Não se trata de uma violência qualquer. A mais compreensiva (e, ao mesmo tempo, complexa) definição de bullying é a seguinte: ele compreende atitudes agressivas de todas as formas, praticadas intencional e repetidamente, dentro de uma relação de desigual poder e sem motivação evidente, emanadas de um ou mais indivíduos contra outro(s), causando dor e angústia (Fante, 2005).
O que diferencia o bullying escolar de outros conflitos ou desavenças dentro das escolas é seu caráter repetitivo, sistemático, doloroso e intencional de agredir alguém (verbal, física, moral, sexual, virtual ou psicologicamente), notoriamente em situação de vulnerabilidade, evidenciando um desequilíbrio de força (poder e dominação) entre os envolvidos.
Nota-se o caráter repetitivo quando as ações do bullie (o agressor) são desferidas contra a mesma vítima num determinado período, pelo menos três ou mais vezes no mesmo ano letivo, o que, para fins dos estudos de Dan Olweus, é caracterizado como bullying (Olweus, 1998).
Quando os atos ocorrem de forma reiterada ou, até mesmo, constante, a vítima, aos poucos, torna-se cada vez mais fragilizada, oprimida e amedrontada, caracterizando esta específica agressão.
O comportamento sistemático não se confunde com o meramente repetitivo, visto que este se destaca pelo modo metódico e ordenado que maltrata a vítima. Basta dizer que ela simplesmente já sabe “o que a espera” antes mesmo de o ato ocorrer. A vítima se angustia e sofre por imaginar que o bullie se valerá dos usuais tipos de atrocidades.
Para caracterizar o bullying é inevitável também que o comportamento do agressor seja intencional. Suas ações devem ser propositais, desejadas e voluntárias. Não há como caracterizar este fenômeno, se a intenção do bullie não é causar danos ou prejudicar a vítima.
Para que o conceito de bullying esteja caracterizado por completo, ademais, deve haver desequilíbrio de força (poder e dominação) entre os envolvidos. No bullying há um verdadeiro desequilíbrio de poder físico, psicológico ou social. Essa assimetria pode ser explicada tanto pelas diferenças físicas (cor da pele, sotaque, peso, altura, raça), sociais (aspectos econômicos e culturais) ou emocionais (personalidade ou temperamento, por exemplo).
Meras brincadeiras ou conflitos naturais entre crianças e adolescentes (pertencentes, geralmente, à faixa etária de 11 a 15 anos) não podem ser confundidas com todo o complexo processo do bullying. São particularmente caracterizadoras do bullying aquelas situações que deixam de ser saudáveis ou meramente jocosas, como as risadas, piadas e brigas corriqueiras, e que ganham aspectos cruéis e perversos. Não se pode, assim, confundir o bullying com outros tipos de agressão, visto que aquele exige “uma persecução pertinaz de insultos e desqualificações, durante um bom período de tempo, que são mantidas até alcançar que a vítima seja denegrida e perca sua capacidade de reação digna” (Ortega, em Ortega coord.: 2010, p. 18).
De outro lado, importa sublinhar que há várias modalidades de bullying, destacando-se o escolar. Ademais, ele pode ser graduado. Se o bullying de primeiro grau já é muito sério, mais preocupante ainda é o de segundo grau, que configura verdadeira “vitimização psicológica” (Ortega, em Ortega coord.: 2010, p. 17 e 19). O nascimento assim como a graduação do bullying está diretamente ligado ao comportamento da vítima. O bullying é subjetivamente relacional (ou seja: está relacionado com alguém). Não existe bullying sem um agressor e uma vítima, sem um dominador e um dominado.
Quando a vítima apresenta uma reação assertiva (afirmativa, positiva, enérgica, psicologicamente bem estruturada) frente a uma agressão ou a uma brincadeira, normalmente não nasce o fenômeno do bullying. Se as agressões se perpetuam e a vítima passa a ter um comportamento negativo (não reativo), surge tal processo, que pode alcançar níveis assombrosos de vitimização psicológica (e até mesmo de letalidade) (Ortega, em Ortega coord.: 2010, p. 19).
O bullying configura uma subcategoria de violência bem específica que, de brincadeira, não tem nada. Estudado aqui em seu âmbito escolar, abrange muito mais do que desentendimentos cotidianos escolares e problemas estudantis, visto que ele representa um verdadeiro processo maléfico às vítimas nele inseridas, podendo, inclusive, ser fatal.
Sem sombra de dúvida cabe afirmar que o problema do bullying nunca teve tanta visibilidade como agora, inclusive no Brasil, sobretudo depois da tragédia do Realengo (RJ), em 2011. Hoje se pode dizer que é infinita a quantidade de pesquisadores e pesquisas no mundo todo voltados para a detecção e entendimento do tema (Ortega, em Ortega coord.: 2010, p. 15 e ss.). Existe um certo consenso no sentido de que o fenômeno do bullying já está definitivamente identificado (e estudado). A questão crucial consiste em como preveni-lo, como controlá-lo. De outro lado, como definir os programas de contenção dessa violência, observando-se que a eficácia de cada programa está sempre condicionada ao seu contexto (político, educacional, escolar, econômico etc.).
A escola tem por missão inerente contribuir para o crescimento e desenvolvimento de uma pessoa equilibrada, sensata, solidária e segura, porém, nem sempre isso é o que acontece, porque ela também é fonte de muitos conflitos interpessoais. Tanto os órgãos nacionais como os internacionais proclamam que a escola tem como prioridade a educação para a paz, para a tolerância e para a não violência. Ocorre que a escola, o método de ensino e o próprio sistema educacional passam por momentos difíceis, tendo em vista a conflitividade (superficialidade, transitoriedade) imanente ao mundo globalizado, que acaba desaguando para dentro das escolas.
O fenômeno do bullying não é novo, porém, a cada dia ele ganha mais notoriedade. Daí ser incompreensível que os agentes da educação (diretores, coordenadores, professores, psicopedagogos etc.) e os pais não conheçam tudo que já foi estudado sobre esse assunto. A massa de informação já disponível sobre o tema poderia (pode) desempenhar um papel incrivelmente preventivo e contensivo, o que significa salvar vidas ou, no mínimo, comportamentos indesejados e nefastos (que impedem o normal desenvolvimento da personalidade da criança ou do adolescente, quando o fenômeno tem esses sujeitos como vítimas).
Por Luiz Flávio Gomes
Fonte Última Instância