Em
2011, o Supremo Tribunal Federal entendeu, em sede de repercussão geral, que a
aprovação em concurso público dentro do número de vagas previstas no edital
gera direito público subjetivo[1] à nomeação (RE 598.099, relator ministro
Gilmar Mendes, Tribunal Pleno, julgado em 10/08/2011).
No
âmbito federal, o Decreto 6.944/2009 regulamentou a possibilidade de criação do
polêmico “cadastro reserva” (artigo 12)[2]. Esse mesmo instituto é utilizado
largamente pelos certames realizados nos demais entes federativos. Para a
Administração Pública, o cadastro de reserva não teria o condão de gerar
direito subjetivo ao candidato aprovado, mas mera expectativa de direito.
Contudo,
nesses termos, o cadastro de reserva apenas retrocede toda a conquista dos
administrados em ter seus direitos garantidos. Na realidade, a figura do
cadastro de reserva é despicienda, pois todos os aprovados em um concurso
público podem em tese ser nomeados ao cargo previsto dentro do prazo de
validade do respectivo certame.
Não
há utilidade em prever uma possível contratação, por meio do cadastro de
reserva, se dela não imergir nenhum direito. Esse expediente apenas estabelece
um imenso campo discricionário à Administração, deixando-a com absoluto
controle do processo de nomeação, em desfavor dos candidatos. Ou pior, possibilita
à Administração agir em conluio com empresas realizadoras de concurso, visando
os altos ganhos obtidos com as inscrições.
Já
se chegou ao absurdo de alguns editais de concurso público preverem vagas
apenas para cadastro de reserva. Com o objetivo de coibir esse tipo de prática,
foi proposto o Projeto de Lei do Senado 369/2008[3], pelo senador Expedito
Júnior, que somente permite a formação de cadastro de reserva no concurso em
número excedente ao de cargos a serem providos.
Independentemente
da existência de cadastro de reserva, no caso de vacância[4]ocorrida dentro do
prazo de validade, o candidato possui automaticamente o direito líquido e certo
para ingressar no serviço público. A nomeação deve ser imediata, uma vez que o
cargo vago deve ser necessariamente preenchido. Diferentemente da esfera
privada, os cargos do serviço público são criados por lei[5] e não estão
sujeitos diretamente à flutuação do mercado. Assim, tendo em vista que um
serviço estava sendo prestado por um servidor antes da vacância, esse mesmo
serviço deve ser prestado por outra pessoa, à luz do princípio da continuidade
do serviço público.
Vale
ressaltar que a contratação temporária não pode servir de justificativa para
legitimar a negativa da Administração em nomear novos servidores aprovados em
concurso público.
A
contratação por tempo determinado – prevista no inciso IX[6], artigo 37, da
Constituição da República; e regulamenta pela Lei Federal 8.745/1993 – tem como
intuito atender excepcional interesse público mediante processo seletivo
simplificado, prescindindo de concurso público (artigo 3º)[7]. Ora, se já
existem candidatos aprovados em concurso público – método de seleção bem mais
rigoroso do que o “processo seletivo simplificado” –, não há qualquer razão
para se realizar a referida seleção simplificada. Basta nomear os aprovados no
concurso público.
Essa
forma de contratação é lícita somente no caso de visar efetivamente a atender
serviço eventual sem existência de cargos vagos e desde que tal contratação
seja devidamente fundamentada. Indubitavelmente, essa motivação é passível de
controle jurisdicional, em razão da Teoria dos Motivos Determinantes[8].
A
única exceção que se permite à Administração deixar de nomear aos cargos vagos
os candidatos diz respeito à hipótese de o órgão ter alcançado o limite de gastos
com a folha de pessoal, nos termos da Lei de Responsabilidade Fiscal (art. 22,
parágrafo único, inciso IV, da Lei Complementar 101/2000).
No
âmbito do Supremo Tribunal Federal, já existe alguma sinalização positiva no
sentido de que os candidatos aprovados têm direito subjetivo à nomeação para os
cargos vagos ou que vierem a vagar durante o prazo de validade do certame. Vale
conferir a ementa do Recurso Extraordinário 227.480/RJ:
EMENTA: DIREITOS
CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. NOMEAÇÃO DE APROVADOS EM CONCURSO PÚBLICO.
EXISTÊNCIA DE VAGAS PARA CARGO PÚBLICO COM LISTA DE APROVADOS EM CONCURSO
VIGENTE: DIREITO ADQUIRIDO E EXPECTATIVA DE DIREITO. DIREITO SUBJETIVO À
NOMEAÇÃO. RECUSA DA ADMINISTRAÇÃO EM PROVER CARGOS VAGOS: NECESSIDADE DE
MOTIVAÇÃO. ARTIGOS 37, INCISOS II E IV, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. RECURSO
EXTRAORDINÁRIO AO QUAL SE NEGA PROVIMENTO.1. Os candidatos aprovados em concurso público têm
direito subjetivo à nomeação para a posse que vier a ser dada nos cargos vagos
existentes ou nos que vierem a vagar no prazo de validade do concurso. 2. A
recusa da Administração Pública em prover cargos vagos quando existentes
candidatos aprovados em concurso público deve ser motivada, e esta motivação é
suscetível de apreciação pelo Poder Judiciário. 3. Recurso extraordinário ao
qual se nega provimento. (RE 227480, Relator (a): Min. MENEZES DIREITO, Relator
(a) p/ Acórdão: Min. CÁRMEN LÚCIA, Primeira Turma, julgado em 16/09/2008,
DJe-157 DIVULG 20-08-2009 PUBLIC 21-08-2009 EMENT VOL-02370-06 PP-01116 RTJ
VOL-00212- PP-00537 RMP n. 44, 2012, p. 225-242).
Não
obstante, em recente julgado, a 4ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª
Região acatou a tese de que nem mesmo a contratação temporária geraria direito
subjetivo aos aprovados em concurso público, mas mera expectativa de direito.
Segundo
o voto da relatora, “a contratação temporária de terceirizados não obriga a
nomeação de candidato aprovado em concurso público, uma vez que não revela a
urgência no preenchimento das vagas previstas no edital” (Apelação Cível
5006121-49.2011.4.04.7105. Rel. Desembargadora federal Vivian Josete Pantaleão
Caminha. 4ª Turma. Tribunal Regional Federal da 4ª Região).
Entretanto,
a existência ou não de cadastro de reserva e a eventual contração precária não
são critérios relevantes para caracterizar o direito subjetivo à nomeação. Em
verdade, faz-se necessária a aprovação em concurso público, a existência de
cargos vagos ou que vierem a vagar durante o prazo de validade do certame e o
respeito à ordem de classificação. Esses são os requisitos necessários para
assegurar o direito à nomeação dos aprovados fora do número de vagas previsto
no edital.
[1] De acordo com Seabra
Fagundes, “os direitos que o administrado tem diante do Estado, a exigir
prestações ativas ou negativas, constituem, no seu conjunto, os chamados
direitos públicos subjetivos”. (FAGUNDES, M. Seabra. O controle dos atos
administrativos pelo Poder Judiciário. 7ª Ed. Atualizada por Gustavo Binenbojm.
Rio de Janeiro: Forense, 2005, 209).
[2] “Art. 12. Excepcionalmente
o ministro de Estado do Planejamento, Orçamento e Gestão poderá autorizar a
realização de concurso público para formação de cadastro reserva para
provimento futuro, de acordo com a necessidade, de cargos efetivos destinados a
atividades de natureza administrativa, ou de apoio técnico ou operacional dos
planos de cargos e carreiras do Poder Executivo federal.”
[3] “Art. 1º O edital de
cada concurso público de provas ou de provas e títulos no âmbito da
administração direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e
dos Municípios não poderá deixar de prever a especificação do número de cargos
a serem providos.
Parágrafo único. A formação
de cadastro de reserva nos concursos de que trata o caput deste artigo somente
será permitida para candidatos aprovados em número excedente ao de cargos a
serem providos.”
[4] No âmbito Federal, a
vacância do cargo público ocorre nos seguintes casos do artigo 33 da Lei
Federal n.º 8.112/1990.
[5] Artigo 61, § 1º, inciso
II, alínea a, da Constituição Federal.
[6] “Art. 37. IX - a lei
estabelecerá os casos de contratação por tempo determinado para atender a
necessidade temporária de excepcional interesse público”.
[7] “Art. 3º O recrutamento
do pessoal a ser contratado, nos termos desta Lei, será feito mediante processo
seletivo simplificado sujeito a ampla divulgação, inclusive através do Diário
Oficial da União, prescindindo de concurso público.”
[8] Segundo Celso Antônio
Bandeira de Mello, “de acordo com esta teoria, os motivos que determinaram a
vontade do agente, isto é, os fatos que serviram de suporta à sua decisão,
integram a validade do ato. Sendo assim, a invocação de ‘motivos de fato’
falsos, inexistentes ou incorretamente qualificados vicia o ato mesmo quando,
conforme já se disse, a lei não haja estabelecido, antecipadamente, os motivos
que ensejariam a prática do ato”. (BANDEIRA MELLO, Celso Antônio. Curso de
Direito Administrativo. 26ª Edição. São Paulo: Malheiros, 2009, fl. 955.)
Por
Sérgio de Brito Yanagui
Fonte
Conjur