Para que servem as redes sociais? Compartilhar, diria a
maioria, se fosse limitada a escolher uma só palavra. Claro, é inegável que,
por meio das postagens, sabemos das férias dos amigos, do casamento de outro,
da opinião política de um terceiro, do vídeo que está bombando, e até da morte
de alguém que conhecíamos. Estamos em contato com pessoas com as quais, de
outra forma, dificilmente conviveríamos – ainda que essa convivência seja virtual.
No
entanto, há um outro aspecto das redes de relacionamento digitais que pouca
gente se dá conta e que é muito mais intenso. Se prestarmos atenção, há uma
profusão de posts (no Facebook, principalmente) de pessoas expondo suas
aflições, dificuldades familiares, desavenças ou frustrações. Essas postagens,
que mostram o lado menos glamouroso de todos nós, fazem o gênero
a-vida-como-ela-é e têm um objetivo mais sensível: buscar conforto emocional,
solidariedade, empatia, compaixão.
Não
é mais – talvez nunca tenha sido de verdade – uma questão de compartilhar. É
uma espécie de urgência emocional que requer palavras de conforto e incentivo.
A mesma necessidade que nos faz ansiar por elogios quando postamos uma foto
bonita, uma conquista profissional, uma viagem, um encontro, uma celebração.
Os sentimentos ocultos
Então,
o que move a engrenagem das redes sociais e faz delas um absoluto sucesso não é
só a necessidade de relacionamento (uma das necessidades humanas apontadas na
Pirâmide de Maslow), mas também a vaidade e a carência emocional, sentimentos
tão antigos quanto a vida em sociedade. E não falo carência no sentido
negativo, de gente infeliz e solitária. Não. Falo de uma necessidade natural de
sermos aceitos, queridos e valorizados – coisa que qualquer pessoa quer (e à
qual Maslow dedicou outro degrau de sua pirâmide: a estima).
E
isso acontece com todo tipo de gente, em qualquer idade. Conheço um talentoso
adolescente que posta fotos incríveis no Instagram e que, rapidamente,
conquistou uma legião de elogios e seguidores, mas que estava entrando em uma
insana espiral de ansiedade ao checar, com frequência doentia, se seu número de
seguidores havia aumentado. No início do Twitter, havia empresas especializadas
em “fazer o seu número de seguidores aumentar dez vezes em uma semana”, em uma
clara demonstração de que mais valia a quantidade do que a qualidade das suas
postagens ou das suas interações. Só para citar dois exemplos.
A persona digital
No
afã de alcançarmos essa aceitação pública, as redes sociais são o trampolim
perfeito. A interação no universo virtual, que hoje molda nossos hábitos de
comunicação e existência, nos permitiu “criar” quem queremos ser, desenhando
uma persona (termo emprestado da psicologia que se traduz como o jeito como
desejo que os outros me percebam).
Claro
que desejamos que essa nossa persona digital seja interessante e atraente,
ainda mais porque, via redes sociais, alcançamos muito mais gente nas nossas
relações. Embaralhamos a realidade “real” e a realidade “virtual”. Como diz o
antropólogo Thomas de Zengotita, ninguém mais simplesmente É – a autenticidade
foi substituída pelo que “achamos que devemos aparentar”.
Nem tudo é o que parece
A
ideia de que as aparências enganam remonta à época de Platão. O filósofo grego
dizia que há dois mundos interconectados: o dos sentidos e o das formas (ou
ideias). Enquanto o primeiro é um conhecimento imperfeito, uma ilusão provocada
pela nossa interpretação subjetiva das coisas através dos cinco sentidos, o
segundo é a realidade, a essência imutável, as ideias mais puras que só
captamos quando vamos além dos enganos trazidos pelos sentidos. Em outras
palavras, nós enxergamos o mundo de acordo com o que ele aparenta ser, segundo
nossa visão e percepção, o que não necessariamente corresponde à realidade ou à
maneira que outras pessoas o veem.
Essa
necessidade de ser (ou parecer ser) cool, inteligente, bem informado, bem
sucedido e, de quebra, só fazer coisas legais é uma faca de dois gumes: de um
lado, pode significar uma ambição positiva (com ação acoplada, claro, senão não
adianta nada) de ter uma vida menos ordinária, não se contentando com o
“destino” e construindo um futuro cheio de significado e prazer. De outro lado,
pode gerar uma ansiedade sem tamanho e levar a se “esconder” no mundo virtual,
em uma perigosa opção de não sair para a rua em busca dos seus sonhos, de ficar
“travado” no que você gostaria que fosse e não no que realmente poderia ser
depois do seu esforço, foco e dedicação.
Melhor
pensar em todo o universo de possibilidades de aprendizado, entretenimento,
informação e crescimento profissional que as diversas mídias sociais podem
oferecer. Não, não é preciso abandonar o prazer de curtir a foto do bebê da sua
amiga de infância e acompanhar a vida de pessoas queridas que estão longe. Mas
o importante é não se tornar escravo de um universo paralelo, de uma
rede-social-mundo-perfeito. Apesar de tudo, a vida lá fora ainda pode ser muito
prazerosa se nos dedicarmos a construir as melhores experiências em carne e
osso.
Por
Mariela Castro
Fonte
Exame.com