
A
segunda categoria confronta os "sensoriais" e os
"intuitivos". Os sensoriais, realistas e práticos, obtêm informações
por meio de fatos e dados concretos. Valorizam a expertise e a lógica. Os
intuitivos, criativos e complexos, processam as informações que recebem,
observam, pensam e intuem suas próprias conclusões. Examinam como fatos e
ideias se inter-relacionam. Outra surpresa: 50% dos advogados são intuitivos,
enquanto 70% da população é sensorial.
A
terceira categoria opõe os "pensadores" aos "sentimentais"
— aqueles com maior tendência de sentir do que de pensar. Os pensadores são
objetivos, pesam prós e contras, não deixam os sentimentos influenciarem suas
decisões, valorizam a lógica e a justiça. Os sentimentais tendem a tomar
decisões com base em seus instintos e em seus sentimentos. Valorizam a harmonia
e a empatia. Nenhuma surpresa: 78% dos advogados são pensadores, contra 47% da
população em geral.
A
quarta categoria compara os "julgadores" com os
"perceptivos". Julgadores ficam satisfeitos quando decisões são
tomadas. Não deixam problemas se acumularem, agem sem pensar muito, preferindo
se arrepender. Os perceptivos preferem decisões bem pensadas e,
consequentemente, com mais chances de acertar. Pensam muito antes de agir,
porque não querem se arrepender. Julgadores mergulham em projetos e os
finalizam. Perceptivos esperam o momento certo de iniciar um projeto. Também
sem surpresas: 63% dos advogados e 55% da população americana são julgadores.
Aplicação prática
Faz
sentido o fato de mais advogados (57%) serem introvertidos? Pode ser. Ajuda,
por exemplo, a cumprir a prescrição da confidencialidade. Não falar demais.
"Os introvertidos internalizam seus processos de pensamento, produzindo
uma opinião significativa quando se expressam", diz a consultora. Os 43%
restantes, os extrovertidos, preferem discutir as questões e, consequentemente,
as interações interpessoais. E são mais úteis para desenvolver relacionamentos
com clientes e com todas as demais pessoas envolvidas em sua atividade.
No
entanto, ambos podem programar suas mentes para agir de forma extrovertida ou
introvertida conforme as situações e necessidades. É questão de desligar uma
tomada e ligar outra, conscientemente. As demais características de
personalidade acompanham o mesmo raciocínio: elas são mais ou menos úteis para
determinadas tarefas ou projetos da banca; e os advogados, com autoprogramação,
podem ligar ou desligar seu lado sensorial/intuitivo, pensador/sentimental ou
julgador/perceptivo.
Atributos da personalidade
O
professor da Universidade da Pensilvânia Martin Selegman foi o fundador da
escola de Psicologia Positiva, que se foca em atributos e comportamentos que
geram sucesso e felicidade. Ele identificou um atributo que é fundamental para
ambos: otimismo — com base em um estudo de 104 profissões. A conclusão vale
para 103 profissões. Não vale para advocacia.
Os
advogados, no exercício da profissão, são consistentemente pessimistas, revelou
o estudo — desde a faculdade de Direito (o autor não tinha dados sobre jardim
de infância). E, no estudo, o pessimismo foi correlacionado aos advogados que
fazem sucesso na atuação profissional. Na faculdade, os alunos mais pessimistas
eram os que obtinham notas mais altas. "Na advocacia, o pessimismo é um
atributo positivo", conclui o estudo. "Ele exerce efeitos profundos
nos indivíduos com essa qualidade profissional, afetando suas capacidades de
resistir e seus relacionamentos profissionais e pessoais", escreveu.
Em
outra avaliação de personalidade, em uso há 40 anos, feita com mais de um
milhão de profissionais, com base na ferramenta "Caliper Personality
Profile" (Perfil Caliper), revelou uma qualidade que distingue os
advogados dos demais seres humanos: o ceticismo.
O
método define ceticismo como uma característica que varia da capacidade de ser
cínico, crítico, interrogador, discutidor e autoprotetor, no polo superior, a
tolerante, confiante, favorável ao benefício da dúvida, no polo inferior. Entre
a população "normal", a "taxa de ceticismo" está em torno
de 50%. Entre os advogados, ela está em torno de 90%.
"Essa
característica pode ser muito útil na advocacia, particularmente nas áreas de
contencioso, tributária e de fusões e aquisições", diz o estudo. "O
problema, é que as pessoas tendem a usar seus atributos de personalidade
característicos em todas as áreas de suas vidas. E nível tão alto de ceticismo pode
complicar reuniões de sócios, deliberações da equipe, trabalhos de comissões e
os relacionamentos pessoais, que exigiriam mais confiança e colaboração",
afirma o estudo.
Outros
atributos que se evidenciaram em altas doses nos advogados são o de sentimento
de urgência (senso de imediação ou impaciência) e o de autonomia (independência
ou morte). Atributos manifestos em baixa dose são resiliência (processamento de
retorno de informações, comentários e opiniões e recuperação de derrotas) e
sociabilidade (interação com outros e iniciação de conexões íntimas).
Inteligência emocional
O
teste de inteligência emocional, conhecido como "Mayer Salovey Caruso
Emotional Intelligence Test (MSCEIT)", trouxe uma boa notícia e uma má
notícia para os advogados. O escore de inteligência dos advogados (115-130) é
bem mais alto do que a média nacional dos EUA. No entanto, a inteligência
emocional foi o contrário, basicamente. A pontuação mais baixa foi em
"capacidade de perceber suas próprias emoções e as dos outros". A mais
alta foi em "capacidade de entender emoções, como uma habilidade mais
cognitiva".
Isso
significa, segundo o estudo, que os advogados são capazes de racionalizar, com
competência, sobre emoções e suas implicações, mas os dados emocionais que
analisam dia sim, dia não, provavelmente são incompletos ou imprecisos — os
advogados têm dificuldade de entender o que eles mesmos e os outros estão
sentindo. O resultado é que os advogados podem ter mais dificuldades do que
outros profissionais de reagir tranquilamente diante de um cliente insatisfeito
ou irritado, a um colega subjugado por excesso de trabalho ou a um sócio
raivoso — e, às vezes, até mesmo às próprias reações.
Esse
estudo pode ser comparado com a pesquisa que colocou a maioria dos advogados
americanos como extrovertidos, intuitivos, mas não sentimentais. Também se pode
estabelecer correlações entre advogados brasileiros e americanos.
De
qualquer forma, os administradores do escritório, munidos de conhecimentos
sobre a personalidade e comportamentos dos advogados, podem entender melhor a
dinâmica organizacional da banca e utilizar melhor os atributos de seus
colaboradores, diz a consultora.
Por
João Ozorio de Melo
Fonte
Consultor Jurídico