Sentença permite que devedor contumaz receba cobrança
maior do que os 2%
Uma
decisão inédita do Superior Tribunal de Justiça (STJ) abriu precedente para que
seja aplicada multa extra para quem atrasar reiteradamente o pagamento da taxa
de condomínio. O STJ autorizou um edifício comercial, em Brasília, a cobrar
mais 10% de multa sobre o valor total da dívida de um inquilino, além dos juros
mensais de 1% e multa de até 2% sobre o débito, já previstos no Código Civil. A
decisão, explica o diretor jurídico da Associação Brasileira das
Administradoras de Imóveis (Abadi), Marcelo Borges, cria um precedente
jurisprudencial, isto é, servirá como parâmetro para tribunais inferiores, e
pode servir como base para pedidos semelhantes que chegarem ao STJ.
A
Quarta Tuma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) negou provimento a recurso
interposto pelo Grupo Ok Construções e Empreendimentos LTDA, de Brasília, que,
segundo consta dos autos do processo, é devedor recorrente do condomínio e,
desde 2002, tem seus pagamentos efetuados mediante apelo na via judicial, com
atrasos que chegam a mais de dois anos.
De
acordo com o STJ, o percentual da penalidade estava previsto no regimento
interno do condomínio, mas, ao ser cobrada, a construtora decidiu levar o caso
à Justiça. O relator do caso, ministro Luis Felipe Salomão, reconheceu que não
há controvérsia ao definir aplicação da penalidade pecuniária de 10% sobre o
valor do débito, além da multa moratória de 2% para o caso em questão, já que,
de acordo com o artigo 1.337 do Código Civil, "a multa poderá ser elevada
do quíntuplo ao décuplo do valor atribuído à contribuição para as despesas
condominiais".
“Uma
coisa é a multa decorrente da execução tardia da obrigação, outra (juros
moratórios) é o preço correspondente à privação do capital que deveria ser
direcionado ao condomínio”, disse o ministro em sua sentença.
Salomão
fundamentou sua tese baseando-se ainda na doutrina e na jurisprudência do STJ,
que prevê punição nos casos em que o condômino ou proprietário é devedor
recorrente, não cumpre seus deveres perante o condomínio e enquadra-se como
antissocial ante os demais.
Para
o advogado Arnon Velmovitsky, que preside a Comissão de Direito Imobiliário do
Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB), a decisão do STJ veio, em boa hora,
para inibir a conduta reiterada dos condôminos inadimplentes, pois, diferente
da penalidade pecuniária de 10%, reconhecida pelo STJ, a multa moratória de 2%
não inibe o comportamento do devedor contumaz.
—
Muito pelo contrário, por se tratar de percentual baixo, acaba por estimular a
inadimplência, privilegiando a conduta antissocial do devedor —, afirma o
advogado, lembrando que tramitam no Congresso Nacional alguns projetos de lei
que visam a aumentar o percental da multa moratória sobre o débito, hoje em 2%.
Advogado recomenda cautela
Marcelo
Borges, da Abadi, reforça que, por se tratar de uma multa baixa, quando compete
com outras obrigações com juros maiores, a taxa condominial perde e deixa de
ser paga. Ele reforma que a decisão do STJ tende a incentivar a adimplência,
principalmente se houver uma mobilização, se os condomínios fizerem o dever de
casa, aprovando esta possibilidade em seus regimentos internos e convenções:
—
A pessoa sabendo que vai ser apenada com uma multa bem maior que os 2% vai
pensar duas vezes antes de não pagar o condomínio.
Borges,
no entanto, lembra que para valer, a multa maior deve constar do regimento
interno do condomínio e ser aprovada em assembleia por quórum qualificado. Ou
seja, por, ao menos, três quartos dos condôminos.
—
O tribunal só consolidou a aplicação da multa extra porque houve a previsão no
regimento interno do condomínio de Brasília ligada à reiteração da
inadimplência por parte do condômino. Nesse caso foram 10%, mas esse valor pode
chegar ao teto de dez vezes o valor do condomínio, caso seja aprovada em
assembleia pelos condôminos.
Alexandre
Corrêa, vice-presidente de assuntos condominiais do Sindicato da Habitação
(Secovi-RJ), afirma que, de qualquer forma, o impacto da decisão do STJ é
positivo, já que a inadimplência gera um total desequilibrio nas contas do
condomínio e, muitas das vezes, acaba sobrecarregando os condôminos
adimplentes, que acabam suportando uma cota adicional para honrar as obrigações
mensais do edifício, tais como pagamento de empregados, Inss, FGTSs, Cedae, CEG
e fornecedores.
—
O fato de o Judiciário admitir a cobrança de uma penalidade maior, certamente
fará os inadimplentes contumazes sairem da zona de conforto e isso,
inegavelmente, trará um benefício coletivo imediato —completa Corrêa, lembrando
que a multa por inadimplência permanece fixada legamente no patamar máximo de
2%.
O
advogado José Nantala Bádue Freire, do escritório Peixoto & Cury Advogados,
recomenda que, mesmo com a decisão do STJ, o condomínio deve sempre agir com
parcimônia e equilíbrio na imposição de tais penalidades. Para Freire, é
necessário observar, sempre, um rigor equidistante a todos os condôminos que
venham a praticar atos semelhantes no decorrer do tempo, sob pena de se imputar
"parcialidade" ou falta de isonomia no tratamento.
—
Como um condomínio reúne não apenas “bens”, mas também pessoas, questões
políticas, típicas em todas as formas de associação humana, podem pesar no
momento de tomada de decisões da assembleia e, por fim, macular a sua legalidade.
Por
Ione Luques
Fonte
O Globo Online