Recentemente, voltou à tona no Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro a discussão referente à autonomia dos honorários de sucumbência, para fins de recebimento da respectiva quantia, se for o caso, por meio da chamada Requisição de Pequeno Valor (RPV).
Em síntese, a controvérsia é a seguinte: o artigo 100, parágrafo 4º, da Constituição Federal, vedaria que se considerassem os honorários sucumbenciais um direito autônomo, ou deveria ser este valor somado ao da condenação principal, a fim de se aferir se o montante é inferior ao valor do teto para o recebimento por RPV? Em outras palavras: ao se considerar os honorários como direito autônomo, estar-se-ia fracionando o débito e, com isso, violando a regra constitucional mencionada? A resposta deve ser negativa.
Em primeiro lugar, a Constituição não menciona expressamente os honorários advocatícios, como parcela que deve integrar o valor principal para fins de expedição de precatório ou de pagamento por RPV. Por outro lado, decorre do sistema que tais verbas constituem direito autônomo, pois são titularizadas por pessoa diversa daquela credora do valor principal. Tanto é assim que o advogado pode executar os honorários em nome próprio (artigo 23 da Lei 8.906/94).
Fica claro, portanto, que quando a Constituição fala em “fracionamento”, se refere ao fracionamento do mesmo débito. O mesmo débito, por sua vez, corresponde às mesmas partes na relação jurídica, credor e devedor. Se o credor é diverso, o débito também o será, e a separação das verbas não constituirá fracionamento.
Nessa esteira, o enunciado de 135 da Súmula do TJ-RJ estabelece, de forma correta, que os honorários de sucumbência constituem verba autônoma para fins de expedição de RPV[1].
Como se sabe, no caso de haver súmula ou precedente em arguição de inconstitucionalidade já julgado pelo tribunal, os novos incidentes não devem ser novamente encaminhados ao órgão competente (Tribunal Pleno ou Órgão Especial, quando houver).
Ocorre que, recentemente, em um dos processos em que tal discussão foi travada, o Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro requereu expressamente a remessa dos autos ao Órgão Especial, a fim de que fosse apreciada sua proposta de cancelamento do referido enunciado (Incidente de uniformização de Jurisprudência 0017935-68.2011.8.19.0000, Órgão Especial do TJ-RJ).
A OAB-RJ, diante disso, requereu o ingresso no processo, na qualidade de amicus curiae. Reafirmamos o entendimento acima sintetizado no sentido da autonomia de tais verbas. Além disso, alertamos o tribunal para o fato de haver um julgamento em andamento no STF sobre a mesma matéria (RE 564.132-5 RS), no qual já constam cinco votos a favor da tese da autonomia, e apenas um contrário, encontrando-se o processo com vista para a ministra Ellen Gracie.
Diante de tais argumentos, o Órgão Especial do Tribunal decidiu manter, por unanimidade, o enunciado em vigor. A menos, portanto, que o julgamento no STF seja revertido, o que não se afigura provável, a questão parece estar sob controle na Justiça Estadual do Rio de Janeiro.
Já no âmbito da Justiça Federal, a questão está regulada pelo artigo 20 da Resolução 122/2010 do Conselho da Justiça Federal[2], órgão vinculado ao Superior Tribunal de Justiça.
Muito embora a regra já tenha sido alterada algumas vezes, atualmente a previsão contida da referida Resolução é também no sentido da autonomia dos honorários, para fins de expedição de RPV de forma apartada do débito principal.
Interessante notar que a referida Resolução excepciona expressamente os honorários contratuais, muito embora apenas recentemente o STJ tenha manifestado o entendimento de que estes integram o conceito de perdas e danos, a ser liquidado e executado contra a parte que deu causa à demanda.
De fato, no caso dos honorários contratuais cobrados a título de perdas e danos da parte vencedora, não se pode falar em fracionamento do valor, eis que o credor de tal montante é a mesma parte credora do valor da condenação principal. Ter-se-ia, de fato um fracionamento.
Esse recente julgado do STJ, aliás, só serve para reforçar o caráter autônomo dos honorários de sucumbência. Ora, ao reconhecer que a parte pode buscar a reparação pelas perdas e danos, considerando o que gastou com honorários advocatícios contratuais, parte do pressuposto de que os honorários sucumbenciais não se prestam a esse mesmo fim, como acontecia na égide da Lei 4.215/63. De outro modo, pertencem ao advogado.
Esse, portanto, o entendimento que deve hoje prevalecer. Vários colegas dependem de sua manutenção para continuarem sobrevivendo da advocacia. A OAB-RJ permanecerá atuando para que o STF confirme esse mesmo entendimento, como já vem sinalizando a ampla maioria de votos já proferidos a favor da tese, especialmente diante da já anunciada aposentadoria da ministra Ellen Gracie.
[1] Os honorários advocatícios de sucumbência constituem verba autônoma de natureza alimentar, podendo ser objeto de requisição especifica e independente de requisitório correspondente a condenação devida a parte.
[2] Art. 20. Ao advogado será atribuída a qualidade de beneficiário quando se tratar de honorários sucumbenciais e de honorários contratuais.
§ 1º Os honorários sucumbenciais não devem ser considerados como parcela integrante do valor devido a cada credor para fins de classificação do requisitório como de pequeno valor, sendo expedida requisição própria.
§ 2º Os honorários contratuais devem ser considerados como parcela integrante do valor devido a cada credor para fins de classificação do requisitório como de pequeno valor.
§ 3º Em se tratando de RPV em que houve renúncia, o valor devido ao beneficiário somado aos honorários contratuais não pode ultrapassar o valor máximo estipulado para tal modalidade de requisição.
Por Wadih Damous
Fonte Consultor Jurídico