Por
liberalidade, o caos do cotidiano moderno levou muitos casais a optarem ter
animais de estimação em vez de crianças. Segundo recentes dados do IBGE, os
brasileiros possuem mais cães e gatos do que crianças. Indicadores financeiros
demonstram que esta é uma opção de vida cada vez mais frequente, pois o mercado
de consumo de bens para animais de estimação cresce num ritmo acelerado.
Pululam estudos científicos a demonstrar que os animais de estimação como cães
e gatos são seres conscientes e sencientes (capazes de sofrer), e que o
compartilhamento de vida com esses seres melhora a saúde física e mental dos
humanos.
Pois
bem. Alheio a essa nova realidade, em recente decisão de um Tribunal de
Justiça, em ação de divórcio (processo 2014.045256-3), o julgador, após
questionar “quanto custa para a sociedade brasileira resolver essa
questiúncula”, com a intenção de extrair às partes algo proveitoso do litígio
instaurado, fez questão de consignar que resolveria o mérito da ação “com a
solução fria e técnica do Direito”. Partilhou, assim, dois cachorros como bens
móveis: um para cada cônjuge.
O
Direito, como um apanhado de regras compiladas e sistematizadas é algo frio,
não passa de letras insertas em papel, daí a importância da moral e da ética.
Porém, são verdadeiras as situações a que ele são submetidas, e qualquer ação
levada a juízo merece, no mínimo respeito e atenção, pois trata-se do maior
problema daquelas pessoas. Como mencionado no livro Guarda de Animais nos Casos
de Dissolução Litigiosa da Conjugalidade (ZWETSCH, 2015):
“o rompimento da sociedade
conjugal é um momento difícil para qualquer casal, e se a situação do animal de
estimação é controvertida a ponto de ser levada para que um terceiro sobre ela
decida, o mínimo que se espera de um Magistrado é que ele possua sensibilidade
para perceber o quanto isso é importante para aqueles litigantes e para aquele
animal.”
Culpar
duas pessoas que não chegaram a um consenso sobre quem fica com os cachorros
que fizeram parte da família desfeita, de forma explícita, não extingue e nem
minimiza a morosidade ou outras falhas da prestação jurisdicional. Além disso,
certamente não é esse tipo de ação que assoberba os cartórios e gabinetes
judiciais. Foi-se o tempo em que o Direito era visto sob a ótica exclusiva do direito
das coisas. O Direito está impregnado de sentimentos e são esses não podem ser
desconsiderados por questões pessoais.
Na
decisão mencionada, o julgador, embora reconhecendo a existência da relação
afetiva que existe entre os seres humanos e os animais “irracionais”,
referencia que “a legislação brasileira não tem previsão que estabeleça a
partilha de animais de estimação considerando-se exclusivamente o afeto
existente entre o dono e seu cão”. Por certo a guarda de animais de estimação
reclama uma urgente regulação legislativa, contudo, na sua falta, considerar o
bem estar do animal para definir sua guarda não ofende qualquer normativa.
Isso
porque, como nada existe sobre o tema, é muito mais próximo da atual realidade
que vivenciamos deferir aos animais o tratamento atinente à guarda de filhos do
que lhes tratar como bem semovente. Aliás, esse posicionamento confere respeito
aos anseios destes jurisdicionados.
No
caso concreto, não regulado por qualquer regra específica, houvesse a questão
sido tratada de forma mais respeitosa, qual ofensa haveria manter os cachorros
no ambiente em que estavam acostumados e bem tratados, e estipular direito de
visitação da mulher aos animais? Na falta da lei, trata-se de uma questão de
escolha. Trata-se de uma questão de posicionamento. De sensibilidade:
“… para dirimir a
controvérsia da qual estamos tratando, é preciso sensibilidade, especialmente
porque, na relação do homem com seu animal de estimação, existe, além de afeto
recíproco, uma relação de interdependência entre todos os envolvidos. Ao passo que
o pet supre determinadas necessidades emocionais humanas, as pessoas tornam-se
diretamente responsáveis pela satisfação das necessidades vitais e básicas do
animal.” (ZWETSCH, 2015)
Para
encerrar, voltemos, então, à indagação primeira do eminente julgador: “quanto
custa para a sociedade brasileira resolver essa questiúncula”. Pois bem. Não há
dinheiro que pague chegar em casa e ser recebido por um animal que anseia o dia
inteiro para vê-lo. Ao contrário de muitos humanos, nenhuma soma, presente ou
promessa corrompe a lealdade desse animal “irracional” quanto ao seu guardião.
Não existem palavras que possam explicar o amor que esses animais despertam nas
pessoas, e tampouco desenhos podem traduzir esse afeto. Trata-se de amor, e
nenhum tipo de amor é melhor ou maior.
Por
Patrícia C. T. Dantas
Fonte
Empório do Direito