Dizem
que um povo que não conhece a sua história corre o risco de repeti-la como
farsa ou como tragédia. Exemplo disso é um projeto de lei que tramita no
Congresso (PL nº 3880/2012), que amplia os casos passíveis de indenização
previstos no Código Civil. Pelo projeto, o juiz deverá levar em conta a
extensão do dano, em todos os seus aspectos (morais, materiais, estéticos e
sociais) antes de definir o valor da indenização. Tal projeto desconhece a
história do dano moral no Brasil.
Antes
de Constituição de 1988 existia dúvida acerca da possibilidade de reparação do
dano puramente moral. Essa dúvida foi eliminada pelas disposições contidas nos
incisos V e X do artigo 5º da Constituição Federal, que admitem, expressamente,
a indenização do dano moral. Surgiram, então, as primeiras ações em que se
postulava a reparação do dano moral puro.
O
STJ, inicialmente, não interferia na fixação do valor das indenizações por dano
moral. Contudo, os abusos - e os escândalos - foram tantos que a jurisprudência
do tribunal evoluiu, passando a corte a intervir nesses casos. Consolidou-se na
jurisprudência o entendimento de que é possível majorar ou reduzir o valor
fixado como indenização, em sede de recurso especial, quando entender irrisório
ou exagerado.
O
estudo dos precedentes da corte revela que a modificação da posição anterior
foi motivada pelos exageros cometidos pelos tribunais locais que, com
costumeira frequência, passaram a fixar indenizações que ultrapassavam a casa
dos milhões de reais. Por diversas vezes, o STJ foi instado a reduzir o valor
de indenizações que se transformavam em verdadeiras fontes de enriquecimento
sem causa.
Se
é correto afirmar que o dano moral deve ser indenizado - e não há nenhuma
dúvida sobre isso - é igualmente correto
que se afirme que o valor da indenização deve ser fixado sem excessos,
evitando-se enriquecimento sem causa da parte atingida pelo ato ilícito.
A
função da indenização é a reparação do dano. O ordenamento jurídico brasileiro
- pelo menos até hoje - não abraçou o
instituto dos "punitive damages" , que tem origem nos países de
"common law". Aliás, ao contrário do que pensam muitos, mesmo nesses
países tal instituto é alvo de severas críticas.
Nos
Estados Unidos, alguns Estados proíbem os "punitive damages". Outros
impõem limitações ao valor da indenização e determinam que parte da indenização
seja destinada a fundos públicos. E mais: exige-se o dolo como requisito para a
admissibilidade dos "punitive damages".
A
premissa trazida pelo autor da proposta - de que o descumprimento da lei é economicamente
vantajoso - não é correta. A alteração legislativa, tal como proposta, abrirá
espaços para a fixação de indenizações absurdas, dará margem ao arbítrio e à
arbitrariedade. Cabendo aqui lembrar que, em entrevista recente veiculada na
revista Veja, a ministra Eliana Calmon, que atuou como corregedora nacional da
Justiça, afirmou que esses casos (indenizações por dano moral) são nichos
preferenciais para aqueles (poucos) juízes que têm como objetivo “fazer da
Justiça um balcão de negócios”.
É
preferível que a lei não seja alterada e que a fixação do valor da indenização
continue a ser tarefa do juiz que deverá realizar o arbitramento de acordo com
as peculiaridades do caso concreto, orientado pelos critérios sugeridos pela
doutrina e pela jurisprudência, com razoabilidade, valendo-se de sua
experiência e do bom senso, atento à realidade da vida e evitando que o valor
da reparação se torne em fonte de enriquecimento sem causa.
Por
Ulisses César Martins de Sousa
Fonte
Espaço Vital