quinta-feira, 12 de dezembro de 2024

CRISE FINANCEIRA EXIGE NOVA POSTURA DO PROFISSIONAL DO DIREITO


A crise financeira chegou e não dá mostras de que irá embora tão cedo. Surpresos, os brasileiros enfrentam algo que conheciam de longe, algo que parecia privilégio exclusivo da velha Europa, e não de um país emergente, que se intitulava a sexta economia mundial.
Em meio a esse quadro, ao profissional do Direito — e também aos estudantes — resta preparar-se para esse momento da vida nacional. Mudar-se para a Austrália, Canadá ou outro país mais estável, como muitos estão fazendo, não será a solução, porque, além de todas as dificuldades, esses países querem técnicos, e não bacharéis em Direito. Então, o melhor é enfrentar o desafio. Aqui e agora.
A falta de dinheiro no mercado afeta a todos, senão pessoalmente, pelo menos no círculo da família, onde tornou-se comum haver pessoas desempregadas. Porém, alguns sofrem de forma mais direta.
Entre os menos atingidos estão aqueles que, no serviço público, receberam aumento nos últimos 12 meses. Sim, porque agora aumentos substanciosos são quase impossíveis, por maior que seja a mobilização da categoria. O caixa da União e da maioria dos estados está vazio. Liminares não fazem milagres, não criam dinheiro. Portanto, quem está no serviço público não deve alimentar grandes expectativas.
O mesmo se dá com aqueles que, nele, querem entrar. Inevitavelmente, haverá adiamento de novas nomeações ou até mesmo suspensão de concursos. Mais no Poder Executivo do que no Judiciário ou no Ministério Público, que têm orçamentos próprios. Jovens concurseiros sofrerão os efeitos de forma direta.
Passando à esfera privada, seguindo a linha dos concursos, vale notar que a falta de perspectiva afetará os cursos preparatórios, que movimentam expressiva quantidade de dinheiro. O círculo da falta de dinheiro, com o cancelamento de pedidos, atingirá, também, escritórios de advocacia. Menos entrada de dinheiro, menos postos de trabalho, principalmente para jovens advogados e estagiários.
Mas se esta é uma dura realidade, já sentida no bolso de grande parcela da população, o fato é que não adianta colocá-la em um pedestal e ficar a lamuriar-se pelos cantos. Alguns não dão uma pausa nem mesmo nos momentos de confraternização, desejando aos governantes e suas mães que se dirijam aos locais mais escabrosos. Isso, ainda que seja compreensível, só faz as coisas agravarem-se e nada resolve.

Que fazer?
A primeira medida é não cultivar o pessimismo. Manter o foco em coisas positivas, em planos, irradia uma energia positiva que inspirará os que nos rodeiam. Ninguém dará uma causa a um jovem advogado que, a um simples “tudo bem?”, despeja uma sucessão de queixas, exteriorizando seu próprio insucesso.
Mas só otimismo não basta. É preciso alterar os hábitos financeiros. O primeiro passo é fazer uma lista das dívidas e afastar todas as que não sejam indispensáveis. Por exemplo, será que um casal necessita de dois carros e, consequentemente, de duas vagas na garagem, manutenção, seguro, IPVA e consumo duplos? O cartão de crédito está sob controle? Jantar fora cabe no orçamento? O consumo de bens vai além do necessário? Os espetáculos oferecidos graciosamente pelo município estão sendo aproveitados?
Tudo isso entra na chamada economia comportamental, na qual devem ser estabelecidas as metas que importam (por exemplo, um curso de especialização) e afastados os gastos supérfluos (por exemplo, a bolsa de grife). Em outras palavras, alinhar as despesas aos valores. Permanecer com o ventilador de pá em vez do ar condicionado pode significar dar ao filho aulas de natação. O que é mais importante?
Passando da vida privada à profissional, a maioria dos graduados em Direito começa em um escritório de advocacia. Poucos dispõem de dinheiro e coragem para iniciar sozinhos, ou mesmo com um ou dois colegas. Pois bem, será pouco o salário inicial de R$ 1.200? Deve ser rejeitado?
Referida quantia é baixa, sem dúvida. Outros profissionais, sem curso superior, por vezes ganham muito mais. Porém, aquela pode ser a oportunidade que dará ao jovem novos horizontes. Os R$ 1.200 são apenas parte do pacote. Ali está a oportunidade de aprender o Direito na prática, de observar como se organiza um escritório, como se conquistam clientes, como são as audiências, como se deve tratar a máquina judiciária, tudo enfim. Portanto, deve, sim, ser aceita a oferta, inclusive porque, se ela fosse de R$ 5.000, o escolhido não seria um jovem sem experiência e sem títulos.
Na sequência, suponha-se que o recém-formado aceitou o desafio. Aí será preciso que não se limite às rotinas que lhe foram impostas. Se quiser se destacar, se desejar novas oportunidades, se ambicionar crescer, terá que fazer algo mais, fazer-se notar, aparecer.
Por exemplo, imagine-se que sua atribuição não seja das mais sedutoras, apenas busca e apreensão de veículos cujas prestações não foram pagas à financeira. O fazer a diferença pode ser exteriorizado de duas formas. A primeira é achando soluções que deem ao escritório mais agilidade e eficiência. A segunda é oferecer-se para outras atividades, sem prejuízo da principal. Por exemplo, redigindo rascunhos de agravos de instrumento.
Tornar-se indispensável, chamar a atenção para suas qualidades, sem dúvida serão a chave da permanência e crescimento no escritório, tudo refletindo-se em melhores ganhos financeiros. Saber bem o inglês pode ser uma ferramenta decisiva. Advogados mais velhos, regra geral, não sabem inglês, muito embora jamais o confessem. Se a jovem iniciante, que passou parte de sua juventude nas salas de bons cursos, dominar o idioma, poderá ter acesso à melhor doutrina ou a precedentes de tribunais norte-americanos, ingleses ou canadenses. Que tal, quando o dono do escritório prepara o memorial de uma importante causa, sair-se com essa: “Doutor, a Suprema Corte dos Estados Unidos já decidiu a favor de sua tese no caso Schimdt x Stevenson, o senhor gostaria que eu lhe entregasse o precedente traduzido?”.
Mas, se a ambição for maior do que um bom salário, há que se partir para um voo solitário, com todos os seus riscos, mas também com mais possibilidades. Como manter um escritório sem ter um pai advogado, um tio juiz de Direito que se dispôs a ceder uma sala do escritório previamente comprado antes da aposentadoria ou situação similar?
Bem, aí há que ser corajoso e criativo. Não há nada de mais em usar a garagem da casa da avó que ficou viúva ou mesmo manter escritório em casa e atender a domicílio ou em salas de locação por dia ou por hora (day office). A OAB, em muitas capitais (por exemplo, Curitiba), mantém salas bem equipadas para atendimento eventual. Alugar sala com colegas, usar de manhã enquanto outro usa de tarde, dividir o salário da secretária ou do estagiário, fazer a faxina para não pagar a terceiros, tudo é válido. Dois ou três anos de sacrifício podem possibilitar a posterior estabilidade econômica.
Procurar nichos de advocacia que estejam afetados pela crise também pode ser uma forma de sucesso e de rendimento. Que tal especializar-se a negociar dívidas de inadimplentes? Ou se dispor a defender os milhares de presos que, muitas vezes, não têm seus pedidos examinados, criando um atendimento de massa? Ainda, a regularizar a situação dos refugiados junto ao Ministério da Justiça e também quanto ao exercício profissional, pois muitos deles têm curso superior?
Os graduados em Direito são muitos, e a crise econômica encurta suas possibilidades de expansão profissional e financeira. Mas isso não deve ser causa de desânimo ou escapismo, seja este de que forma for. Ao contrário, deve ser fonte de estímulo para enfrentar a luta com estratégias e adaptação adequadas aos novos tempos.
Por Vladimir Passos de Freitas
Fonte Consultor Jurídico