Desistência, Exoneração,
Contratações Temporárias Irregulares, diversas são as hipóteses que podem fazer
surgir um direito à nomeação do aprovado em cadastro de reserva
Sabe aquele concurso que você fez e ficou
com a sensação de que bateu na trave? Obteve a aprovação e terminou bem
classificado, mas permaneceu no cadastro de reserva, fora do número de vagas. Pois
é, todo concurseiro já passou por essa experiência ou possivelmente ainda
passará.
Mas saiba que, mesmo sendo aprovado fora do
número de vagas, por vezes, você pode ter direito à nomeação.
O que é ter direito
à nomeação?
Trata-se do direito subjetivo a ser nomeado
a determinado cargo ou emprego público, o qual surge quando o candidato é
aprovado dentro do número de vagas especificado no edital do concurso.
A publicação do edital faz prova da
existência de cargos vagos, vinculando a Administração Pública, que fica
obrigada a preenchê-los.
É como se, em observância ao princípio da
boa-fé, da segurança jurídica e da proteção à confiança, o Ente Público ficasse
submisso às regras do edital que ele mesmo publicou.
Isso quer dizer, em outras palavras, que a
própria Administração, ao publicar um edital com referência a um certo número
de vagas, restringiu a sua liberdade de escolha, pois criou uma legítima
expectativa nos candidatos de que haveria pelo menos a nomeação do número de
pessoas descrito, o que ocasiona a criação de um dever para ela própria.
Nem sempre foi esse o entendimento
jurisprudencial. Antigamente, entendia-se que a descrição do número de vagas
gerava mera expectativa de direito, isto é, algo que o candidato espera que
ocorra, mas que não lhe gera direito ou garantia. Isso foi modificado em 2011, quando
o Supremo Tribunal Federal fixou a tese 161, a qual diz exatamente isso que
expliquei.
É por isso que depois dessa data a estrutura
dos editais dos concursos mudou. Ao invés da divulgação do número de vagas ser
correspondente ao número de candidatos que se espera convocar, os órgãos
públicos passaram a disponibilizar poucas vagas, de modo a não se vincularem, deixando
o restante como cadastro de reserva (em número previsto no edital do certame), que
nada mais é do que um banco de aprovados para eventuais contratações futuras.
Nesse caso, a Administração Pública não diz
que há necessidade de contratação imediata, mas apenas faz uma lista de
aprovados para, na eventualidade de precisar, utilizá-la para preencher seu
quadro de pessoal, pelo que não se vincula, isto é, não fica obrigada a convocá-los,
gerando mera expectativa de direito.
Mas é bem possível que vocês já saibam disso.
O que quero alertá-los, é que, mesmo não sendo aprovados dentro desse número de
vagas, ainda assim pode surgir o direito subjetivo de ser nomeado.
Quando se tem
direito a ser nomeado sendo aprovado no cadastro de reserva?
Sempre que, dentro do prazo de validade do
concurso, a Administração Pública, em virtude de seu comportamento, demonstrar
que há a necessidade do preenchimento de vagas em seu quadro de pessoal, estará
a criar um direito na esfera subjetiva do candidato aprovado em posição
imediatamente subsequente à dos aprovados dentro do número de vagas imediatas.
Esse comportamento, que pode ser expresso ou
tácito, pode ocorrer de diversas maneiras. Vejamos algumas:
a) abertura de novo
concurso durante o prazo de validade do certame anterior
Cena comum, por exemplo, é a abertura de
novo edital, durante o período de validade do certame anterior, para o
provimento de um número determinado de vagas.
Ora, como vimos, a previsão editalícia de um
número específico de vagas vincula a Administração, gerando o direito à
nomeação dos aprovados.
Contudo, o novo edital não pode servir como
desculpa para a preterição arbitrária e imotivada dos aprovados em um concurso
anterior que ainda está válido.
Assim, se um Município abrir novo certame
para o preenchimento imediato de 2 vagas para o cargo de professor de
matemática, em princípio, quem terá o direito adquirido à nomeação serão os
dois aprovados seguintes na ordem de classificação do concurso anterior, e não
os dois primeiros aprovados neste novo concurso.
O raciocínio é simples: ao anunciar no
último edital duas novas vagas, demonstrou, por meio de seu comportamento, a
necessidade de preenchimento do seu quadro de pessoal de professores de
matemática.
Sendo assim, não seria plausível, em havendo
um concurso para o provimento do mesmo cargo ainda válido, preterir os que
foram nele aprovados para convocar os aprovados no concurso posterior.
Situação diferente seria se o concurso
previsse apenas cadastro de reserva. Nesse caso, a Administração Pública não
estaria demonstrando a necessidade de contratação imediata de pessoal, de modo
que não geraria direito adquirido a ninguém, embora ainda ficasse vinculada ao
respeito à ordem de classificação do certame anterior.
Saliento que isso não significa que este
novo concurso seja inválido, mas apenas que seus aprovados não podem ser
convocados sem que antes se esgote a convocação dos aprovados no concurso
anterior.
b) contratação
temporária irregular, cargos em comissão e terceirização indevida
Outra hipótese corriqueira é quando há a
contratação temporária de pessoal para cargo com as mesmas atribuições e com a
mesma lotação, mas sem fundamento que a legitime.
A contratação temporária é hipótese
extraordinária que dispensa a exigência de concurso público, estando prevista
no artigo 37, IX da Constituição para as situações de necessidade temporária de
excepcional interesse público, as quais devem ser previstas taxativamente em
lei do respectivo ente federado (Município, Estado, Distrito Federal e União).
Normalmente diz respeito a situações de
assistência a calamidades públicas ou de combate a surtos endêmicos, na qual a
temporariedade da contratação é justificada pela própria transitoriedade das
circunstâncias fáticas: uma vez finda a calamidade ou controlado o surto, não
há mais razão para se manter os servidores no quadro da Administração.
Por vezes, ainda, é a natureza do serviço a
ser prestado que justifique a contratação temporária.
Pensemos em um Município que se vê
repentinamente desfalcado em seu quadro de médicos. Se fosse preciso aguardar
todas as etapas de um concurso público para que só então se pudesse efetivar a
contratação de novos profissionais, correr-se-ia o risco de haver uma
paralisação, por falta de pessoal, do serviço público de saúde, prejudicando
toda a população da cidade.
Para que isso não ocorresse, excepcionalmente
permitiria-se a contratação de médicos por prazo determinado por meio de um
processo seletivo simplificado.
Paralelamente, caberia à Administração
Municipal organizar um concurso público para o provimento - em caráter
permanente - desses mesmos cargos.
Entretanto, não raro essas hipóteses não
estão presentes no caso concreto e, ainda assim, os órgãos públicos as utilizam
como motivo para contratação temporária, dispensando o provimento de cargos
efetivos.
Ora, se a necessidade não é temporária, presume-se,
contrario sensu, que seja permanente, de modo que mais uma vez, em virtude de
seu comportamento, estará a Administração Pública a criar um direito subjetivo
à nomeação do aprovado em cadastro de reserva, pois demonstrou ser preciso
preencher seu quadro de pessoal.
Portanto, sempre que for possível evidenciar
que a contratação temporária realizada pela Administração foi ilegal, porque
decorrente de necessidade permanente, deverá o ato que lhe deu origem ser
anulado e o cargo preenchido pelos aprovados no concurso público que
eventualmente ainda esteja válido.
Vejamos um pequeno trecho de um precedente
jurisdicional para fins de exemplo:
Não
há ilegalidade, em princípio, na contratação de pessoal em caráter temporário
pela Administração para suprir necessidade temporária de serviço; porém, se
essa transitoriedade não se verificar, e se houver concurso público em vigor, com
candidatos aprovados aguardando nomeação para cargo com as mesmas atribuições e
com a mesma lotação dos temporários, restará caracterizada preterição a ensejar
a violação de direito líquido e certo dos concursados (TJSC, Grupo de Câmaras
de Direito Público, Mandado de Segurança n. 2013.027452-6, da Capital, rel. Des.
Jorge Luiz de Borba, j. 12.08.2015).
Nessa mesma linha de raciocínio podemos
enquadrar situações nas quais a Administração Pública nomeia indevidamente
servidor para cargo em comissão ou então terceiriza irregularmente a atividade
a ser desempenhada.
Em suma, é preciso ficar atento a qualquer
ato que, aparentando legalidade, substitua a investidura em cargo ou emprego
público por concurso público por outras formas de contratação, suplantando
indevidamente o direito à nomeação do aprovado.
c) desistência ou
exoneração de nomeados
Ainda, podemos falar sobre a desistência ou
exoneração de um candidato aprovado, uma vez que novamente se evidenciará a
necessidade de contratação.
Se a Administração Pública convocou o
candidato classificado em posição imediatamente anterior foi porque havia cargo
vago. Logo, em não ocorrendo sua assunção por desistência ou posterior
exoneração, por óbvio, o cargo permanecerá sem preenchimento, daí decorrendo um
dever de nomeação do candidato subsequente.
Reparem que não é possível elencarmos um rol
taxativo de hipóteses que fazem surgir o direito à nomeação, pois este é
consequência pura e simples do surgimento de novas vagas durante o período de
validade do concurso, e isso pode ocorrer de inúmeras maneiras, seja por um dos
meios que citamos, seja ainda em virtude de vacância pelo falecimento de um
servidor, aposentadoria, posse em outro cargo inacumulável ou alguma outra
circunstância que o mundo dos fatos nos apresentar.
Por isso reitero que o mais importante é a
observância do comportamento da Administração Pública, que eventualmente pode
revelar a existência de cargos vagos a serem preenchidos, ocasião na qual
surgirá o direito à nomeação daquele que foi aprovado em cadastro de reserva.
Por Gabriel Escouto
Fonte Jusbrasil Notícias