quarta-feira, 24 de abril de 2019

SAIBA QUANDO SE TEM DIREITO À NOMEAÇÃO EM CASO DE APROVAÇÃO EM CONCURSO PÚBLICO FORA DO NÚMERO DE VAGAS

Desistência, Exoneração, Contratações Temporárias Irregulares, diversas são as hipóteses que podem fazer surgir um direito à nomeação do aprovado em cadastro de reserva

Sabe aquele concurso que você fez e ficou com a sensação de que bateu na trave? Obteve a aprovação e terminou bem classificado, mas permaneceu no cadastro de reserva, fora do número de vagas. Pois é, todo concurseiro já passou por essa experiência ou possivelmente ainda passará.
Mas saiba que, mesmo sendo aprovado fora do número de vagas, por vezes, você pode ter direito à nomeação.

O que é ter direito à nomeação?
Trata-se do direito subjetivo a ser nomeado a determinado cargo ou emprego público, o qual surge quando o candidato é aprovado dentro do número de vagas especificado no edital do concurso.
A publicação do edital faz prova da existência de cargos vagos, vinculando a Administração Pública, que fica obrigada a preenchê-los.
É como se, em observância ao princípio da boa-fé, da segurança jurídica e da proteção à confiança, o Ente Público ficasse submisso às regras do edital que ele mesmo publicou.
Isso quer dizer, em outras palavras, que a própria Administração, ao publicar um edital com referência a um certo número de vagas, restringiu a sua liberdade de escolha, pois criou uma legítima expectativa nos candidatos de que haveria pelo menos a nomeação do número de pessoas descrito, o que ocasiona a criação de um dever para ela própria.
Nem sempre foi esse o entendimento jurisprudencial. Antigamente, entendia-se que a descrição do número de vagas gerava mera expectativa de direito, isto é, algo que o candidato espera que ocorra, mas que não lhe gera direito ou garantia. Isso foi modificado em 2011, quando o Supremo Tribunal Federal fixou a tese 161, a qual diz exatamente isso que expliquei.
É por isso que depois dessa data a estrutura dos editais dos concursos mudou. Ao invés da divulgação do número de vagas ser correspondente ao número de candidatos que se espera convocar, os órgãos públicos passaram a disponibilizar poucas vagas, de modo a não se vincularem, deixando o restante como cadastro de reserva (em número previsto no edital do certame), que nada mais é do que um banco de aprovados para eventuais contratações futuras.
Nesse caso, a Administração Pública não diz que há necessidade de contratação imediata, mas apenas faz uma lista de aprovados para, na eventualidade de precisar, utilizá-la para preencher seu quadro de pessoal, pelo que não se vincula, isto é, não fica obrigada a convocá-los, gerando mera expectativa de direito.

Mas é bem possível que vocês já saibam disso. O que quero alertá-los, é que, mesmo não sendo aprovados dentro desse número de vagas, ainda assim pode surgir o direito subjetivo de ser nomeado.

Quando se tem direito a ser nomeado sendo aprovado no cadastro de reserva?

Sempre que, dentro do prazo de validade do concurso, a Administração Pública, em virtude de seu comportamento, demonstrar que há a necessidade do preenchimento de vagas em seu quadro de pessoal, estará a criar um direito na esfera subjetiva do candidato aprovado em posição imediatamente subsequente à dos aprovados dentro do número de vagas imediatas.
Esse comportamento, que pode ser expresso ou tácito, pode ocorrer de diversas maneiras. Vejamos algumas:

a) abertura de novo concurso durante o prazo de validade do certame anterior
Cena comum, por exemplo, é a abertura de novo edital, durante o período de validade do certame anterior, para o provimento de um número determinado de vagas.
Ora, como vimos, a previsão editalícia de um número específico de vagas vincula a Administração, gerando o direito à nomeação dos aprovados.
Contudo, o novo edital não pode servir como desculpa para a preterição arbitrária e imotivada dos aprovados em um concurso anterior que ainda está válido.
Assim, se um Município abrir novo certame para o preenchimento imediato de 2 vagas para o cargo de professor de matemática, em princípio, quem terá o direito adquirido à nomeação serão os dois aprovados seguintes na ordem de classificação do concurso anterior, e não os dois primeiros aprovados neste novo concurso.
O raciocínio é simples: ao anunciar no último edital duas novas vagas, demonstrou, por meio de seu comportamento, a necessidade de preenchimento do seu quadro de pessoal de professores de matemática.
Sendo assim, não seria plausível, em havendo um concurso para o provimento do mesmo cargo ainda válido, preterir os que foram nele aprovados para convocar os aprovados no concurso posterior.
Situação diferente seria se o concurso previsse apenas cadastro de reserva. Nesse caso, a Administração Pública não estaria demonstrando a necessidade de contratação imediata de pessoal, de modo que não geraria direito adquirido a ninguém, embora ainda ficasse vinculada ao respeito à ordem de classificação do certame anterior.

Saliento que isso não significa que este novo concurso seja inválido, mas apenas que seus aprovados não podem ser convocados sem que antes se esgote a convocação dos aprovados no concurso anterior.

b) contratação temporária irregular, cargos em comissão e terceirização indevida
Outra hipótese corriqueira é quando há a contratação temporária de pessoal para cargo com as mesmas atribuições e com a mesma lotação, mas sem fundamento que a legitime.
A contratação temporária é hipótese extraordinária que dispensa a exigência de concurso público, estando prevista no artigo 37, IX da Constituição para as situações de necessidade temporária de excepcional interesse público, as quais devem ser previstas taxativamente em lei do respectivo ente federado (Município, Estado, Distrito Federal e União).
Normalmente diz respeito a situações de assistência a calamidades públicas ou de combate a surtos endêmicos, na qual a temporariedade da contratação é justificada pela própria transitoriedade das circunstâncias fáticas: uma vez finda a calamidade ou controlado o surto, não há mais razão para se manter os servidores no quadro da Administração.
Por vezes, ainda, é a natureza do serviço a ser prestado que justifique a contratação temporária.
Pensemos em um Município que se vê repentinamente desfalcado em seu quadro de médicos. Se fosse preciso aguardar todas as etapas de um concurso público para que só então se pudesse efetivar a contratação de novos profissionais, correr-se-ia o risco de haver uma paralisação, por falta de pessoal, do serviço público de saúde, prejudicando toda a população da cidade.
Para que isso não ocorresse, excepcionalmente permitiria-se a contratação de médicos por prazo determinado por meio de um processo seletivo simplificado.
Paralelamente, caberia à Administração Municipal organizar um concurso público para o provimento - em caráter permanente - desses mesmos cargos.
Entretanto, não raro essas hipóteses não estão presentes no caso concreto e, ainda assim, os órgãos públicos as utilizam como motivo para contratação temporária, dispensando o provimento de cargos efetivos.
Ora, se a necessidade não é temporária, presume-se, contrario sensu, que seja permanente, de modo que mais uma vez, em virtude de seu comportamento, estará a Administração Pública a criar um direito subjetivo à nomeação do aprovado em cadastro de reserva, pois demonstrou ser preciso preencher seu quadro de pessoal.
Portanto, sempre que for possível evidenciar que a contratação temporária realizada pela Administração foi ilegal, porque decorrente de necessidade permanente, deverá o ato que lhe deu origem ser anulado e o cargo preenchido pelos aprovados no concurso público que eventualmente ainda esteja válido.
Vejamos um pequeno trecho de um precedente jurisdicional para fins de exemplo:

Não há ilegalidade, em princípio, na contratação de pessoal em caráter temporário pela Administração para suprir necessidade temporária de serviço; porém, se essa transitoriedade não se verificar, e se houver concurso público em vigor, com candidatos aprovados aguardando nomeação para cargo com as mesmas atribuições e com a mesma lotação dos temporários, restará caracterizada preterição a ensejar a violação de direito líquido e certo dos concursados (TJSC, Grupo de Câmaras de Direito Público, Mandado de Segurança n. 2013.027452-6, da Capital, rel. Des. Jorge Luiz de Borba, j. 12.08.2015).

Nessa mesma linha de raciocínio podemos enquadrar situações nas quais a Administração Pública nomeia indevidamente servidor para cargo em comissão ou então terceiriza irregularmente a atividade a ser desempenhada.
Em suma, é preciso ficar atento a qualquer ato que, aparentando legalidade, substitua a investidura em cargo ou emprego público por concurso público por outras formas de contratação, suplantando indevidamente o direito à nomeação do aprovado.

c) desistência ou exoneração de nomeados
Ainda, podemos falar sobre a desistência ou exoneração de um candidato aprovado, uma vez que novamente se evidenciará a necessidade de contratação.
Se a Administração Pública convocou o candidato classificado em posição imediatamente anterior foi porque havia cargo vago. Logo, em não ocorrendo sua assunção por desistência ou posterior exoneração, por óbvio, o cargo permanecerá sem preenchimento, daí decorrendo um dever de nomeação do candidato subsequente.
Reparem que não é possível elencarmos um rol taxativo de hipóteses que fazem surgir o direito à nomeação, pois este é consequência pura e simples do surgimento de novas vagas durante o período de validade do concurso, e isso pode ocorrer de inúmeras maneiras, seja por um dos meios que citamos, seja ainda em virtude de vacância pelo falecimento de um servidor, aposentadoria, posse em outro cargo inacumulável ou alguma outra circunstância que o mundo dos fatos nos apresentar.
Por isso reitero que o mais importante é a observância do comportamento da Administração Pública, que eventualmente pode revelar a existência de cargos vagos a serem preenchidos, ocasião na qual surgirá o direito à nomeação daquele que foi aprovado em cadastro de reserva.
Por Gabriel Escouto
Fonte Jusbrasil Notícias