A
DEFINIÇÃO DE LIMITES LEGAIS SOBRE RESPONSABILIZAÇÃO DIGITAL E
LIBERDADE DE EXPRESSÃO SE DEPARA COM OBSTÁCULOS COMO A IMENSIDÃO
DE INFORMAÇÕES DISPONÍVEIS E INCONTROLÁVEIS, NÃO FILTRADAS, SOB
ATUALIZAÇÃO CONSTANTE E IMPOSSÍVEL DE APAGAR
A
internet é o espaço público do século XXI — a ágora moderna,
para usar a imagem das praças na Grécia antiga, símbolo do
nascimento das noções de democracia e cidadania. Mas a internet não
é só praça pública. É também sala de aula, mercado,
consultório, cafeteria, sala de cinema e de televisão. É ainda a
sala de estar, o banquinho na praça e a vizinha faladeira. As
pessoas usam a internet para todos os tipos de coisa: ler e-mails,
postar uma atualização nas redes sociais, fazer reuniões de
trabalho, navegar até um destino, curtir uma música ou álbum
favorito. É a escolha de cada um.
Na
primeira vez que um pesquisador do Massachusetts Institute of
Technology estruturou, em 1962, o que seria a rede de computadores
que hoje se chama internet, batizou-a de Rede Galáxia. Referiu-se a
ela ainda como Galáxia da Informação. Desde esse tempo, foi
estabelecida a regra de que não haveria controle global operacional.
É um princípio básico da chamada rede de arquitetura aberta.
A
World Wide Web abriu-se às pessoas comuns em 1989, como um sistema
de compartilhamento de informações. A premissa básica era um
espaço neutro onde todos pudessem criar, debater, inovar, aprender e
sonhar. Sua utopia era ser a maior invenção gratuita da humanidade,
que pudesse ser usada por qualquer pessoa, em qualquer lugar. O
espaço público digital daria às pessoas liberdade, espírito
empreendedor, possibilidade de criação.
A
internet comercial brasileira começou a operar em maio de 1995. Os
usuários eram apenas 120 mil ao fim daquele ano. No dado mais
recente, o Brasil está em quarto lugar no ranking mundial de
usuários de internet, com 120 milhões de pessoas conectadas. Fica
atrás apenas de Estados Unidos (242 milhões), Índia (333 milhões)
e China (705 milhões). No entanto, apesar do grande número de
brasileiros conectados, se for considerado o total de usuários em
relação à população, o desempenho brasileiro ainda precisa
avançar. Em cada dez brasileiros, quatro estão fora da rede. No
Reino Unido, no Japão e na Alemanha, em cada dez cidadãos, apenas
um não tem acesso à internet. Nos Estados Unidos e na Rússia, são
dois em cada dez. Se analisada a situação econômica, o quadro
brasileiro piora. Um terço das casas de baixa renda tem acesso à
rede, contra 98% de acesso das famílias ricas.
Esses
números mostram os desafios tecnológicos e econômicos. Que não
são poucos. A capa desta edição de ÉPOCA levanta outros pontos
problemáticos trazidos pela nova ordem. Se nos primeiros tempos
havia encanto com o espírito de capacitação dos indivíduos, a
liberdade de ler e postar nos blogs mais diversos e o acesso às
bibliotecas mais remotas, aos poucos surgiram graves questões a
respeito de direitos individuais, segurança pessoal e pública,
dilemas éticos e uma nova categoria de crimes, aqueles perpetrados
no meio cibernético.
A
definição de limites legais sobre responsabilização digital e
liberdade de expressão se depara com obstáculos como a imensidão
de informações disponíveis e incontroláveis, não filtradas, sob
atualização constante e impossível de apagar. Roubo, sendo digital
ou não, é de razoável caracterização precisa. Crimes de opinião
nem sempre o são. Já campanhas coordenadas de linchamento moral,
furto de dados e uso indevido de nomes — comportamentos que definem
os novos trolladores — exigem combate por meio de ferramentas
inteligentes e investigação adequada. Não transigir com a lei e a
ética está na base da regulação necessária dos comportamentos
digitais.
Fonte
Época Online