sexta-feira, 3 de junho de 2016

DOIS CACHORROS E UM DIVÓRCIO. UM PARA CADA UM? A NECESSÁRIA SUPERAÇÃO DA VISÃO DE PET SER COISA


Por liberalidade, o caos do cotidiano moderno levou muitos casais a optarem ter animais de estimação em vez de crianças. Segundo recentes dados do IBGE, os brasileiros possuem mais cães e gatos do que crianças. Indicadores financeiros demonstram que esta é uma opção de vida cada vez mais frequente, pois o mercado de consumo de bens para animais de estimação cresce num ritmo acelerado. Pululam estudos científicos a demonstrar que os animais de estimação como cães e gatos são seres conscientes e sencientes (capazes de sofrer), e que o compartilhamento de vida com esses seres melhora a saúde física e mental dos humanos.
Pois bem. Alheio a essa nova realidade, em recente decisão de um Tribunal de Justiça, em ação de divórcio (processo 2014.045256-3), o julgador, após questionar “quanto custa para a sociedade brasileira resolver essa questiúncula”, com a intenção de extrair às partes algo proveitoso do litígio instaurado, fez questão de consignar que resolveria o mérito da ação “com a solução fria e técnica do Direito”. Partilhou, assim, dois cachorros como bens móveis: um para cada cônjuge.
O Direito, como um apanhado de regras compiladas e sistematizadas é algo frio, não passa de letras insertas em papel, daí a importância da moral e da ética. Porém, são verdadeiras as situações a que ele são submetidas, e qualquer ação levada a juízo merece, no mínimo respeito e atenção, pois trata-se do maior problema daquelas pessoas. Como mencionado no livro Guarda de Animais nos Casos de Dissolução Litigiosa da Conjugalidade (ZWETSCH, 2015):

“o rompimento da sociedade conjugal é um momento difícil para qualquer casal, e se a situação do animal de estimação é controvertida a ponto de ser levada para que um terceiro sobre ela decida, o mínimo que se espera de um Magistrado é que ele possua sensibilidade para perceber o quanto isso é importante para aqueles litigantes e para aquele animal.”

Culpar duas pessoas que não chegaram a um consenso sobre quem fica com os cachorros que fizeram parte da família desfeita, de forma explícita, não extingue e nem minimiza a morosidade ou outras falhas da prestação jurisdicional. Além disso, certamente não é esse tipo de ação que assoberba os cartórios e gabinetes judiciais. Foi-se o tempo em que o Direito era visto sob a ótica exclusiva do direito das coisas. O Direito está impregnado de sentimentos e são esses não podem ser desconsiderados por questões pessoais.
Na decisão mencionada, o julgador, embora reconhecendo a existência da relação afetiva que existe entre os seres humanos e os animais “irracionais”, referencia que “a legislação brasileira não tem previsão que estabeleça a partilha de animais de estimação considerando-se exclusivamente o afeto existente entre o dono e seu cão”. Por certo a guarda de animais de estimação reclama uma urgente regulação legislativa, contudo, na sua falta, considerar o bem estar do animal para definir sua guarda não ofende qualquer normativa.
Isso porque, como nada existe sobre o tema, é muito mais próximo da atual realidade que vivenciamos deferir aos animais o tratamento atinente à guarda de filhos do que lhes tratar como bem semovente. Aliás, esse posicionamento confere respeito aos anseios destes jurisdicionados.
No caso concreto, não regulado por qualquer regra específica, houvesse a questão sido tratada de forma mais respeitosa, qual ofensa haveria manter os cachorros no ambiente em que estavam acostumados e bem tratados, e estipular direito de visitação da mulher aos animais? Na falta da lei, trata-se de uma questão de escolha. Trata-se de uma questão de posicionamento. De sensibilidade:

“… para dirimir a controvérsia da qual estamos tratando, é preciso sensibilidade, especialmente porque, na relação do homem com seu animal de estimação, existe, além de afeto recíproco, uma relação de interdependência entre todos os envolvidos. Ao passo que o pet supre determinadas necessidades emocionais humanas, as pessoas tornam-se diretamente responsáveis pela satisfação das necessidades vitais e básicas do animal.” (ZWETSCH, 2015)

Para encerrar, voltemos, então, à indagação primeira do eminente julgador: “quanto custa para a sociedade brasileira resolver essa questiúncula”. Pois bem. Não há dinheiro que pague chegar em casa e ser recebido por um animal que anseia o dia inteiro para vê-lo. Ao contrário de muitos humanos, nenhuma soma, presente ou promessa corrompe a lealdade desse animal “irracional” quanto ao seu guardião. Não existem palavras que possam explicar o amor que esses animais despertam nas pessoas, e tampouco desenhos podem traduzir esse afeto. Trata-se de amor, e nenhum tipo de amor é melhor ou maior.

Por Patrícia C. T. Dantas
Fonte Empório do Direito