Quando
remunerada, a consulta jurídica prestada por um advogado ao seu cliente é um
serviço que tem valor para além da remuneração para o advogado e da orientação
transmitida ao cliente.
O
serviço de advocacia está essencialmente relacionado com o conhecimento
jurídico, seja ele aplicado em uma petição, em uma audiência (de conciliação,
de instrução e julgamento ou plenária do júri), ou até mesmo em uma “simples
conversa” com o cliente. O nome dessa “simples conversa” chama-se consulta, que
para muitos é apenas uma “conversinha”.
Na
verdade, essa denominação de “conversinha” não passa de um meio comum para
tentar não remunerar o trabalho do advogado, o que mostra a desvalorização pela
profissão e, de modo geral, pelo trabalho intelectual no Brasil. Para muitos, a
transmissão do saber não tem valor se não for aplicado pelo próprio
profissional em algum trabalho posterior. Dessa mentalidade resulta a
dificuldade de muitos advogados em cobrarem pelas suas consultas e em terem seu
trabalho valorizado.
O
conhecimento e trabalho do advogado são expressos por meio de palavras:
escritas ou orais, dirigidas ao juiz ou ao próprio cliente. A linguagem e a
fala são os instrumentos de trabalho do advogado, que instrumentalizam o seu
conhecimento. A consulta é um serviço de análise prestado pelo advogado, que
aplica o seu conhecimento, tempo e trabalho para avaliar uma dada
situação-caso-processo com a finalidade de oferecer aconselhamento jurídico. Em
algumas situações, como quando já existe um processo judicial, para prestar uma
boa consulta, o advogado precisa estudar dezenas, centenas ou até milhares de
folhas dos autos e consultar doutrina e jurisprudência para atender bem ao
cliente. Por trás do tempo da consulta que o cliente presencia, pode existir
todo um trabalho feito nos bastidores, que nem é visto, nem é valorizado.
Todo
trabalho que atende às necessidades humanas é importante e tem valor, de sorte
que merece ser dignamente remunerado. O conhecimento é a ferramenta de trabalho
do advogado e ele deve ser remunerado sempre que o utiliza. Mesmo que seu
conhecimento e seu tempo sejam aplicados em um problema que mais tarde se
mostre insolúvel ou inexistente, o seu trabalho deve ser remunerado, da mesma
maneira que deve acontecer em todo trabalho/profissão.
Seguindo
esse princípio da valorização do trabalho do advogado, as Seccionais da Ordem
dos Advogados do Brasil estipulam valores mínimos a serem cobrados por uma
consulta – que podem variar bastante1 –, na tentativa de valorizar a profissão
e velar pela probidade. Infelizmente, os próprios advogados fazem uma
concorrência predatória em que frequentemente ninguém sai ganhando, nem mesmo o
cliente que deixou de pagar por uma consulta.
A
consulta com um bom advogado pode indicar problemas ou ajudar a evitá-los e/ou resolvê-los.
Aparentemente simples, algumas informações ou instruções podem ser cruciais
para obter-se espantosos resultados. Uma análise de um contrato pode evitar
longas disputas familiares e perdas patrimoniais; uma indicação de procedimento
a adotar pode resultar em uma economia considerável em tributos para o cliente
ou até mesmo evitar a prática de crime e eventual aplicação de sanção penal. Ou
as palavras do advogado podem se limitar a dizer: “não há nada a ser feito,
porque seu problema não tem solução” ou “no seu caso, não há nenhum problema”.
O problema que o cliente pensava que tinha ou teria, uma boa consulta pode dar
a certeza de sua inexistência, inevitabilidade ou insolubilidade. Tudo isso tem
valor e deve ser valorizado.
Há
vários benefícios em se ter uma boa e sincera consulta com um advogado que não
costumam ser corretamente visualizados ou considerados pelos clientes, assim
como pelos próprios advogados. É na consulta remunerada que o cliente
provavelmente ouvirá considerações desse tipo: não há nada a ser feito no seu
caso; seu direito está prescrito; não há direito; a melhor solução é pagar a
dívida e evitar um processo judicial, com todos os seus custos; as chances de
sucesso em entrar com uma ação são mínimas e as chances de prejuízo, grandes;
não vale a pena litigar; por causa dos custos com honorários advocatícios e com
o processo, o melhor é deixar esse assunto para lá. Todas essas orientações
encerram a remuneração e o trabalho do advogado na própria consulta.
Para
o advogado que está oferecendo gratuitamente uma consulta, que não está sendo
remunerado pelo essa diligência, todas essas frases implicam que ele não será
remunerado depois, a não ser que tenha uma expectativa de um dia aquele cliente
voltar e, com sorte, que não seja para outra “consulta grátis”. Mas a
recompensa imediata é certamente mais tentadora e mais fácil encorajar o
cliente a, de algum modo, litigar. Se o advogado só ganha quando atua em juízo
litigando, sua atuação profissional será voltada para o litígio. Afinal de
contas, vivemos em uma sociedade capitalista-consumista e o advogado também tem
seus gastos e suas contas para pagar, o que não consegue fazer só com
“consultas grátis”. Se a consulta é gratuita, o advogado será naturalmente
tentado a ser remunerado de outras maneiras, que podem custar muito mais caro
para o cliente que a remuneração de uma consulta, além de potenciais prejuízos.
A consulta gratuita não passar de uma ilusão de economia, que pode causar
enormes gastos e prejuízos ao cliente.
Na
consulta gratuita, há uma dinâmica prejudicial para todos os seus
participantes, que pode ser ilustrada com um exemplo comum na advocacia
(mudam-se os detalhes, mas o principal é corriqueiro), e a importância de uma
boa e sincera consulta. Utiliza-se a área criminal para título de ilustração,
em que há um primeiro advogado, que não cobra consulta, mas “inventa” um
serviço, e o segundo, que é devidamente remunerado pela consulta e, por isso,
será plenamente remunerado sem a existência de diligência posterior à própria
consulta.
No
primeiro advogado, o cliente é orientado que é possível mudar o resultado de
sentença penal condenatória, sendo informado da existência da ação de revisão
criminal2. De fato, é possível modificar uma sentença penal transitada em
julgado. Porém, as chances de sucesso costumam ser muito reduzidas, tratando-se
de ação penal visivelmente excepcional, considerando-se sua finalidade de
desconstituir uma sentença penal transitada em julgado. Não obstante, o
primeiro advogado apresenta, para o cliente, como se fosse uma ação normal e
lhe cobra R$ 10.000,00 (dez mil reais) para entrar com a ação; para o cliente,
não ser informado da excepcionalidade da ação já significa uma chance razoável
de sucesso, o que lhe leva a investir (dinheiro, tempo, energia, esperanças) em
projeto que provavelmente fracassará. Como a consulta é gratuita, esse advogado
nem sequer estuda o processo, limita-se a escutar o que o cliente lhe diz e já
“inventa” um serviço futuro; depois, “cria” uma petição e leva a diante a já fadada
diligência.
Mas
o cliente desconfia desse serviço oferecido. Afinal de contas, existe uma
condenação criminal e não deve ser muito fácil alterar esse resultado negativo.
Por isso, ele busca uma segunda opinião antes de investir seus R$ 10.000,00 (dez
mil reais), apesar da esperança criada3. Ele marca uma consulta com o segundo
advogado, que só presta consultas remuneradas, cobrando-lhe o valor de R$
1.000,00 (mil reais), valor pelo qual avalia ser bem remunerado para estudar
todo o processo e prestar atendimento ao cliente. Se for necessário e do
interesse do cliente, outro valor será acordado para propor a eventual ação4.
Para o segundo advogado, se o trabalho com aquele cliente se encerrar ali, ele
já se considera bem remunerado.
O
cliente fica meio apreensivo em pagar esse valor, considerando-se que a
primeira consulta foi gratuita. Mas acaba por contratar o serviço, por ter sido
o segundo advogado bem recomendado e porque “vale mais perder mil que dez mil”.
O cliente, então, informa o segundo advogado que “ouviu falar de uma tal de
revisão criminal” e quer saber se ele tem chance de se beneficiar dela. O
cliente não menciona que já lhe foi prestada uma consulta (gratuita) e que essa
será uma segunda opinião sobre o caso – esse “ouviu falar” é sempre forte
indício de que não se trata da primeira consulta do cliente –. O segundo
advogado estuda o processo e presta atendimento ao cliente, informando-lhe
literalmente: “A ação de revisão criminal é naturalmente difícil, porque seu
objetivo é modificar uma sentença transitada em julgado, isto é, uma sentença
sobre a qual já não cabe mais recurso e que deve permanecer imutável. Apenas em
casos excepcionais, é possível modificá-la. No seu caso, não há nenhum dos
requisitos do art. 621 do CPP – ele lê para o cliente os requisitos e faz a
comparação com os elementos dos autos –. O resultado de seu processo até
poderia ter sido outro, se tivesse sido realizado um bom trabalho no seu devido
tempo. Mas não vejo chances de modificar esse resultado por meio de ação de
revisão criminal. As chances de sucesso são remotas. Se eu fosse o(a) sr.(a),
não gastaria um centavo para tentar alterar essa sentença. O melhor é se
conformar com o resultado e seguir adiante, sem falsas esperanças”.
No
primeiro caso (“consulta grátis”), o advogado acaba por iludir o cliente,
apresentando esperanças dificilmente concretizáveis, e propõe uma diligência
futura que pode ser por ele realizada sem nem sequer ter se dado trabalho de
estudar o caso adequadamente – dificilmente um advogado que presta consulta
gratuita vai estudar diligentemente todo o processo antes de atender, porque
isso demanda tempo e trabalho –; no segundo caso, o advogado apresenta para o
cliente o que avalia ser a realidade, após uma análise detida do caso e sem
pensar em ganhos posteriores.
Não
é difícil escolher a situação em que gostaríamos de nos encontrar se fôssemos o
cliente, porque vale mais gastar R$ 1.000,00 (mil reais) para sermos
devidamente esclarecidos, que pagar R$ 10.000,00 (dez mil reais) para comprar
uma ilusão. O problema é que esse cenário dificilmente se mostra de forma clara
para o cliente antes de contratado o serviço, o qual só se dá conta de tudo o
que realmente aconteceu após o resultado negativo do trabalho; movido pela arraigada
desvalorização do trabalho, é mais fácil escolher o caminho da consulta
gratuita, sem nem sequer cogitar sobre esses aspectos prejudiciais de não
remunerar o advogado.
Claro
que a primeira conduta acima mencionada é contrária à ética da advocacia, notadamente
aos artigos 2º e 8º do Código de Ética e Disciplina da OAB, porquanto a
advocacia exige atuação com honestidade, veracidade, lealdade, boa-fé e tantos
outros deveres. É vedado iludir o cliente, mostrando o dificilmente
concretizável ou até mesmo o impossível como um provável resultado de uma ação
judicial. Não obstante, a conduta é compreensível, afinal de contas, o advogado
que dá “consulta grátis” também precisa ser remunerado de algum modo. Note-se:
compreensível, não justificável5.
O
mais evidente benefício do advogado com a consulta remunerada é a própria
remuneração. Mas nela há outros pontos positivos, há ganhos subjacentes. A
consulta remunerada serve para evitar o dispêndio de tempo com falsos clientes
(o curioso) e o cliente que não valoriza o trabalho do advogado. Existem muitos
clientes que simplesmente não estão dispostos a pagar pelo serviço do advogado
– ou mesmo não têm condições econômicas de fazê-lo –, de modo que é
contraproducente atendê-los inicialmente de maneira gratuita esperando
remuneração posterior. Nesse caso, muitas vezes, quem compra uma ilusão é o
advogado.
Importante
sublinhar que um dos grandes problemas envolvendo a advocacia está relacionado
àqueles que têm (fartas) condições de remunerar o trabalho do advogado, mas
simplesmente não valorizam a profissão e, por isso, querem pagar o mínimo
possível e ainda assim exigir o máximo. Quanto aos que não têm mesmo condições
de remunerar o profissional, todos têm direito a assistência jurídica6e os que
não têm condições de arcar com os custos devem procurar as Defensorias
Públicas, lembrando-se que o Defensor Público é remunerado pelo Estado, ele não
trabalha de graça. Quem tem dever de prestar assistência jurídica gratuita aos
pobre é o Estado, em nome da sociedade, não o advogado. O advogado não tem
obrigação jurídica ou moral de trabalhar de graça para suprir deficiências do
Estado, quando este não se esforça em efetivamente assistir aos mais
necessitados.
Para
o advogado, o valor da remuneração da consulta vai além do dinheiro, servindo
para evitar o dispêndio inútil de tempo, com todos os problemas que isso
ocasiona, como aborrecimentos – quem advoga sabe que o pior cliente é aquele
que não quer pagar, porque desvaloriza o trabalho do advogado e, por isso,
acredita pagar muito em troca de receber muito pouco –. Além disso, fortalece a
credibilidade do advogado perante a sociedade, que é seu principal capital: o
advogado que indica a melhor solução para um problema sempre fortalece sua
credibilidade. Para o advogado, a remuneração pela consulta promove o exercício
de sua profissão com dedicação e probidade, ao ter mais entusiasmo, tempo e
tranquilidade para trabalhar, benefícios que podem ser maiores que a própria
remuneração recebida. Para o advogado, o
verdadeiro valor da consulta remunerada é ter valorizado o seu trabalho e
profissão, podendo prestar um serviço de qualidade, além de selecionar bons
clientes.
A
remuneração da consulta também traz importantes implicações e vantagens para o
cliente que a remunera, afinal de contas, trabalha melhor quem é devidamente
remunerado. A remuneração da consulta significa valorizar o trabalho e
profissão do advogado, incentivando o seu exercício probo e digno. Os
fundamentos de uma boa consulta jurídica são tempo, conhecimento, dedicação
para estudar uma causa e reais condições de emitir um parecer sincero, sem que
o advogado seja condicionado à eventual retorno econômico posterior. Ao
retribuir, de imediato, o trabalho do advogado, o cliente tem mais chances de
encontrar um profissional que efetivamente trabalhará em sua causa com
dedicação e probidade, o que possibilita a efetiva transmissão do conhecimento
ao cliente. O cliente terá maiores chances de saber a verdade, o que pode ser
feito e quais as chances de sucesso. Para
o cliente, o verdadeiro valor da consulta remunerada é a maior probabilidade de
ser-lhe transmitido um parecer jurídico qualificado e honesto sobre determinada
situação.
A
gratuidade da consulta jurídica apresenta-se como um regime predatório em que
todos perdem, principalmente o cliente, que pode acabar pagando caro por
ilusões e falsas esperanças; também o advogado que a presta perde, tanto do
ponto de vista econômico quanto profissional e moral, porque abala sua
credibilidade e lucra sobre ilusão e prejuízo do cliente; e o advogado probo,
perde ao deixar de prestar consultas e encontrar resistência dos clientes em
remunerar o seu trabalho.
A
consulta jurídica remunerada beneficia advogado e cliente; como em toda relação
contratual equilibrada, as duas partes ganham. Há ganhos evidentes e
subjacentes, os quais não costumam ser identificados e, talvez por isso, nem
valorizados por advogados e clientes. Justamente esses ganhos subjacentes que
constituem o verdadeiro valor da consulta para o cliente e para o advogado.
1 Cf. levantamento de valores disponível no
seguinte site: http://www.migalhas.com.br/Quentes/17,MI151133,101048-Consultas+com+advogados+no+Brasil+variam+de+R+120+a+R+161915.
O levantamento feito pelo site do Migalhas é um pouco antigo, do ano de 2012,
mas serve perfeitamente para mostrar a exigência em todos os estados da
Federação e a variação entre os valores mínimos a serem cobrados pela consulta.
Pode-se até questionar o montante mínimo para as consultas, contudo, questionar
a exigência de uma remuneração pela consulta traz vários problemas por promover
a desvalorização da profissão, que já está em processo avançado.
2 Código de Processo Penal, artigos 621 a 631.
3 O ser humano tende a acreditar naquilo que quer
acreditar, apesar de não existir provas ou mesmo em se tratando de uma crença
irracional ou absurda. É fácil ser convencido daquilo que se quer acreditar.
4 Um bom recurso é computar, no serviço final, o
valor da consulta na hipótese de ser necessário trabalho posterior, o que se
apresenta conveniente para cliente e advogado. Desconta-se o valor da consulta,
o que encorajará o cliente a remunerar a consulta e eventualmente contratar
eventual(is) diligência(s) posterior(es). À medida que o diagnóstico
apresentado pelo advogado na consulta inicial for se concretizando, o cliente
fortalecerá sua confiança, percebendo que não se trata de um advogado que
“vende ilusões”.
5 A classe médica continua sendo, ainda, uma das
únicas que ainda consegue ter o serviço de consultoria valorizado. Não tenho
conhecimento de médico que faça consultas gratuitas. Ainda bem. Imaginem
quantas cirurgias desnecessárias seriam realizadas para remunerar o
profissional que não cobrou pela consulta? Tão nobre quanto seja a profissão da
medicina e quanto possam ser seus profissionais, todos nós vivemos numa
sociedade capitalista de consumo e todos precisamos ser remunerados pelo nosso
trabalho, de maneira que nenhuma classe profissional está livre desse tipo de
risco. Quem não é pago por uma consulta que, por si só, é suficiente para
resolver o problema do cliente, tenderá a inventar situações que exijam um
trabalho posterior, esse sim remunerado. Aí é que está o grande perigo do
serviço inicial gratuito. Também não tenho conhecimento de um cliente que não
quis remunerar o médico porque ele lhe disse que estava plenamente saudável ou
que sua doença era incurável, o que, mutatis mutandis, costuma acontecer no
cotidiano da advocacia.
6 CF, art. 5º, LXXIV: “o Estado prestará
assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de
recursos”.
Por
André Filipe do Nascimento Mendes