A
crise financeira chegou e não dá mostras de que irá embora tão cedo. Surpresos,
os brasileiros enfrentam algo que conheciam de longe, algo que parecia
privilégio exclusivo da velha Europa, e não de um país emergente, que se
intitulava a sexta economia mundial.
Em
meio a esse quadro, ao profissional do Direito — e também aos estudantes —
resta preparar-se para esse momento da vida nacional. Mudar-se para a
Austrália, Canadá ou outro país mais estável, como muitos estão fazendo, não
será a solução, porque, além de todas as dificuldades, esses países querem
técnicos, e não bacharéis em Direito. Então, o melhor é enfrentar o desafio.
Aqui e agora.
A
falta de dinheiro no mercado afeta a todos, senão pessoalmente, pelo menos no
círculo da família, onde tornou-se comum haver pessoas desempregadas. Porém,
alguns sofrem de forma mais direta.
Entre
os menos atingidos estão aqueles que, no serviço público, receberam aumento nos
últimos 12 meses. Sim, porque agora aumentos substanciosos são quase
impossíveis, por maior que seja a mobilização da categoria. O caixa da União e
da maioria dos estados está vazio. Liminares não fazem milagres, não criam
dinheiro. Portanto, quem está no serviço público não deve alimentar grandes
expectativas.
O
mesmo se dá com aqueles que, nele, querem entrar. Inevitavelmente, haverá
adiamento de novas nomeações ou até mesmo suspensão de concursos. Mais no Poder
Executivo do que no Judiciário ou no Ministério Público, que têm orçamentos
próprios. Jovens concurseiros sofrerão os efeitos de forma direta.
Passando
à esfera privada, seguindo a linha dos concursos, vale notar que a falta de
perspectiva afetará os cursos preparatórios, que movimentam expressiva
quantidade de dinheiro. O círculo da falta de dinheiro, com o cancelamento de
pedidos, atingirá, também, escritórios de advocacia. Menos entrada de dinheiro,
menos postos de trabalho, principalmente para jovens advogados e estagiários.
Mas
se esta é uma dura realidade, já sentida no bolso de grande parcela da
população, o fato é que não adianta colocá-la em um pedestal e ficar a
lamuriar-se pelos cantos. Alguns não dão uma pausa nem mesmo nos momentos de
confraternização, desejando aos governantes e suas mães que se dirijam aos
locais mais escabrosos. Isso, ainda que seja compreensível, só faz as coisas
agravarem-se e nada resolve.
Que fazer?
A
primeira medida é não cultivar o pessimismo. Manter o foco em coisas positivas,
em planos, irradia uma energia positiva que inspirará os que nos rodeiam.
Ninguém dará uma causa a um jovem advogado que, a um simples “tudo bem?”,
despeja uma sucessão de queixas, exteriorizando seu próprio insucesso.
Mas
só otimismo não basta. É preciso alterar os hábitos financeiros. O primeiro
passo é fazer uma lista das dívidas e afastar todas as que não sejam
indispensáveis. Por exemplo, será que um casal necessita de dois carros e,
consequentemente, de duas vagas na garagem, manutenção, seguro, IPVA e consumo
duplos? O cartão de crédito está sob controle? Jantar fora cabe no orçamento? O
consumo de bens vai além do necessário? Os espetáculos oferecidos graciosamente
pelo município estão sendo aproveitados?
Tudo
isso entra na chamada economia comportamental, na qual devem ser estabelecidas
as metas que importam (por exemplo, um curso de especialização) e afastados os
gastos supérfluos (por exemplo, a bolsa de grife). Em outras palavras, alinhar
as despesas aos valores. Permanecer com o ventilador de pá em vez do ar
condicionado pode significar dar ao filho aulas de natação. O que é mais
importante?
Passando
da vida privada à profissional, a maioria dos graduados em Direito começa em um
escritório de advocacia. Poucos dispõem de dinheiro e coragem para iniciar
sozinhos, ou mesmo com um ou dois colegas. Pois bem, será pouco o salário
inicial de R$ 1.200? Deve ser rejeitado?
Referida
quantia é baixa, sem dúvida. Outros profissionais, sem curso superior, por
vezes ganham muito mais. Porém, aquela pode ser a oportunidade que dará ao
jovem novos horizontes. Os R$ 1.200 são apenas parte do pacote. Ali está a
oportunidade de aprender o Direito na prática, de observar como se organiza um
escritório, como se conquistam clientes, como são as audiências, como se deve
tratar a máquina judiciária, tudo enfim. Portanto, deve, sim, ser aceita a
oferta, inclusive porque, se ela fosse de R$ 5.000, o escolhido não seria um
jovem sem experiência e sem títulos.
Na
sequência, suponha-se que o recém-formado aceitou o desafio. Aí será preciso
que não se limite às rotinas que lhe foram impostas. Se quiser se destacar, se
desejar novas oportunidades, se ambicionar crescer, terá que fazer algo mais,
fazer-se notar, aparecer.
Por
exemplo, imagine-se que sua atribuição não seja das mais sedutoras, apenas
busca e apreensão de veículos cujas prestações não foram pagas à financeira. O
fazer a diferença pode ser exteriorizado de duas formas. A primeira é achando
soluções que deem ao escritório mais agilidade e eficiência. A segunda é
oferecer-se para outras atividades, sem prejuízo da principal. Por exemplo,
redigindo rascunhos de agravos de instrumento.
Tornar-se
indispensável, chamar a atenção para suas qualidades, sem dúvida serão a chave
da permanência e crescimento no escritório, tudo refletindo-se em melhores
ganhos financeiros. Saber bem o inglês pode ser uma ferramenta decisiva.
Advogados mais velhos, regra geral, não sabem inglês, muito embora jamais o
confessem. Se a jovem iniciante, que passou parte de sua juventude nas salas de
bons cursos, dominar o idioma, poderá ter acesso à melhor doutrina ou a
precedentes de tribunais norte-americanos, ingleses ou canadenses. Que tal,
quando o dono do escritório prepara o memorial de uma importante causa, sair-se
com essa: “Doutor, a Suprema Corte dos Estados Unidos já decidiu a favor de sua
tese no caso Schimdt x Stevenson, o senhor gostaria que eu lhe entregasse o
precedente traduzido?”.
Mas,
se a ambição for maior do que um bom salário, há que se partir para um voo
solitário, com todos os seus riscos, mas também com mais possibilidades. Como
manter um escritório sem ter um pai advogado, um tio juiz de Direito que se
dispôs a ceder uma sala do escritório previamente comprado antes da
aposentadoria ou situação similar?
Bem,
aí há que ser corajoso e criativo. Não há nada de mais em usar a garagem da
casa da avó que ficou viúva ou mesmo manter escritório em casa e atender a
domicílio ou em salas de locação por dia ou por hora (day office). A OAB, em
muitas capitais (por exemplo, Curitiba), mantém salas bem equipadas para
atendimento eventual. Alugar sala com colegas, usar de manhã enquanto outro usa
de tarde, dividir o salário da secretária ou do estagiário, fazer a faxina para
não pagar a terceiros, tudo é válido. Dois ou três anos de sacrifício podem
possibilitar a posterior estabilidade econômica.
Procurar
nichos de advocacia que estejam afetados pela crise também pode ser uma forma
de sucesso e de rendimento. Que tal especializar-se a negociar dívidas de
inadimplentes? Ou se dispor a defender os milhares de presos que, muitas vezes,
não têm seus pedidos examinados, criando um atendimento de massa? Ainda, a regularizar
a situação dos refugiados junto ao Ministério da Justiça e também quanto ao
exercício profissional, pois muitos deles têm curso superior?
Os
graduados em Direito são muitos, e a crise econômica encurta suas
possibilidades de expansão profissional e financeira. Mas isso não deve ser
causa de desânimo ou escapismo, seja este de que forma for. Ao contrário, deve
ser fonte de estímulo para enfrentar a luta com estratégias e adaptação
adequadas aos novos tempos.
Por
Vladimir Passos de Freitas
Fonte
Consultor Jurídico