Plantão de vendas: mutuário
deve analisar a procedência do imóvel, taxas e tipo de reajuste aplicado no
contrato antes da compra
Comprar um imóvel novo, na planta, é sonho
de consumo de muita gente, mas exige cuidados básicos para o negócio não acabar
dando mais dor de cabeça do que bom resultado financeiro e satisfação pessoal. Por
mais que as maquetes e croquis e desenhos sejam atraentes, é preciso levar em
conta que se está entrando em um projeto, que vai depender de inúmeras
variáveis, desde a capacidade da construtora em executa-lo até as licenças e as
condições de mercado, que podem elevar demais os custos ao longo da obra.
A compra na planta pode ser bom negócio, sobretudo
para quem vai adquirir o primeiro imóvel para moradia, mas exige muita atenção
às armadilhas no caminho, afirma Annalisa Blando Dal Zotto, especialista em
gestão financeira, investimentos e mercado de capitais pela Fundação Getúlio
Vargas (FGV) e sócia da empresa de investimento financeiro Par Mais.
Entre os principais cuidados está verificar
a procedência do imóvel e todas as taxas que serão cobradas, além de atenção
para o reajuste pelo Índice Nacional de Custo da Construção (INCC), usado na
maioria desses contratos. Além disso, Annalisa destaca “que nem sempre o risco
de comprar o imóvel compensará o custo de oportunidade de deixar o dinheiro
investido”.
De olhos nas regras
de correção de parcelas e distrato
Ricardo Humberto Rocha, especialista em
Economia e Finanças e professor da Saint Paul Escola de Negócios, destaca pelo
menos cinco pontos que considera fundamentais quando se pensa em adquirir
imóvel na planta, seja para moradia ou investimento. São eles: certificar-se da
idoneidade da construtora ou incorporadora; ter clareza do contrato
estabelecido entre as partes; saber bem como será feita a correção das parcelas,
antes e depois da fase de construção, principalmente se houver complemento com
crédito bancário; ter conhecimento prévio das regras e multas em caso de
distrato, além de buscar o máximo possível de informações sobre o preço do
metro quadrado na região e no tipo de imóvel escolhido.
Decisão de compra
exige racionalidade e pesquisa prévia
Rocha lembra que também é preciso ser
racional na hora da aquisição, embora muitos se deixem levar mais por
componentes emocionais. “Antes da decisão de compra a pessoa deverá buscar
informação para sentir-se segura de que terá mesmo capacidade de pagamento, e
também estudar as possibilidades de valorização daquele imóvel que ela deseja”,
orienta.
Para quem busca a opção mais como
investimento ou para geração de renda, com foco em imóveis entre R$ 500 mil e R$
1 milhão, Rocha lembra que as unidades com um ou dois dormitórios podem ser
mais interessantes, pois são as que costumam ter maior demanda. Já para quem
pretende aplicar valores maiores e gosta de investir no ramo de imóveis, ele
sugere investir não diretamente em imóvel, mas em fundos imobiliários de lajes
corporativas, que dão menos trabalho para administrar, pois a tarefa fica na
mão dos gestores dos fundos. Esses fundos têm possibilitado melhor
rentabilidade, inclusive porque seu rendimento não é tributado, ao contrário
dos aluguéis, que pagam o carnê leão.
Como checar
regularidade do empreendimento
O Procon-SP dá orientação sobre onde os interessados
devem ir e o que é preciso checar para se assegurar da regularidade do
empreendimento. Antes de dar qualquer sinal ou reserva, será preciso verificar,
na Prefeitura Municipal, se a planta do imóvel foi aprovada. E no Cartório de
Registro de Imóveis correspondente, se a incorporação do empreendimento foi
devidamente registrada; se o imóvel não está hipotecado e se as plantas, as
áreas e metragem do imóvel estão de acordo com a aprovação da Prefeitura do
Município. Além disso, o memorial descritivo discriminará o material e
equipamentos a serem empregados no imóvel, devendo esse documento integrar o
Contrato de Compra e Venda.
Dicas e cuidados que
ajudam a evitar problema
Anallisa Dal Zotto fez uma lista com os seis
principais pontos a serem observados por quem pensa em comprar um imóvel na
planta. Confira:
1 – Verificar a procedência do imóvel – Uma
das maiores dores de cabeça que se pode ter com um imóvel é o atraso da obra. Verificar
a procedência de quem vai realizar o empreendimento é importante e construtoras
de confiança têm mais a perder caso algo dê errado. Não são poucos os casos de
construtoras que faliram por má-administração dos seus recursos, deixando os
seus clientes na mão;
Vale lembrar que atrasos de até 180 dias na
obra geralmente estão previstos em contrato, mas ainda assim devem ser
justificados. No caso de atraso superior a esse prazo, o consumidor pode pedir
o seu dinheiro de volta, assim como indenização por danos morais e materiais
junto à Justiça. Essa, no entanto é uma medida drástica que pode ser bastante
demorada. Portanto, verificar a procedência pode evitar sérias dificuldades;
2 – Ficar alerta a taxas indevidas: Há uma
série de taxas que são cobradas na hora de comprar um imóvel na planta. É
importante ficar atento às taxas que são devidas pelo consumidor e as que não
são. A cobrança dessas taxas indevidas geralmente é bem alta, pois são
relacionadas ao valor do imóvel, portanto, vale saber quais delas pode-se
evitar pagar:
(a) – Taxa de corretagem: a taxa de corretagem
serve para pagar o profissional que efetuou a venda. Na maioria dos casos esse
é um profissional contratado pelas construtoras, então, seriam elas que
deveriam pagá-lo, e não o comprador;
(b) – Sati: Sigla de Serviço de Assessoria
Técnico-Imobiliária: essa taxa serve para pagar o serviço de advogados que vão
assessorar a compra do imóvel e analisar o contrato, e, geralmente, é no valor
de 0,8% do imóvel. No entanto, não é um serviço obrigatório nem isento. E o
comprador não deveria ser responsável por pagar para que um advogado da empresa
analise o contrato da própria empresa;
(c) – Taxa de interveniência: essa é uma
taxa que é cobrada caso o comprador opte por financiar o imóvel com um banco
diferente do que financiou a obra. Ela, no entanto, fere a liberdade de escolha
do consumidor, sendo assim indevida;
(d) – Taxa de anuência ou cessão de direitos:
caso o consumidor queira vender o imóvel ainda na planta ele precisa de prévia
autorização da construtora, o que, às vezes, é cobrado. Essa taxa é indevida
pois também contraria o Código de Defesa do Consumidor ao remunerar a
construtora sem que ela tenha prestado um serviço;
3 – Ter atenção com a correção pelo INCC : No
contrato da maioria dos imóveis comprados na planta existem cláusulas de
reajuste pelo INCC – Índice Nacional de Custo da Construção Civil. O índice de
inflação reajusta o valor do imóvel enquanto ele está na planta e ainda não
pode ser financiado diretamente pelo banco. Isso faz com que o valor devido
pelo imóvel aumente constantemente, muitas vezes acima da inflação oficial;
Para efeito de comparação, a consultora
destaca que nos últimos 12 meses o INPC, que costuma reajustar os salários, acumulou
alta de 1,81%, enquanto o INCC foi de 3,61%, praticamento o dobro. Caso as
parcelas no período sejam pequenas demais, a pessoa pode acabar devendo mais na
entrega da chave do que no começo da obra. Além disso, quando o financiamento
do banco começar, o comprador poderá ter de pagar um valor maior que o esperado.
É fundamental, portanto, acompanhar as correções no informativo que a
construtora envia para prestar contas;
4 – Considerar aspectos como rendimento e
valorização do imóvel: A consultora chama atenção, principalmente para quem
pensa em adquirir imóvel como investimento, que existe o mito de que imóveis só
valorizam e que investimento imobiliário tem retorno garantido. Na avaliação
dela, apesar de esse ter sido o caso com vários imóveis no passado, hoje isso
já não é verdade absoluta. “Os imóveis não têm um benchmark, dessa forma, pode
ser difícil comparar a rentabilidade do seu imóvel em relação a uma média de
mercado”, destaca.Lembra também que mesmo os imóveis se valorizando com o tempo,
tal valorização pode ser menor que o seu custo de oportunidade, ou seja, aquele
representado pela opção de se juntar esse dinheiro e o deixar rendendo.
5 – Fazer exercício financeiro pode ajudar
no planejamento: Ela menciona um exemplo prático. Supondo que em janeiro de 2008
uma pessoa comprou um imóvel que na planta custava R$ 300 mil. Ela deu uma
entrada de R$ 50 mil e continuou pagando parcelas fixas de aproximadamente R$ 2
mil ao mês. No primeiro ano (que é o da construção), o imóvel foi reajustado
pelo INCC e, depois, o banco cobrou 9% ao ano no financiamento, num prazo de 320
meses.
O aluguel que a pessoa economizou ficou no
valor de R$ 1 mil/mês (0,33% do valor do bem), reajustado anualmente pelo IGPM.
Depois de 10 anos, essa pessoa conseguiu vender seu imóvel pelo dobro do preço,
ou seja, R$ 600 mil. Mesmo parecendo um ótimo negócio, diz a consultora, vale
observar a comparação do que teria ocorrido se ela simplesmente tivesse
aplicado o valor da entrada e das parcelas, mês a mês, em um ativo que rendesse
100% do CDI.
6 – Efeitos do tempo na rentabilidade das
aplicações e dos juros no financiamento devem ser considerados: Na ponta do
lápis, apesar de o apartamento ter dobrado de preço, o saldo devedor ao final
de 10 anos ainda era alto (no exemplo, de R$ 216.019,65). E a rentabilidade
final obtida com a venda do apartamento ficou em R$ 254.998,25, já considerando
que o que a pessoa economizou em mensalidades de aluguel. Com uma aplicação que
rendesse 100% do CDI, ela teria pouco menos do dobro que aplicou há 10 anos. No
entanto, não haveria dívidas, e o rendimento nesse prazo seria 5,22% maior, de
R$ 268.321,58. Lembrando ainda que, nesse cálculo, não foram consideradas
eventuais reformas e reparos no imóvel, nem o rateio de reformas do condomínio.
“Isso acontece porque muitas vezes
desconsideramos o impacto que o tempo (no nosso exemplo, 10 anos) gera na
rentabilidade de uma aplicação financeira. Além disso, os juros pagos no
apartamento também prejudicam a rentabilidade”, pondera a consultora e
planejadora financeira.
Por Sandra da Motta
Fonte Exame Online