Os autores ajuizaram ação contra a Caixa Econômica
Federal (CEF), a empresa incorporadora e a construtora requerendo danos morais
e materiais decorrentes de vícios de construção
O
Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3) reconheceu o direito a
indenização por danos materiais e morais a mutuários do Sistema Financeiro de
Habitação vítimas de vícios estruturais na construção de imóvel financiado.
Os
autores ajuizaram ação contra a Caixa Econômica Federal (CEF), a empresa
incorporadora e a construtora requerendo danos morais e materiais decorrentes
de vícios de construção. Alegam que firmaram contrato de mútuo habitacional com
a CEF e as empresas construtora e incorporadora para financiamento de imóvel na
planta, no âmbito do Sistema Financeiro da Habitação (SFH). O imóvel teria
deixado de obedecer a padrões mínimos de qualidade exigidos para edificações.
Em
primeiro grau, o juiz federal condenou as rés a pagar solidariamente
indenização por danos materiais correspondentes às despesas realizadas com a
desocupação, prestações e despesas condominiais durante o período que o imóvel
ficou sem condições de habitação. Também determinou o pagamento de danos morais
fixados em R$ 9,6 mil.
A
incorporadora alegou, em seu recurso, a sua ilegitimidade passiva para a ação.
Sustentou também que o imóvel adquirido pelos autores, a unidade habitacional
nº 22, do empreendimento Residencial Vila das Flores, em Cotia (SP), não foi
objeto de interdição pela prefeitura do município, conforme relatório de
vistoria apresentado no processo, o que evidenciaria a não existência de dano.
Disse ainda que danos causados ao imóvel teriam sido provenientes de caso
fortuito ou força maior, uma vez que foram causados por fortes chuvas ocorridas
em São Paulo.
Além
de também alegar ilegitimidade passiva, a CEF afirmou em seu recurso não ser
responsável por quaisquer vícios de construção, pois atuou tão somente na
concessão do financiamento e, por isso, não pode ser responsável pela
indenização aos mutuários.
Ao
analisar o recurso da incorporadora, o tribunal afastou a preliminar da
ilegitimidade passiva porque a empresa constituiu consórcio com a construtora,
no qual ficou estabelecida a repartição equitativa entre elas das obrigações e
responsabilidade concernentes à implantação do empreendimento, na proporção de
50% para cada uma. Além disso, a responsabilidade fixada contratualmente entre
as construtoras não se confunde com a responsabilidade objeto de exame na ação
de indenização, que alcança obrigações extracontratuais. Tanto a incorporadora
como a construtora constituíram um mesmo grupo econômico, tendo ambas se beneficiado
da propaganda vinculada ao produto vendido e da captação de clientes.
Em
relação à não interdição do imóvel pelo poder público municipal, o tribunal
entendeu que não se faz necessário que da conduta ilícita das empresas
responsáveis pela obra resulte risco de ruína do imóvel, sendo suficiente que o
defeito na construção venha a tornar a edificação imprópria para os fins a que
se destina, tal como haver hipótese de insalubridade da moradia ou infiltrações
e vazamentos.
Para
o desembargador federal, os relatórios de vistoria demonstram defeitos ao longo
de todo o conjunto residencial, como, por exemplo, o deslocamento do bloco onde
se encontra o salão de festas do condomínio e o descarregamento das águas
pluviais em grelhas na laje, a vários metros de altura do solo, caindo
livremente sem nenhum sistema coletor ou de captação, o que também provoca
erosão nas fundações e estrutura do prédio. Além disso, os laudos indicam que o
sistema de esgoto tem fossas abertas e as redes de tubos de águas pluviais são
lançadas diretamente na rua, sem caixas de inspeção ou passagem.
Na
unidade habitacional de propriedade dos autores foram constatadas trincas,
demonstrando deformidades estruturais. Também em vista do estado precário da
casa vizinha à dos autores, um dos relatórios opinou pela desocupação do
imóvel.
Assim,
o relator concluiu que os autores foram diretamente atingidos pelos problemas
decorrentes dos vícios de construção de todo o conjunto residencial.
No
que diz respeito à alegação de caso fortuito e força maior, o magistrado
observou que a incorporadora não apresentou prova das razões que levaram às
deformidades estruturais nos imóveis. Diz a decisão: “A ocorrência de chuvas em
um dado período, ainda que em níveis elevados, não configura fato imprevisível,
devendo, por evidência, ser possibilidade considerada quando da realização do
empreendimento pelas construtoras, não podendo, por si, constituir escusa para
o emprego de padrões de qualidade abaixo dos mínimos exigidos para edificações.
A não observância de tais parâmetros demonstra falha na projeção da obra, não
podendo os danos decorrentes serem suportados pelo consumidor.”
O
relator entendeu também que ficou provado que os autores tiveram que promover
benfeitorias no imóvel, necessárias à sua preservação, tais como serviços de
alvenaria, hidráulica, elétrica e outros, a fim de evitar maiores prejuízos e
dar cumprimento à cláusula contratual de adequada conservação do bem.
Quanto
ao dano moral, a decisão assinala que os autores sofreram violações de seus
direitos individuais relativos à moradia e que não há necessidade de
exigir-lhes a comprovação da dor e do sofrimento que sentiram, pois trata-se do
chamado dano moral in re ipsa (presumido). O tribunal observa ainda que medidas
paliativas adotadas posteriormente pelas rés para minorar os danos provocados
pelos defeitos das edificações não afastam os danos morais causados.
Sobre
a legitimidade da CEF para figurar como ré na ação, o desembargador federal
afirma que se vê claramente do contrato que ela financiou um imóvel em
construção, devendo responder perante o comprador pelos vícios apresentados
pelo imóvel financiado, já que participou do empreendimento. Ficou estabelecido
em contrato que a instituição financeira realizaria o acompanhamento da
execução da obra, por meio da designação de um profissional, engenheiro ou
arquiteto, a quem incumbiria a vistoria e mensuração das etapas executadas,
como condição para liberação das parcelas. Consta que as obras sujeitaram-se a
diversos atrasos e não seguiram o cronograma estabelecido e que, ainda assim,
os recursos foram integralmente liberados pela CEF. Além disso, as empresas rés
subcontrataram uma quarta empresa para a execução da mesma obra, à qual
repassaram a metade do valor financiado.
A
decisão não aceitou a tese da CEF de que os autores aceitaram os reparos
realizados pelas construtoras em seu imóvel como forma de sanar todos os
problemas das edificações. Para o relator, foram medidas paliativas, tendo o
imóvel permanecido impróprio. Eles tiveram que recorrer a reparos essenciais na
construção, com seus próprios recursos, e o relatório de vistoria da prefeitura
do município de Cotia atestou a necessidade de desocupação da unidade
habitacional dos autores.
Fonte
Âmbito Jurídico