terça-feira, 2 de julho de 2019

DA VIZINHA FALADEIRA AO CIBERCRIMINOSO

A DEFINIÇÃO DE LIMITES LEGAIS SOBRE RESPONSABILIZAÇÃO DIGITAL E LIBERDADE DE EXPRESSÃO SE DEPARA COM OBSTÁCULOS COMO A IMENSIDÃO DE INFORMAÇÕES DISPONÍVEIS E INCONTROLÁVEIS, NÃO FILTRADAS, SOB ATUALIZAÇÃO CONSTANTE E IMPOSSÍVEL DE APAGAR

A internet é o espaço público do século XXI — a ágora moderna, para usar a imagem das praças na Grécia antiga, símbolo do nascimento das noções de democracia e cidadania. Mas a internet não é só praça pública. É também sala de aula, mercado, consultório, cafeteria, sala de cinema e de televisão. É ainda a sala de estar, o banquinho na praça e a vizinha faladeira. As pessoas usam a internet para todos os tipos de coisa: ler e-mails, postar uma atualização nas redes sociais, fazer reuniões de trabalho, navegar até um destino, curtir uma música ou álbum favorito. É a escolha de cada um.
Na primeira vez que um pesquisador do Massachusetts Institute of Technology estruturou, em 1962, o que seria a rede de computadores que hoje se chama internet, batizou-a de Rede Galáxia. Referiu-se a ela ainda como Galáxia da Informação. Desde esse tempo, foi estabelecida a regra de que não haveria controle global operacional. É um princípio básico da chamada rede de arquitetura aberta.
A World Wide Web abriu-se às pessoas comuns em 1989, como um sistema de compartilhamento de informações. A premissa básica era um espaço neutro onde todos pudessem criar, debater, inovar, aprender e sonhar. Sua utopia era ser a maior invenção gratuita da humanidade, que pudesse ser usada por qualquer pessoa, em qualquer lugar. O espaço público digital daria às pessoas liberdade, espírito empreendedor, possibilidade de criação.
A internet comercial brasileira começou a operar em maio de 1995. Os usuários eram apenas 120 mil ao fim daquele ano. No dado mais recente, o Brasil está em quarto lugar no ranking mundial de usuários de internet, com 120 milhões de pessoas conectadas. Fica atrás apenas de Estados Unidos (242 milhões), Índia (333 milhões) e China (705 milhões). No entanto, apesar do grande número de brasileiros conectados, se for considerado o total de usuários em relação à população, o desempenho brasileiro ainda precisa avançar. Em cada dez brasileiros, quatro estão fora da rede. No Reino Unido, no Japão e na Alemanha, em cada dez cidadãos, apenas um não tem acesso à internet. Nos Estados Unidos e na Rússia, são dois em cada dez. Se analisada a situação econômica, o quadro brasileiro piora. Um terço das casas de baixa renda tem acesso à rede, contra 98% de acesso das famílias ricas.
Esses números mostram os desafios tecnológicos e econômicos. Que não são poucos. A capa desta edição de ÉPOCA levanta outros pontos problemáticos trazidos pela nova ordem. Se nos primeiros tempos havia encanto com o espírito de capacitação dos indivíduos, a liberdade de ler e postar nos blogs mais diversos e o acesso às bibliotecas mais remotas, aos poucos surgiram graves questões a respeito de direitos individuais, segurança pessoal e pública, dilemas éticos e uma nova categoria de crimes, aqueles perpetrados no meio cibernético.
A definição de limites legais sobre responsabilização digital e liberdade de expressão se depara com obstáculos como a imensidão de informações disponíveis e incontroláveis, não filtradas, sob atualização constante e impossível de apagar. Roubo, sendo digital ou não, é de razoável caracterização precisa. Crimes de opinião nem sempre o são. Já campanhas coordenadas de linchamento moral, furto de dados e uso indevido de nomes — comportamentos que definem os novos trolladores — exigem combate por meio de ferramentas inteligentes e investigação adequada. Não transigir com a lei e a ética está na base da regulação necessária dos comportamentos digitais.
Fonte Época Online