O Supremo Tribunal Federal assentou tese de
que o prazo para discutir dano material decorrente do serviço de transporte
aéreo internacional segue o regramento das convenções de Montreal e Varsóvia, que
é de dois anos. Já os pedidos de dano moral, em que estão em jogo os direitos
de personalidade dos passageiros, se submetem ao prazo prescricional estipulado
no artigo 27 do Código de Defesa do Consumidor (CDC), de cinco anos.
Com este entendimento, a maioria da 11ª
Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul derrubou preliminar, nos
autos do recurso de apelação, que tentou livrar uma agência de turismo da
condenação em danos morais por suprimir trecho de uma viagem de ‘"lua de
mel"’ à Argentina realizada em 2011. O dano material já havia sido
resolvido na via extrajudicial, pela devolução do dinheiro em caráter amigável.
Na análise do caso concreto, o desembargador-relator
Aymoré Roque Pottes de Mello, voto vencedor neste julgamento, confirmou
integralmente os fundamentos da sentença, ressaltando que entre o início da
viagem (agosto de 2011) e a data do ajuizamento da ação por responsabilidade
civil (agosto de 2014) não transcorreu o prazo prescricional quinquenal
previsto no referido artigo do CDC. Ademais, no mérito, os prestadores do
serviço — agência e companhia aérea —, como era seu dever, não comprovaram o "motivo
de força maior" para justificar o cancelamento do trecho.
"Desta forma, está configurada a falha
na prestação de serviços pela ré-apelante, ausentando-se do caderno processual
qualquer circunstância que afaste o dever de reparar os danos decorrentes da
sua conduta, pois não há prova da configuração de qualquer excludente da sua
responsabilidade no caso", anotou no voto o desembargador-relator. O
acórdão foi lavrado na sessão telepresencial de 19 de junho.
Lua de mel tardia
Eduardo Estivallet e Betina Bratkoski
compraram um pacote de viagem da agência de turismo Point da Neve, de Porto
Alegre, com destino à Terra do Fogo/Patagônia, na Argentina. O pacote
contratado previa uma noite em Buenos Aires (de 20 a 21 de agosto de 2011), seis
noites em Ushuaia (de 21 a 27 de agosto) e duas noites em El Calafate (de 27 a 29
de agosto). O transportador contratado: Aerolíneas Argentinas.
Para o casal, a viagem era um sonho, uma
espécie de "lua de mel tardia". É que, em 2010, quando se casaram, ambos
não tinham condições de bancar o custo da viagem. Tanto que, para realizam-na, tiveram
de se programar — e poupar — com bastante antecedência, inclusive se desfazendo
de um automóvel.
Às vésperas da viagem, surpreendentemente, ambos
foram informados de que o voo para El Calafate tinha sido cancelado, sob
alegação de que a Aerolíneas não operava mais no trecho Ushuaia-El Calafate. A
notícia frustrou os sonhos do casal, que ansiava conhecer as geleiras do local,
em especial fazer o safári náutico até as geleiras de Perito Moreno.
O casal ainda tentou buscar uma solução para
não perder esta parte do roteiro, sugerindo à agência de turismo a opção por transporte
terrestre. No entanto, a Aerolíneas Argentinas e a agência de turismo
consideraram inviável esta possibilidade. Frustrado, o casal pensou em desistir
da viagem, mas o contrato previa que o cancelamento com menos de 30 dias antes
da data do check-in no hotel acarretaria a retenção de 100% do valor integral
mais cobrança da taxa de serviço, no valor de U$ 100. Assim, pesando a relação
custo-benefício, era mais vantajoso fazer a viagem de qualquer maneira. E assim
foi feito.
Durante um passeio em Ushuaia, conversando
com outros viajantes daquele tour, o casal se deu conta de que foi o único
prejudicado com o cancelamento do trecho aéreo. Apesar, do stress gerado pela
situação, a agência concordou em devolver o valor pago pelo trecho não
usufruído.
Decorridos exatos três anos do tour no sul
da Argentina, o casal ajuizou ação de indenização por danos morais em face da
operadora de turismo e da companhia aérea na 1ª Vara Cível do Foro Regional da
Restinga, na Comarca de Porto Alegre. Além discorrer sobre a frustração do
cancelamento do trecho turístico, sustentou que o roteiro para El Calafate
poderia ser refeito. Esta possibilidade ficou evidente quando surgiram
informações de que outros passageiros, em dias anteriores e posteriores ao tour
marcado pela Point da Neve, conseguiram ir para El Calafete.
Os réus se defendem
Em contestação, a Point da Neve disse que o
cancelamento do voo para este trecho foi comunicado com antecedência e, mesmo
assim, de comum acordo, foi mantida a viagem somente para Ushuaia. Alegou que
os autores omitiram a resposta ao e-mail datado de 22 de agosto de 2011 acerca
da viabilidade da viagem a El Calafate um dia antes do planejado. Nesta
mensagem, observou, autora mostrou desinteresse em antecipar em um dia a
chegada a este destino. Assim, como a comunicação entre a agência e os autores
se deu sempre de forma amigável, não se pode falar em dano moral.
A Aerolíneas Argentinas atribuiu o
cancelamento do voo à erupção vulcânica ocorrida no Chile, que lançou grande
quantidade de detritos no espaço aéreo, ocasionando o fechamento de aeroportos
no sul do Brasil, Chile e Argentina. Disse que acionou o seu programa de
emergência, colocando maior número de funcionários à disposição dos clientes, para
realocação dos passageiros em outros voos. Entretanto, apesar das providências,
não foi possível realocar os autores, pois não havia condições de
trafegabilidade no trecho saindo de Ushuaia. Defendeu a existência de
excludente de responsabilidade (força maior) e, em decorrência, inexistência de
dano moral.
Sentença procedente
A juíza Daniela Azevedo Hampe julgou
integralmente procedente a ação indenizatória, por entender que o impedimento
em visitar um dos destinos mais esperados causou abalo emocional, angústia e
frustração nos autores. A seu ver, ficou provada a relação de causalidade entre
o dano moral sofrido pelos autores e a ação da agência de turismo e da empresa
aérea. Afinal, o artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor (CDC) diz que o
fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela
reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à
prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas
sobre sua fruição e riscos.
Segundo a juíza, um dia depois de conversar
com um dos autores acerca da inviabilidade da viagem pela via terrestre, a ré
Point da Neve teve ciência de que os voos para El Calafate poderiam se
normalizar a partir de 15 de agosto. Como a viagem dos autores teve início em 20
de agosto, "‘cai por terra" a alegação de que o voo não pôde ser
realizado em razão da atividade de vulcão localizado no Chile.
"O cancelamento até pode ser admitido
como medida de segurança em razão do fenômeno natural, mas se os voos foram
retomados antes da data em que os autores viajaram e havia tempo hábil para que
o impasse fosse sanado sem que os autores precisassem passar por toda a
situação relatada, o evento da natureza não pode ser utilizado para excluir a
responsabilidade das rés, que foram negligentes e não se esforçaram a contento
para cumprir o contrato na forma inicialmente entabulada, o que era possível e
exigível", concluiu Daniela. As rés foram condenadas a pagar, solidariamente,
R$ 5 mil a titulo de reparação moral a cada autor.
Apelação ao TJ-RS
Da sentença, apelou apenas a ré Point da
Neve. Além de negar a ocorrência do serviço defeituoso, gerador de dano moral, arguiu
que a ação indenizatória estava prescrita, visto que ajuizada três anos após os
fatos supostamente danosos. É que os litígios decorrentes de transporte
internacional de passageiros são resolvidos segundo as regras das convenções de
Montreal e Varsóvia, que estabelecem o marco prescricional de dois anos.
Com isso, no presente caso, não seria
aplicável a regra prevista no artigo 27 do Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90),
que estipula em cinco anos a pretensão de reparação pelos danos que causam
defeitos em produtos ou serviços.
Para ler a sentença: https://www.conjur.com.br/dl/sentenca-vara-civel-foro-regional3.pdf
Para ler o acórdão de apelação: https://www.conjur.com.br/dl/sentenca-vara-civel-foro-regional3.pdf
001/1.14.0233245-0 (Comarca de Porto Alegre)
Por Jomar Martins
Fonte Consultor Jurídico